terça-feira, 13 de agosto de 2013

Pelo direito ao tufão


No momento em que escrevo estas linhas está içado o sinal nº 3 de tempestade tropical, devido à proximidade do tufão Utor. Esta é a terceira vez este ano que um tufão passa perto do território, e existe a possibilidade de se içar o sinal 8 pela primeira vez. Pessoalmente estou céptico, apesar de no final desta tarde os mais optimistas terem acorrido aos supermercados para comprar sacas de dez quilos de arroz, garrafões de cinco litros de água e comida enlatada, não vá ser este o pai de todos os tufões, que os deixe fechados em casa durante várias semanas. Nos últimos anos têm sido muitos os tufões que passam perto mas não sopram pela RAEM, e contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que foi içado o sinal 8. Somos obrigados a aguentar o calor sufocante nos dias anteriores à sua passagem e a chuva incessante dos dias que o seguem, mas tufão propriamente dito, nem vê-lo. É como se os tufões deixassem de incluir Macau no seu itinerário. Quando se vê na TDM aquele anúncio que diz “estamos numa altura onde ocorrem tempestades tropicais”, esqueceram-se de acrescentar “…longe daqui”.

Gosto dos dias de tufão. Agrada-me ficar em casa, a sós com os meus pensamentos ou bem acompanhado, um vodka geladinho no frigorífico, comida q.b. no frigorífico. Mesmo que falte qualquer coisa, há sempre uma tasquinha ou um mini-mercado abertos. É um mito que tudo encerra quando é içado um sinal superior ao nº 3, uma coisa do passado. Como sou funcionário público, o sinal nº 8 ou superior durante o horário de trabalho é sinónimo de feriado inesperado, mesmo que seja apenas uma manhã ou uma tarde. Caso seja durante um fim-de-semana, é pena, mas pelo menos dá para assistir ao vivo e a cores a uma das manifestações mais belas da fúria da mãe natureza. Lamento que os trabalhadores da indústria do jogo e outros do sector privado sejam obrigados a comparecer ao seu local de trabalho, e isso demonstra alguma irresponsabilidade da parte de alguns dos “patrões” em Macau. Dia de tufão é para ficar em casa, e como não é todos os dias – e vai sendo cada vez menos – não causa prejuízo por aí além, Mesmo os turistas iriam compreender se o serviço que os apaparica ficasse suspenso durante as poucas horas em que permace içado o sinal 8.

Tenho uma colega, óptima pessoa que ao contrário de mim fica a torcer para que não passem por aqui tufões. Digo-lhe sempre que existirão sempre tufões, mesmo que não atingam o território, e que pelo menos temos as infra-estruturas que aguentem a ira da tempestade. Ao contrário de outras paragons por onde passa um tufão, não temos palhotas onde moram famílias inteiras a serem arrancadas do chão, telhados de colmo levados pelo vento, criancinhas semi-nuas arrastadas pelas cheias, ou aldeias soterradas pelas derrocadas. Na pior das hipóteses temos algumas pernadas de árvores arrancadas, placares publicitários caídos, veículos privados revirados ou inundados, caso estajam estacionados numa subcave, em suma, danos materiais que passados poucos dias ninguém se lembra. Não é de excluír que possam haver ocasionalmente algumas vítimas, mas normalmente são espertalhões que ignoram as recomendações da Protecção Civil. Mesmo os sem-abrigo têm o bom senso de recorrer aos abrigos improvisados durante estas ocorrência para se protegerem dos rigores da tempestade.

Os tufões, bem como outros fenómenos naturais mais agressivos, não são uma coisa nova. Muito antes das Filipinas serem habitadas, haviam tufões, e se as tempestades causam naquele arquipélago baixas humanas e danos materiais avultados, não será certamente por causa do factor surpresa. Se não quiserem pedir contas aos sucessivos (des)governos que os deixam vulneráveis aos rigores do clima das monções, peçam contas ao Criador, que supostamente espirra com baba e ranho, e assim nascem os tufões. Se existisse justiça nisto da meteorologia, os tufões apareciam em toda a sua pujaça em Macau, onde estamos preparados, e poupavam as zonas rurais das Filipinas, bem como do continente chinês e do Vietname, para onde seguem depois de nos “ameaçar”. Há quem diga que Hainão, idílica ilha chinesa que ameaça mesmo competir com Macau como destino de jogo, é um sítio bestial e não sei quê. A julgar pela frequência que os tufões vão ali parar depois de esnobarem Macau e Hong Kong, pensaria duas vezes antes de passar lá férias.

Portanto sinto que temos o “direito ao tufão”. É estranho que em vinte anos tenhamos passado de pelo menos dois ou três tufões a sério por ano para uns meros um ou dois espaçadamente, e que os Serviços de Meteorologia de Macau sejam tão tímidos em levantar o sinal 8. Tenho saudades do tempo em que acordava de manhãzinha, ligava a televisão e ficava a saber que havia tufão, dava meia-volta e voltava para a cama. Chego a desconfiar que esta míngua de tufões a que estamos sujeitos tem qualquer coisa a ver com aquela “lista negra” produzida pela Lei de Segurança Interna, só que em vez de impedir a entrada de intelectuais de Hong Kong, impede a vinda de tufões. O Governo da RAEM já começou em Junho a distribuir os tais cheques de oito mil patacas que a população passa uma boa parte do ano à espera para trocar de telemóvel ou viajar. Agora é altura de nos mandar uns tufõezinhos para ajudar a limpar as ruas e sacudir um pouco do pó que vai pairando graças ao calor e à humidade. Pensem lá nisso, a bem da harmonia que passa por ficar em casa a ouvir o vento assobiar livremente pela nossa selva de cimento.


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