quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A oficina da droga


O Secretário para a Segurança de Macau, Cheong Kwok Wa, apresentou alguns números da toxicodependência em Macau, que como sempre registaram um aumento tanto no tráfico, como no consumo. Assim o número de utilizadores de estupefacientes cresceu em 20%, enquanto que a quantidade de droga que entrou no território registou um surpreendente aumento em 60%. Ou passou a haver mais produto para todos, ou estes 20% que agora entram nas contas consomem mesmo a valer. O secretário referiu ainda a necessidade de dar mais atenção ao aparecimento de novas drogas sintéticas que ainda não constam da lista de substâncias proibidas, que são produzidos em “oficinas”, citando o próprio. Não resisto a fazer uma piada: enquanto se alinha uma embraiagem ou se muda o óleo aos travões, produzem-se substâncias psicotrópicas que ajudem a equilibrar as contas da “oficina”.

É claro que estou apenas a ser parvo, e sei que o secretário queria dizer “laboratórios” em vez de “oficinas”. O que mais me preocupa é o que Cheong Kwok Vá disse de seguida, e que sugestões apresenta para ajudar no combate à toxicodependência: penas de prisão mais pesadas. Cheong defende que as molduras penais não são suficientemente dissuasoras, e que o melhor é fazer os potenciais infractores pensar duas vezes em vez de depois ir atrás deles. Pois é, quando a batalha começa a ficar perdida, o melhor é ordenar a retirada, e tentar ganhá-la na secretaria. E apesar de apanharem traficantes a um ritmo diário, os senhores polícias têm mais que fazer.

Mais uma vez se procura recorrer a medidas preventivas em vez de punir simplesmente quem infringe a lei, colocando em cheque o livre arbítrio a que cada um tem o direito, sujeitando-se às consequências dos seus actos. Alguns casos de pequeno tráfico, do tipo “formiga”, são punidos com penas que vão além dos dez anos, e ainda acham isto “convidativo” como opção de carreira? Agravar as penas só vai fazer os intermediários passar mais tempo atrás das grades, e deixa impune quem realmente lucra com este negócio. Para estes não vai ser difícil encontrar alguém que lhes faça o trabalho mais sujo, normalmente gente desesperada com dificuldades financeiras ou consumidores procurando sustentar o seu vício, por vezes ignorando o risco que corre e a dimensão do castigo a que se sujeita.

Em Macau as três maiores indústrias menos aceites pelos parâmetros da moral e dos bons costumes são o jogo, a prostituição e a droga, e aquelas que maiores preocupações levantam em termos de segurança pública. É de estranhar que uma seja legal, outra tolerada e a terceira rigorosamente proibida, apesar de andarem muitas vezes de mão dada. A discrepância na forma como se encaram as três como potencial ameaça para a segurança é gritante. Os crimes relacionados com o jogo são tão ou mais graves que os da droga, e se o objectivo fundamental é proteger a saúde e o bem-estar da população, não existem grandes diferenças entre as três em termos de perigosidade.

Quando deparo com propostas deste género, de castigos exemplares que desencorajem a prática deste tipo de crimes, vêm-me à memória as declarações de outro alto responsável da justiça na RAEM, que em tempos insinuou que a pena de morte seria uma solução eficaz para combater o tráfico de droga. Não tenho nenhum tipo de respeito por quem ganha a vida à custa do tráfico, alimentando vícios e fomentando outros, seja qual for o motivo. Mas se começamos a ponderar aplicar a pena de morte para este crime, abrimos a porta a que outros crimes censuráveis pela sociedade sejam encarados da mesma forma, e passíveis do mesmo tratamento, banalizando o uso da pena capital como remédio para todos os males. Esse é um caminho que devemos evitar tomar, ou um dia arriscamo-nos a ser apanhados sem querer do lado errado da lei e ficamos sem argumentos para questionar uma medida que nós próprios apoiámos. Nunca se sabe.

Quando se criou a Região Administrativa Especial de Macau à luz do segundo sistema, a Lei Básica estabeleceu um conjunto de directivas que garantem a protecção de direitos fundamentais, e entre esses encontram-se o direito à vida, à liberdade e numa interpretação mais minuciosa feita com base no espírito da lei, o direito à reintegração do indivíduo marginalizado na sociedade, uma nova oportunidade para quem cometeu um erro. É triste assistir a altos responsáveis a quem compete fazer cumprir estas directivas sugerir medidas tão radicais para crimes que não os de sangue e muitas vezes são cometidos pela primeira vez. Talvez lhes conveha recordar o que ficou combinado.

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