O livro "Memórias do Oriente em Guerra - Macau", da autoria de Leonel Barros, é um testemunho histórico impressionante de um passado recente de Macau que ainda muita gente desconhece. O livro fala das privações que o território e as suas gentes passaram durante a ocupação japonesa e a Guerra do Pacífico. Macau era território neutral, dada a relação de amizade do Estado Novo tanto com a China como o Japão, mas o território vivia sobre constante ameaça do exército imperial japonês, que mantinha milhares de efectivos tanto em Hong Kong, como do outro lado das Portas do Cerco e nas ilhas próximas de Macau.
O Governo da província de Macau desdobrou-se em esforços diplomáticos para manter Macau neutro e a sua população segura. Neste aspecto destacam-se o governador Gabriel Maurício Teixeira, que governou Macau entre 1940 e 1947, certamente o período mais difícil da sua História, o chefe dos Serviços de Economia Pedro José Lobo, o chefe da Polícia Marítima, Botelho de Sousa, ou ainda o capitão Ribeiro da Cunha. A certa altura Leonel Barros conta que o exército japonês planeava mesmo ocupar definitivamente Macau, e o Governador dirigiu-se a um oficial japonês junto das Portas do Cerco, e com a ajuda de um tradutor fê-lo saber que "o teriam que matar primeiro".
O mais impressionante são os testemunhos, muitos deles na primeira pessoa, sobre os tempos difíceis vividos no território no início dos anos 40. Relatos de fome, crueldade, violência, morte, doenças, um verdadeiro estado de guerra. Impressionantes também os relatos da situação dos milhares de refugiados da China Continental e de Hong Kong - a população passou de 200 mil em 1939 para mais de 500 mil poucos anos mais tarde, numa área de 600 hectares. Destaque para a história do assassinato do comerciante português Francisco Fernandes Rodrigues (fundador da agência F. Rodrigues) e da história de Wong Kong Kit, um residente chinês pró-Japão morto pelo exército português no final da guerra.
"Memórias do Oriente em Guerra - Macau" é um livro cativante, da primeira à última página. Pode-se mesmo dizer com grande margem de segurança que daria um grande filme. Publicado em 2006 com a chancela da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) e com a coordenação da jornalista Mariana Palavra, o livro pode ser adquirido na Livraria Portuguesa pela módica quantia de 80 patacas. Praticamente dado. Uma experiência verdadeiramente única e apaixonante que nos permite conhecer a fundo um período negro da História de Macau.
7 comentários:
Em meados dos anos 90, tive oportunidade de entrevistar o querido Padre Teixeira (já falecido), e em conversa ele contou diversas histórias passadas em Macau no tempo da 2ª grande guerra. Houve uma história que me chocou na altura e por isso ficou na minha memória.
-Na época da 2ª grande guerra passava-se muita fome. Os cidadãos comuns chineses, deixavam-se ficar às portas de estabelecimentos nocturnos frequentados por militares, onde os mesmos tinham o privilégio de ter alguma comida e bebida. Os tais comuns mortais esfomeados, esperavam que os militares saíssem dos bares embriagados e vomitassem o que tinham comido, para então poderem matar a sua fome.
Fiquei muito impressionado com esta história e ainda hoje relembro e conto isto com alguma dificuldade. Mas é verdadeiro este testemunho.
No "Eu Estive em Macau durante a guerra" de António de Andrade lê-se ainda pior. Havia chineses que aproveitavam a corrente de esgotos de comidas mal digeridas como ervilhas e milhos. O livro é, se não me engano, do Instituto Cultural, pois o autor chegou a general. Eu comprei-o , li-o e levei-o para Portugal para o oferecer ao sr. Coronel Eduardo Abreu, falecido em 2004 com 91 anos, que passou toda a guerra em Macau vivendo na Fortaleza do Monte, onde aí, a sua esposa, falecida no ano passado, teve três filhos. Ouvi-los dissertar sobre o que se passou nesse tempo era um deleite, como, por exemplo, quando chegou a notícia da bomba atómica sobre Hiroshima, o facto de a população chinesa ter andado toda a noite a queimar panchões a ponto de o Governador ter proibido tal com receio de provocar a ira dos japoneses.
RAUL (de Pequim)
Obrigado pela divulgação deste título, caro Leocardo.
Eis um tema que deveria cativar o interesse de muitíssimo mais gente, tanto em Macau, como no Japão, como em Portugal, e não se percebe porque se conserva em tamanha obscuridade.
Entre as muitas questões que surgem sobre esse período, nem se fala sequer, por exemplo, do que terá levado o Exército Imperial Japonês a respeitar a neutralidade do território numa altura em que tal estatuto não era nem pouca mais ou menos garantia da sua inviolabilidade, e mais, tendo em conta, que a propaganda japonesa da época, apresentava e justificava a guerra como uma campanha de "libertação da Ásia" do jugo Europeu.
De resto sabemos que a mesma sorte de Macau, não teve Timôr.
Da minha parte, bem que gostaria de conhecer mais obras sobre esta matéria.
Amigáveis cumprimentos do Japão,
NBJ
Caro NanBanJin, subscrevo inteiramente o seu comentário.
Sempre me indaguei acerca da verdadeira razão pela qual a neutralidade de Portugal/Macau foi tão respeitada pelos japoneses durante a II Grande Guerra.
Há quem diga que uma das razões era a grande comunidade de japoneses residentes no Brasil.
Realmente o Brasil tem a maior comunidade de japoneses fora do Japão de todo o mundo (mais de 1.5 milhões em 2000), e isso poderá ter pesado muito na estratégia do imperador Hirohito.
Mas sinceramente gostava de saber mais sobre este periodo tão conturbado da História de Macau.
"...sabemos que a mesma sorte de Macau, não teve Timôr".
Pois não, mas podia ter tido. É também estranhíssimo que ninguém escreva sobre isso, mas eu li sobre uma teoria que pode explicar perfeitamente o porquê de o Japão ter respeitado um território português e não o outro. Se essa teoria (credível, quanto a mim) estiver certa, Portugal deveria "agradecer" a invasão de Timor àqueles que, historicamente, são considerados pelos lambe-botas portugueses os seus "mais velhos aliados", mas que nunca perderam uma oportunidade para trair Portugal: os britânicos.
Timor, território português, era, obviamente, neutro, e os japoneses num primeiro momento respeitaram isso. Mas os "amigalhaços britânicos" é que não respeitaram essa neutralidade, e convenceram as tropas australianas de que tinham obtido a aprovação dos portugueses para "defenderem Timor do perigo japonês". Mais tarde (uma no cravo, outra na ferradura), pediram desculpas a Portugal pela invasão australiana, como se não soubessem de nada. Ora, os japoneses, quebrada a neutralidade de Timor, acharam-se (e muito bem) no direito de também lá entrar. Portugal (que já nessa altura não tinha mais que uma triste tropinha fandanga), apesar dos veementes protestos formais, nada pôde fazer.
Para ajudar à festa, houve timorenses e portugueses que ajudaram os aliados a combater os japoneses, o que levaria depois a torturas perpetradas pelos japoneses que poderiam ter sido evitadas. Salvo erro, foi um australiano que escreveu sobre isto. Quanto aos portugueses, não conheço nem um que sobre isto tenha escrito, e continuam a considerar os britânicos os seus eternos aliados. É o habitual lambe-botismo português aos anglófonos.
Há uns anos um conhecido arquitecto daí disse-me q qd os japoneses ocuparam HK, alguns portugueses descobriram q havia brasileiroes entre eles depois de os insultarem. -As malhas q o império tece...
Também sei que na altura na 2ª grande guerra,muita gente em macau morria de fome;praticamente não havia caes,gatos e ratos em macau.Acho que não é preciso explicar porque.
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