quarta-feira, 31 de março de 2010

Metade de nós


Uma irmã uma companhia real ou fantasia.
Alguém como eu e tão diferente como quem rasga um véu.


(Um chamado) desejo eléctrico, GNR

Ter um irmão é uma coisa sensacional. Quem tem irmãos ou irmãs tem a sensação diferente de quem é filho único. Os filhos únicos contentam-se com os primos, que não são nada “como irmãos”, e na verdade são todos uns sacaninhas. Existe uma cumplicidade invasiva em ter vindo da mesma semente e partilhado o mesmo ventre. São o nosso balanço, o outro código genético idêntico na face da Terra. Tenho irmãos e irmãs, não vou dizer quantos nem se sou o mais velho ou o mais novo, porque isso não interessa para nada. Só posso dizer que não passa um dia em que não me lembre deles, apesar das distâncias. Não há mais ninguém, absolutamente ninguém lá longe que me lembre todos os dias, mas eles. Os irmãos são os amigos com que podemos contar quando nos faltam os amigos. Os irmãos são sempre as pessoas que ficamos contentes em ver, seja com que estado de espírito. Não tenho nenhum irmão gémeo idêntico ou outro qualquer, mas imagino que isso deve ser horrível, estar ali com uma cópia autenticada nossa, e sem saber o que ele está a pensar. Com os irmãos partilhamos todas as nossas recordações mais queridas da infância: os avós, os cães, as brincadeiras, as memórias daquela vez que o tio, bêbado, bateu na tia, tudo isso e muito mais. Os irmãos são as pessoas com que dormimos e tomámos banho juntos, partilhámos comida e cigarros, e sempre sem um pingo de nojo ou pudor. Quando temos irmãos mais velhos, temos ali como que um segundo pai a quem podemos pedir conselhos e ajuda. Quem tem irmãos mais novos sente a obrigação de os ajudar, de os aconselhar, num lívido sentimento de paternalismo. Não sei ainda o que é perder um irmão, mas imagino que deve ser uma grande parte que arrnacam de nós um dia, numa dor que apenas a nossa própria morte vai atenuar. Perder um irmão é a segunda pior coisa que pode acontecer depois de perder um filho; os pais e os avós vão antes de nós, como manda a ordem natural das coisas, mas os irmãos estão lado a lado, são os nossos companheiros de luta. É horrível quando temos um irmão que é melhor ou pior que nós. Se é melhor, ficamos a reflectir no que foi que falhámos perante um caso de “igualdade de oportunidades”. Se é pior que nós, sentimos pena. E é mau sentir pena da nossa outra metade.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Os irmãos são as pessoas com que dormimos e tomámos banho juntos, partilhámos comida e cigarros, e sempre sem um pingo de nojo ou pudor"

É verdade, mas esta parte também consigo fazer com gajas boas que não são da minha família.

Leocardo disse...

Pois...