Outubro, mês outrora dado aos tons de vermelho, vai adquirindo uma tez de cinzento, mais da suspeita do que da certeza. Fico na dúvida, e é uma dúvida que me atormenta: será melhor que chova logo, ou que sol dissipe esta congestão e remeta a precipitação para a época que melhor se adequa ao efeito?; um Novembro qualquer, Dezembro ou até Janeiro, quando todos estiverem abrigados dos caprichos do imprevisível, à mercê das circunstâncias, a salvo do perigo. Identifico-me melhor que ninguém esse com impulso libertador, com essa raiva, esse murro que a mesa andava a pedir e cujos punhos cerrados não podiam esperar mais um minuto para descarregar a força acumulada: vamos desafiar o tirano, ouvimos dizer que é agora ou nunca, que está enfraquecido, vulnerável, e convém malhar o ferro enquanto esta quente. Não o podemos deixar agregar forças, não sabemos quando vai baixar de novo a guarda, ou o que vai ser de nós se resolver ajustar contas. Ah, a a justiça poética, vingança doce vingança. Nada como ver agressor no lugar do agredido, um Mussolini pendurado de cabeça abaixo, um Ceasescu encostado a uma parede e vergado pelas balas, cada uma representando as almas anónimas, para gaúdio das famílias angustiadas e agora ressarcidas, um Saddam a baloiçar na ponta de uma corda, a sensação de alívio que tudo isso nos deixa, mesmo que nada disto nos diga nada. É um pouco como nos filmes - queremos que acabem bem, com os namorados a ficarem juntos, os "maus" a terem um fim terrível, aquele que merecem, e o melhor amigo do herói a morrer a meio da história, para que dali retiremos uma lição subliminar de a justiça será sempre feita.
A este ímpeto libertário deram o nome de "Occupy Central"; existia um plano, nunca se escondeu o jogo, e era em nome de uma tal democracia que se enfrentava o monstro. A liderar o desfile está gente inteligente, experiente, que conhece o inimigo, sentou-se à mesa com ele e diz que sabe o que faz. Conta connosco e anuncia amanhãs de igualdade, justiça e um mundo de oportunidades para todos, de transparência, vamos finalmente ver-nos livres do tirano, que nos aperta, que nos vigia, que nos persegue e nos ameaça, a nós e às nossas famílias, que nos condiciona, que nos faz pensar duas vezes, que nos deixa a desconfiar tudo e de todos, mesmo dos amigos, mesmo das melhores intenções - que diabo, não é por nossa culpa ou daqueles que nos trairam que somos tão amargos e às vezes injustos. O ser humano tem uma natureza boa, pura, especialmente se o ser humano somos nós. A culpa é dos outros, dos seres humanos "desumanos". Eles é que causaram o terror e nunca nos deixaram por um pé em ramo verde. Foi tanto o abuso, tao apertadas as correntes, que passámos a acreditar seja no que for: mesmo outro inferno é melhor que sempre o mesmo inferno. Já não acreditamos em mudanças, são tudo promessas vãs, e a mudança somos nós, mesmo quando deixamos a mudança nas mãos de quem não conhecemos ou de quem pouco ou nada sabemos. Sabemos que são a antítese do mal, e para nós e todos os outros, isso só pode ser o "bem".
Basta de escutar o "monstro", que diz que sabe o que é melhor para nós e tem sempre em mente os nossos interesses. Vamos atrás da alternativa, pouco importa o que dizem os outros - os que não são senão cobardes, conformados, acomodados que aceitaram o carrasco porque este os convenceu que mudar seria sempre pior. São os fracos que tudo medem pela tabela do pobre e do medíocre: ao mal que temos só poderá suceder um mal pior, e acreditam ingenuamente que um mal menor pode chegar um dia, e para isso basta aceitar o pouco que lhes dão, que é sempre melhor que nada. Os que ousam discordar dão agora o passo no escuro, cientes que ao fim do túnel estará a luz, ou pelo menos uma saída qualquer. Acreditar é apostar tudo, pois perder tudo para quem tem pouco não é nada, quando em retorno se pode ter mais do que alguma vez imaginámos. Ou pelo menos é isto que nos prometeram quando subimos a parada, e pouco importa se no processo caiam a Nao escutem o que vos dizem os profetas da desgraça, os que apontam para o fracasso do que chamam de "quimera", e garantem que é tudo um "sonho", e que se de está a pedir o "impossível". Abstraiam-se do grasnar desses palmípedes do mau agouro, que falam de instrumentalização, adoptando o discurso do inimigo, evidenciando que este se borra de medo. É simples: quem não está connosco está contra nós, e contra a democracia. Como somos pela democracia, somos a única alternativa.
Não se deixem portanto iludir pelos sabotadores e anestesistas da grande dor de que sofremos e foi causada pelo regime. Não vão atrás daqueles que vos dizem que em qualquer outro lugar da Ásia - quiçá do mundo - as autoridades nunca nos deixariam ficar de plantão durante três semanas no centro financeiro do sistema, porque isto é "diferente" - afinal estamos a combater o império do mal, o pior que alguma vez existiu a face da Terra, e outro que seja adoptado depois deste será sempre bom, desde que faça oseja contra ele. O que importa se Chan Kin Man, um dos organizadores do movimento, pensou em voltar atrás em Agosto, voltou a apoiar incondicionalmente em Setembro, disse que não arredava pé a 3 de Outubro e esta sexta-feira disse estar "desiludido", e "
preparado para se entregar às autoridades? O que importa que existam empresas nos Estados Unidos com planos de se instalarem no mercado chinês e façam projecções dos lucros daqui a dez anos dando como adquirido que o regime vai cair? Lá estou eu a "pisar", a fazer juízos de valor sobre pessoas que dizem uma coisa e depois outra e depois voltam à mesma e mudam outra vez, ou a pensar que isto tudo tem um fim lucrativo. - se não apoio, então o melhor é ficar caladinho, porque isto da democracia é como um rolo compressor, e onde não há é melhor que se invente. E se morre alguém? Afinal nas revoluções morrem pessoas...heróis quando a causa sai vitoriosa, mártires quando nem por isso. Epá, vira essa boca para lá, que esta é a "revolução dos guarda-chuvas". É sobre guarda-chuvas, não é sobre revoluções.
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