sábado, 11 de outubro de 2014

Lúdico/Louco



Enquanto os próximos vídeos estão em fase de pré-produção (pelo menos dois, tenho andado com um bocado de preguiça) vão ficando com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau. Continuação de um bom fim-de-semana!

Macau é um lugar de gente séria, um “Gentleman’s Club” muito exclusivo com uma dependência ao estilo do “Lion’s” para as senhoras, e ainda um recreio inspirado no famoso “Cube” do Venetian para os gaiatos se entreterem enquanto os graúdos sérios falam de coisas sérias, e a sério, mesmo que pareça que estão só a brincar. É que a brincar a brincar, o macaco nunca tirou o curso de piloto, e deixa o avião em modo de piloto automático, não se preocupando com o destino final ou com o facto de não saber como aterrar o aparelho. Com alguma sorte evita acertar em cheio com o nariz do Boeing no traseiro da mãe macaca, e isto dando à velha cantilena do “a brincar a brincar o macaco não-sei-o-quê” uma roupagem mais adequada à realidade actual.

Aqui na Casinolândia, onde floresce a pataca e os patos não são senão bravos, nada, mas mesmo nada é feito, dito ou pensado a brincar, mesmo que o mais elementar senso comum identifique a presença da bactéria da brincadeira. Este quadro clínico tem o aliciante de nos deixar mais nada senão pistas a seguir, como numa caça ao tesouro. Ingenuamente, demorei anos a entender o funcionamento desta versão do jogo do Monopólio, aqui rebaptizado de “Jogo dos Monopólios, das famílias tradicionais, capitalismo selvagem e especulação desenfreada”, com um bónus incluído e tudo: um livrinho em tudo semelhante ao “Where’s Waldo”, onde o objectivo é encontrar o tal Waldo por entre um caos de blocos de apartamentos e aumentar-lhe a renda – é o “Encontra o Waldo e aumenta-lhe a renda”, nome que assenta como uma luva, atendendo à situação de Macau.

Aprendi este “Jogo dos Monopólios, das famílias tradicionais, capitalismo selvagem e especulação desenfreada” quando existia apenas a primeira versão, o “Respeitinho é muito bonito e eu gosto”. Foi nos tempos do antigo blogue, quando na secção de comentários me acusavam de estar a “brincar com coisas sérias”. Se pedia para concretizar exactamente que cauda andava eu a pisar, respondia-me “sabes muito bem”, e sem querer acabei por instalar o pacote completo de jogos, que vinha ainda com mais um quebra-cabeças, inspirado no velhinho Jogo da Glória, que se joga ao serão em família, mas aqui chamado de “Jogo do Come-e-cala-te”, e tem o desesperante aliciante de se jogar a toda hora, e quantos mais participantes, melhor. Nem dá para entender o ar angustiado dos jogadores, tratando-se este de um jogo tão divertido.

O meu conceito daquilo que é “sério” é bastante ambíguo, principalmente desde que descobri que existe um considerável número de pessoas aparentemente alfabetizadas que leva a sério coisas como a tourada. Por esse motivo quando jogo ao “Jogo dos Monopólios, das famílias tradicionais, capitalismo selvagem e especulação desenfreada” passo a maior parte do tempo na prisão. Já sei que não sou o único, pois casa-sim, casa-não, vai-se parar à tal prisão, sendo as restantes casas ou da “harmonia”, que não nos dão nada mas evitam-nos sarilhos, e apenas alguns poucos jogadores VIP têm acesso ao cartão “Patriota”, que os livra de ir parar à choldra. Por incrível que pareça, consigo sempre evitar as casas do activismo, do sindicalismo ou aquele sempre desagradável buraco negro onde se lê no cartão correspondente: “Participou de uma manifestação não autorizada e foi filmado por agentes à paisana. Vá para a prisão e fica duas vezes sem jogar”, mas caio sempre na terrível armadilha do sarcasmo, da ironia e da sátira, que apesar dos nomes convidativos, são casas cinzentas, ou seja, não constam do Livro de Regras Básicas deste jogo, e portanto são “ilegais”, fazendo de mim um “mau jogador”.

Cansado de perder no “Jogo dos Monopólios, das famílias tradicionais, capitalismo selvagem e especulação desenfreada”, peço para experimentar o “Encontra o Waldo e aumenta-lhe a renda”, mas dizem-me que o acesso é “reservado a proprietários”. Mordido pela curiosidade, estiquei o pescoço para me inteirar de como divertidos estavam os participantes deste jogo, e fiquei espantado quando me apercebi que eram exactamente os mesmos que no jogo anterior eram portadores do cartão “Patriota”. Seria apenas coincidência? Não me restava senão jogar o “Jogo do Come-e-cala-te”, recomendado pelos melhores pediatras, que o aconselham a que se ensine às crianças de tenra idade, para precaver eventuais dissabores na idade adulta.

O jogo é aparentemente fácil, e das 100 casas que o compõem há apenas duas a evitar: a nº 23, a da “dissenção, traição e dissidência”, que nos deixa de fora até outro jogador cair lá também, e a mais cruel de todas, a nº 99, a do “despedimento sem justa causa”, que nos elimina do jogo quando já nos preparávamos para cantar vitória, e tem a agravante de nos colocar na lista negra de todos os outros locais onde se pode jogar. Tempos houve em que bastava apresentar um “joker” em forma de cartão que comprovava que tínhamos conhecimentos suficientes para exercer a profissão, mas este deixou de ser válido e foi substituído por outro, em forma de crucifixo.

De que raio estou eu para aqui a falar, pergunta o leitor mais inocente. Não sabe? Não entendeu? Que bom para si; é sinal que tem caído na casa da harmonia muitas vezes, evita os nºs 23 e mesmo que caia no 99 já tem um crucifixo, não é, seu sortudo. Com toda essa verve seguidista só teve azar de ter chegado muito tarde. Chegasse uns dez anos antes, ou mais, e ainda tinha lugar reservado no jogo onde procurava o Waldo para lhe aumentar a renda. Ai o sacana, a pensar que pode viver na Casinolândia à pala, quando o consumo mínimo são os olhos da cara.


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