Agora que o movimento Occupy Central se encontra praticamente diluído no retorno dos honconguenses à vida quotidiana e ao trabalho, olhamos para o que ficou e vemos pouco mais que prejuízo,bastante, algum lixo deixado pelas duas semanas de protestos, além dos prejuízos materiais, nada por aí além, e finalmente aquilo que é o mais importante: o fiasco que representou o movimento em matéria de realização de objectivos concretos - e como poderia, se não se propôs a mais do que os costumeiros apelos à democracia e ao bate-pé com a China, desta feita com o sufrágio universal como pretexto? Não é fácil racionalizar os motivos que levaram milhares de pessoas a paralisar uma das maiores praças financeiras mundiais, arriscando ainda, no limite, a uma possível repressão violenta encomendada pelo Governo Central. Seria preciso ser de Hong Kong para entender as razões que levam alguém a arriscar tanto por muito pouco, e apenas Benny Tai e os seus pares saberão o que tiraram de mais esta experiência, tão ruidosa e no entanto tão inconsistente.
Mas mesmo sem ter deixado o regime de Pequim em cheque, ficou evidente que este apresenta já bastantes fissuras, que vão deixando entrar muita "água" e desta feita o fizeram abanar mais do seria possível imaginar, tendo em conta o avanço significativo dado em matéria de influência no xadrez mundial. Esta "tremideira" pode ser explicada pelas diversas cisões internas dentro do partido único, muitas delas causadas pela recente iniciativa de Xin Jingping, decidido a combater a corrupção entre os detentores de altos cargos, o que tem deixado muita gente descontente, desde os visados até os outros quadros superiores, médios e possivelmente uma boa parte do crime organizado, e é ingenuidade pensar-se que este se abstinha de participar em qualquer actividade que não envolvesse avultadas somas de capital. O presidente chinês precisa de repensar a estratégia e procurar algum consenso dentro do partido, pois parece evidente que o "inimigo" está mais forte, mais organizado, e vai dando a entender que atacará quando o adversário revelar fragilidade. Isto parece ter sido apenas um aviso.
Do lado de fora, os observadores dividem-se entre o apoio total e moderado ao movimento, ou à oposição com base no princípio de que é contra-producente - e pouco importa o que diz o Congresso Norte-Americano, que adora "gozar" com a China. Não entendo bem as razões que levam estrangeiros, isto "não chineses" a apoiar um movimento que poderia muito bem descabar numa queda do regime, e nunca em circunstância alguma isto seria favorável aos expatriados. Olhando para o passado, mesmo o recente, quando a China fecha para balanço, é apenas entre eles, e os forasteiros esperam à porta. E lembrem-se que o conceito de "chinês" é fortemente baseado na consanguinidade, e ao grão de pureza da mesma. Mas não se pense que morro de amores por este regime, que tem uma grande quota-parte de responsabilidade nesta crise. Sabendo que todos os regimes totalitários são à partida temporários - e podem ser apenas 5 ou 10 anos como 50 ou 100 - o Governo Central tem-se limitado a enxotar os mosquitos do que em comprar um mosquiteiro, mas a olho nu não me pareça que tenha sido este o momento em que revelou mais fragilidade.
Tivesse isto que ser resumido para uma parábola, seria a do cão e o seu dono, que mantém o animal preso a uma trela. No início o cão não se queixa, mas começa a pedir mais espaço e a "esticar" as correntes. Um pouco hesitante, o dono dá-lhe mais uns centímetros de trela, e um pouco mais eventualmente, mas recusa-se a soltá-lo. A certo ponto torna-se evidente que o cão quer ser solto, mas o dono recusa-se. Fica triste mas é ignorado. A seguir começa-se a tornar arisco, a rosnar, e o dono considera se será boa idea soltá-lo finalmente, mas recua logo que nota a agressividade do animal cada vez que se aproxima dele. E a partir desse dia a preocupação de ambos passa a ser sempre a mesma: o cão tenta soltar-se à força, e o dono só pensa em garantir que a trela que o mantém preso é segura. O vizinho do lado, agastado tanto com a forma com que o homem trata o animal como os uivos e latidos do bicharoco, vai pedindo que este seja solto, mas quando lhe é dito que não se intrometa no que se passa extra-muros, indigna-se e vai reunir o apoio dos restantes vizinhos, que censuram e pedem a liberdade do cão. Penso que é fácil determinar quem-é-quem neste conto, se o adaptarmos à situação anteriormente descrita. Resta saber se é mesmo sensato deixar à solta um cão que nunca foi ensinado.
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