sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A "vermelhinha" de Chui



Os leitores mais velhos (como eu) devem estar recordados de um jogo de "batota" conhecido por "Jogo da Vermelhinha", bastante popular nas ruas de Lisboa em finais dos anos 70 e inícios de 80, tendo então sido relegado para a clandestinidade à medida que o país foi ganhando uma cara mais limpa. Existiam dois tipos de "vermelhinha", um com conchas e outro mais popular com três cartas de jogar: duas "pretas" (paus ou espadas) e a terceira vermelha (copas ou ouros). O dono do jogo mostra-as, depois vira-as para baixo e baralha-as, mudando-as rapidamente de posição. A "vítima" deverá tentar acertar qual das três é a vermelha, o que quase nunca acontecia, alegadamente por culpa da destreza do "artista", ou porque era utilizado um "truque de manga" que deixava apenas cartas pretas em cima da mesa, mas quando o jogador pedia para que virassem as outras duas que não escolheu, a vermelha estava lá sempre.

Em Macau a notícia da semana foi o anúncio de Chui Sai On, recentemente reeleito Chefe do Executivo, de que "não é garantido" que sejam distribuídos os habituais cheques de compensação pecuniária, a forma encontrada em 2008 pelo seu antecessor Edmundo Ho para "distribuír pela população a riqueza" obtida sobretudo - ou quase na totalidade - pelos impostos cobrados à concessionários de jogo pelos avultados lucros obtidos pelos casinos. E o problema reside exactamente aí: as receitas têm caído nos últimos quatro meses, o que pode ser considerado "normal", dado que têm vindo sempre a subir, mas já menos normal é a previsão para os próximos dois meses, onde a queda será mais acentuada, podendo cifrar-se nos quarenta pontos percentuais no mês de Dezembro. Preocupante para os cofres da RAEM, que dependem destas receitas, e mais uma dor de cabeça para o nosso CE, a juntar à constituição do elenco do Executivo, onde parece não haver "meninos" que queiram ir "brincar" com ele. É que já com o habitual paliativo não dá para a população esquecer as pouca-vergonhas que são a especulação imobiliária e a inflação, então sem ele Chui tinha a malta à porta a cantar-lhe "yat chi chin kam" (一擲千金), que é como quem diz em português "ó Abreu dá cá o meu".

A notícia está aí, ninguém nega, as receitas estão a cair, mas ao contrário do pânico habitual que leva a temer que os "cowboys" arrumem a trouxa, despeçam-se com um "thank you and goodbye" e depois fiquemos a esperer séculos até que as ruínas do COTAI adquiram interesse arqueológico, parece continuar tudo bem no Jardim da Harmonia: os indicadores mostram uma forte possibilidade de retoma assim que Xi Jingping suspender ou abrandar a "caça às bruxas" da corrupção no continente, e as núvens negras que pairam sobre Hong Kong se afastem, os investidores voltem a adquirir a sua vampiresca sede de lucro, e tudo o que se ouve seja o tilintar das caixas registadoras - assim seja, e daqui a poucos meses temos o anúncio dos tais cheques. Aí será a altura certa para Chui Sai On sair à rua com a sua mesinha, o seu baralho de cartas e montar a sua barraca da vermelhinha, e ao contrário dos malandrins alfacinhas, o CE quer que o apostador ganhe, e não só dispõe apenas cartas vermelhas na mesa, como ainda as vira com a face para cima e ajuda o apostador fazendo sinais para que faça a escolha acertada (com esta gente, nunca se sabe).

Caso venham os vermelhos trazer para Macau o verde que depois dará a rubra consistência ao baralho do nosso Chefe e evitar um alerta-vermelho, Chui poderá optar pelo "naipe" de ouros, aumentando o valor do cheque e assegurando que 'nada pasa', ou pode ainda realizar uma operação de charme, escolhendo as copas, alegando que "apesar da crise" foi possível distribuir o maná, dando assim uma de pobrezinho e ao mesmo tempo de generoso. O pior é se as cartas teimam nos tons de preto, cor aziaga para a cultura chinesa, e nada resta ao chefe senão os paus da "moca" com que arrisca a levar ou as espadas, como a de Demócles que agora paira sobre a sua cabeça. Aí pode ser que seja subitamente acometido de uma crise de gota aguda, e passe a barraca da vermelhinha para outro, mas se já é difícil arranjar uma equipa que ajude a tornar este cenário negro e aziago num vermelhusco mais próspero, então aí vai ser o diabo a sete. Vamos esperar que não, e que nesta "vermelhinha" todos saiam vencedores.

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