Os leitores mais velhos (como eu) devem estar recordados de um jogo de "batota" conhecido por "Jogo da Vermelhinha", bastante popular nas ruas de Lisboa em finais dos anos 70 e inícios de 80, tendo então sido relegado para a clandestinidade à medida que o país foi ganhando uma cara mais limpa. Existiam dois tipos de "vermelhinha", um com conchas e outro mais popular com três cartas de jogar: duas "pretas" (paus ou espadas) e a terceira vermelha (copas ou ouros). O dono do jogo mostra-as, depois vira-as para baixo e baralha-as, mudando-as rapidamente de posição. A "vítima" deverá tentar acertar qual das três é a vermelha, o que quase nunca acontecia, alegadamente por culpa da destreza do "artista", ou porque era utilizado um "truque de manga" que deixava apenas cartas pretas em cima da mesa, mas quando o jogador pedia para que virassem as outras duas que não escolheu, a vermelha estava lá sempre.
Em Macau a notícia da semana foi o anúncio de Chui Sai On, recentemente reeleito Chefe do Executivo, de que "não é garantido" que sejam distribuídos os habituais cheques de compensação pecuniária, a forma encontrada em 2008 pelo seu antecessor Edmundo Ho para "distribuír pela população a riqueza" obtida sobretudo - ou quase na totalidade - pelos impostos cobrados à concessionários de jogo pelos avultados lucros obtidos pelos casinos. E o problema reside exactamente aí: as receitas têm caído nos últimos quatro meses, o que pode ser considerado "normal", dado que têm vindo sempre a subir, mas já menos normal é a previsão para os próximos dois meses, onde a queda será mais acentuada, podendo cifrar-se nos quarenta pontos percentuais no mês de Dezembro. Preocupante para os cofres da RAEM, que dependem destas receitas, e mais uma dor de cabeça para o nosso CE, a juntar à constituição do elenco do Executivo, onde parece não haver "meninos" que queiram ir "brincar" com ele. É que já com o habitual paliativo não dá para a população esquecer as pouca-vergonhas que são a especulação imobiliária e a inflação, então sem ele Chui tinha a malta à porta a cantar-lhe "yat chi chin kam" (一擲千金), que é como quem diz em português "ó Abreu dá cá o meu".
A notícia está aí, ninguém nega, as receitas estão a cair, mas ao contrário do pânico habitual que leva a temer que os "cowboys" arrumem a trouxa, despeçam-se com um "thank you and goodbye" e depois fiquemos a esperer séculos até que as ruínas do COTAI adquiram interesse arqueológico, parece continuar tudo bem no Jardim da Harmonia: os indicadores mostram uma forte possibilidade de retoma assim que Xi Jingping suspender ou abrandar a "caça às bruxas" da corrupção no continente, e as núvens negras que pairam sobre Hong Kong se afastem, os investidores voltem a adquirir a sua vampiresca sede de lucro, e tudo o que se ouve seja o tilintar das caixas registadoras - assim seja, e daqui a poucos meses temos o anúncio dos tais cheques. Aí será a altura certa para Chui Sai On sair à rua com a sua mesinha, o seu baralho de cartas e montar a sua barraca da vermelhinha, e ao contrário dos malandrins alfacinhas, o CE quer que o apostador ganhe, e não só dispõe apenas cartas vermelhas na mesa, como ainda as vira com a face para cima e ajuda o apostador fazendo sinais para que faça a escolha acertada (com esta gente, nunca se sabe).
Caso venham os vermelhos trazer para Macau o verde que depois dará a rubra consistência ao baralho do nosso Chefe e evitar um alerta-vermelho, Chui poderá optar pelo "naipe" de ouros, aumentando o valor do cheque e assegurando que 'nada pasa', ou pode ainda realizar uma operação de charme, escolhendo as copas, alegando que "apesar da crise" foi possível distribuir o maná, dando assim uma de pobrezinho e ao mesmo tempo de generoso. O pior é se as cartas teimam nos tons de preto, cor aziaga para a cultura chinesa, e nada resta ao chefe senão os paus da "moca" com que arrisca a levar ou as espadas, como a de Demócles que agora paira sobre a sua cabeça. Aí pode ser que seja subitamente acometido de uma crise de gota aguda, e passe a barraca da vermelhinha para outro, mas se já é difícil arranjar uma equipa que ajude a tornar este cenário negro e aziago num vermelhusco mais próspero, então aí vai ser o diabo a sete. Vamos esperar que não, e que nesta "vermelhinha" todos saiam vencedores.
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