Mais um fim-de-semana que chega a meio, mais um
artigo de quinta-feira do Hoje Macau que aqui deixo. Para quem ainda não leu.
Estamos a pouco mais de um mês das eleições para a Assembleia Legislativa, e a menos de um ano e meio para a eleição do IV Chefe do Executivo. Se das primeiras podemos esperar uma ou outra novidade, poucos duvidam da recondução do actual detentor do maior cargo público da RAEM. Chui Sai On deverá manter-se à frente dos destinos de Macau até 2020, altura em que a “dança das cadeiras” do poder poderá fazer emergir uma nova geração de líderes, encerrando o actual ciclo que desde 1999 mantém no governo as mesmas elites, das famílias tradicionais e dos seus amigalhaços empresários. Quando se aproxima a hora de escolher, mesmo que disso não resulte nada de novo ou de diferente, são ouvidos os politólogos, analistas políticos e outros figurões que se dedicam a tentar prever o que já há muito ficou decidido, e caso não surjam percalços de maior, é apenas uma questão de tempo para que concretize. Quem vai ficar a exercer qual cargo e como é irrelevante, num território em que o debate político é praticamente inexistente, e só mesmo essa queda para a conversa fiada que nos caracteriza a nós, os portugueses, se vai importar com as tricas da política.
O que ficou claro desde a primeira hora após a fundação da RAEM foi a dependência da generosidade do Governo Central em Pequim. O tão apregoado “elevado grau de autonomia” pode fazer algum sentido no contexto do tal segundo sistema que pretende fazer de isco para atrair os “rebeldes” de Taiwan. Ao contrário daqueles tipos chatos de Hong Kong, que teimam em levar a sério essa conversa da autonomia, Macau é o bom aluno, e faz os trabalhos de casa que o mestre manda, e até os que não manda, mas que lhe podem valer créditos extra. Como recompensa pela lealdade demonstrada, chegam do continente os apostadores, que graças à bonomia dos vistos individuais garantem a saúde da economia local, dependente das receitas do jogo. Esta cooperação, e diria mesmo simbiose, assenta numa estrutura que por muito firme que aparente ser, depende de uma série de factores essenciais na sua sustentabilidade: o regime, neste o do partido único.
Recuando até Junho de 1989, aos incidentes que culminaram no esmagamento do movimento estudantil na Praça Tiananmen em Pequim. A informação que chegava a Macau era dispersa e ambígua, e não faltava quem vaticinasse a queda do regime, e por inerência uma grande dose de incerteza quanto ao futuro da China. Muitos dos ânimos ficaram exaltados perante a perspectiva de mudança, e os ilustres apoiantes do regime agora ameaçado foram encostados entre à parede: perante os novos factos, de que lado estavam eles? Alguns reiteraram o apoio ao partido, confiando que o regime solucionava o problema com o apoio do exército, enquanto outros colocaram-se do lado dos estudantes revoltosos, esperando assim manter a porta aberta no caso de emergir uma nova ordem, e cair nas suas boas graças. Foi quase como apostar nos cavalos, sem qualquer garantia de que se tinha feito a escolha acertada. Para a elite de Macau, composta essencialmente por empresários e homens de negócios, é indiferente que no poder estejam os vermelhos, os verdes ou os azuis. O que importa é manter com o poder uma relação harmoniosa, e que este não atrapalhe enquanto fazem o que sabem fazer melhor: ganhar dinheiro.
O milagre económico chinês que brotou das sementes lançadas há mais de trinta anos com as reformas de Deng Xiaoping provocaram uma fusão improvável, mas nem por isso irrealizável. Com a cobertura do que se decidiu designar por “socialismo de mercado”, eufemismo para o anti-revolucionário “capitalismo”, fez-se a aliança entre poder central, detentor da influência política e militar, e o sector empresarial, que despertava de uma hibernação de décadas, forçada por uma retórica vã e fracassada. A cooperação entre ambos produziu resultados lucrativos, apesar das diferenças e da convivência nem sempre harmoniosa. O crescimento económico é uma realidade tão flagrante que por ocasião do 60.º aniversário da fundação da RPC, em 2009, o ex-presidente Hu Jintao salientou a eficácia do modelo chinês, e das directivas do partido, que tornaram possível o sucesso. Isto numa altura em que a China era já a segunda maior economia mundial, os Estados Unidos e Europa se viam a braços com uma grave crise económica, e o patriotismo chinês estava em alta, com a realização das Olimpíadas no ano anterior, e a concretização do programa espacial.
Mas nem a pujança chinesa está imune aos caprichos dos ciclos económicos, e fala-se em surdina de uma eventual retracção da economia e por inerência uma recessão. Um cenário indesejável para o regime, que vem validando a sua legitimidade nos resultados da economia. Sem a rede do crescimento, torna-se mais difícil balançar no trapézio da autocracia do partido único, e a queda teria efeitos devastadores. A relação do poder com a riqueza recentemente adquirida tem sido difícil, com os casos de corrupção, nepotismo, ostentação e impunidade a toda a prova dos membros do partido a fazerem o povo começar a desconfiar do esquema que lhes garantiram ser ideal. Do que vale o Patriotismo se a Pátria amada é mais generosa com outros Patriotas? O presidente Xi Jingping identificou o problema, e apelou à moderação por parte dos mais entusiasmados. Já chega de fazer a festa, e toca a arregaçar as mangas e aplicar o método que os levou ao sucesso, desta vez para manter a China no pelotão da frente.
A fórmula do “orgulhosamente sós” em que o regime insiste, mantendo o controlo apertado sobre a informação, esmagando qualquer ameaça à autoridade do regime, mesmo que embrionária ou apenas com base em suspeitas, e desvalorizando as críticas quanto às violações de direitos básicos por parte da comunidade internacional, até podem ser recebidos pelo povo como meios que justificam os fins, desde que se acenem com os resultados da economia. Ao contrário de outros regimes que encetaram reformas democráticas graduais, como foi exemplo recente a Birmânia, precavendo um golpe que os faça desaparecer e dê lugar ao caos, o regime de Pequim não mostra quaisquer sinais de torcer, e deposita na frieza dos números toda esperança de que não virá a quebrar. É este o regime que se mantém no poder há seis décadas, e é aquele a que os dirigentes de Macau batem a pala, dê por onde der. Bateriam a outro qualquer, desde que fossem garantidas as contrapartidas, mas uma mudança política brusca nunca seria pacífica, e dificilmente uma eventual nova liderança estivesse disposta a imitar as políticas da anterior. Portanto para nós aqui deste lado, é bom que o regime se mantenha, pois como diz a velha máxima, “de dois males, melhor aquele que já se conhece”. Mais importante do que nos preocuparmos quem nos vai governar depois de 2020 em Macau, é saber como vai a China enfrentar os problemas que vai encontrar pelo caminho num futuro próximo. O nosso futuro está preso por um fio. Pelo fio dos bigodes do dragão.
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