Não há nada mais irritante quando alguém nos tenta impôr os seus gostos musicais, mas pode ser frustrante quando não conseguimos que a nossa amada simpatize com o nosso. Já dizia o Rui Veloso naquele tema que todos sabem de cor: “não se ama alguém que não gosta da mesma canção”. Pode não ser assim tão mau, desde que se encontre um ponto em comum, ou que pelo menos o objecto do nosso afecto não considere a música que gostamos “insuportável”. Uma relação em que ele goste do fado de Carlos de Carmo e ela do “death metal” dos Moonspell está condenada ao fracasso, mas quando as posições não se extremam é possível encontrar um consenso quanto a algumas sonoridades mais adaptáveis às diferenças de ouvido musical.
Para quem aprecia uma noite de romance e intimidade ao som de música, a escolha deve recair sobre qualquer coisa que não proporcione uma experiência desagradável ao seu companheiro. É um balde de água fria quando a meio da troca de carícias a nossa companheira nos diz “desliga essa porcaria primeiro, que já não aguento mais”. Até pode ser que existam mulheres que gostem de silêncio enquanto se procede ao acto físico do amor, mas fazendo as coisas bem feitas, poucas resistem a uma escolha acertada de ambiente, que acrescente algo de extra ao animalesco do sexo. Ao contrário dos animais irracionais, que não têm ouvido para a música, ter um pouco de som a acompanhar os rituais de acasalamento é uma das coisas que nos distingue. Para evitar que a experiência se torne num desastre, aqui ficam algumas recomendações.
Primeiro o volume. Como o nome indica, “música ambiente” implica que o som não distraia os amantes do essencial, ou que se sobreponha à voz de um deles. Alguns casais onde um dos elementos ou ambos expressam o prazer através de urros e gemidos estridentes, e preferem que os vizinhos não os escutem, nesse caso até se recomenda que coloquem o volume no máximo. Mas isso não se insere na definição de “ambiente” que estou aqui a abordar. Outro factor a ter em atenção é o tempo. Seja qual for a escolha do género ou do artista, convém que a selecção musical não tenha grandes oscilações de ritmo. Pouco importa que todas as músicas pareçam idênticas, pois é preciso recordar que não estão ali para ouvir música. Já agora certifique-se que o CD não está riscado ou que a aparelhagem não se desliga a meio dos preliminares. É embaraçoso interromper este processo tão delicado para resolver uma falha do equipamento sonoro, deixando para segundo plano outro equipamento.
Quanto à escolha de canções e de artistas, depende sobretudo do bom senso. Convém deixar de lado as preferências pessoais, e evitar alguns excessos. Por exemplo, escolher música de dança é um erro, pois aqui a dança é outra. Há quem tenha a tendência de tentar agradar à companheira, escolhendo um grupo ou música da sua preferência. Isto pode levá-la a a cantarolar em vez de se concentrar no acto, e a situação piora caso a escolha não seja do nosso gosto. As últimas novidades dos escaparates da indústria devem também ser evitados. A situação não requer que demonstremos estar actualizados ou dentro da moda. Algumas mulheres mais garridas gostam de fazer amor enquanto “curtem” a música que mais gostam através dos iPods, iPads e outras novidades da tecnologia que se podem utilizar silenciosamente com a ajuda de fones de ouvido. Se não se importar com este capricho, esqueça a música ambiente e aproveite a embalagem, Pelo menos ficam os dois contentes.
Há grupos que se dedicam a música ambiente. Os Banco de Gaia deverão ser os mais conhecidos, e o seu reportório é suficiente para acompanhar o aperitivo, sopa, jantar, gelado, e todas as restantes etapas até ao fim da prova e mais além. Recentemente surgiram os Nouvelle Vague, um grupo de interpreta temas da pop e do rock mais conhecidos num tom mais suave e aprazível, e tem sido bem recebido pela maioria dos que consideram “barulho” algumas das canções que transformam. Banco de Gaia e Nouvelle Vague são dias apostas ganham para quem não está disposto a pensar muito. Há quem prefira algo mais consensual, e considere monstrousidades como o clarinete de Kenny G ou o piano de Richard Cleyderman como opções indicadas para o efeito desejado. Não há necessidade de ir na onda de quem tem mau gosto, só porque é um cliché.
Agora e que tal em vez de andar a mandar postas de pescada sobre o que é bom e o que é mau, de toda esta subjectividade quanto ao tipo de música que proporcione pelo menos 45 minutos de esfolanço do bom, incluindo os preliminares e os cinco minutos de pousio antes do banho que nos limpa do pecado, o Leocardo nos revele a sua selecção musical nas horas de prazer? Ora bem, a meu ver existem três álbuns da música ligeira que contêm uma maioria de temas que correspondem às delicadas exigências que referi acima, e curiosamente são todos dos inícios dos anos 90: “Behaviour”, dos Pet Shop Boys, “Disintegration”, dos The Cure, e “The Future”, de Leonard Cohen. Tenho a certeza que por muito que abominem os restantes, há pelo menos um de que desgostam menos. E quanto às faixas a compilar num CD através dos programas informáticos destinados ao efeito, com a ajuda de um computador? Ei-las:
“Being Boring”, “This Must Be the Place I Waited Years to Leave”, “To Face the Truth”, “Only the Wind”, “My October Symphony”, “Nervously”, “The End of the World”, “Jealousy”, dos Pet Shop Boys;
“Plainsong”, “Closedown”, “Prayers for Rain”, “Lovesong”, “The Same Deep Water as You”, “Disintegration”, “Untitled”, dos The Cure”;
“The Future”, “Waiting for the Miracle”, “Closing Time”, “Democracy”, “Anthem”, de Leonardo Cohen.
É bem mais que uma hora de boa música que cumpre os requisitos e evita os equívocos referidos acima, garantindo uma sessão de amor bem passada sem que no fim um dos participantes desabafe em tom de desapontamento: “olha lá…que merda de música era aquela que puseste enquanto estávamos a foder?”. Pode ser que discorde, mas nesse caso fica ao seu critério que banda sonora prefere na intimidade com o parceiro. Boa sorte.
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