Um belo dia, há muitos anos, conversava com um colega sobre música, um tópico sempre fértil em termos de discussão, para além do futebol, e que sempre dá para fazer passar o tempo mais rapidamente enquanto se trabalha. A certo ponto perguntei-lhe se conhecia os Air Supply, banda australiana muito popular nos anos 80 e 90 com um vasto reportório de música romântica. Respondeu-me que sim, que conhecia, que eram uns gajos que cantavam “música irópita”. Perguntei-lhe que palavra era essa, suspeitando que o meu colega estava a pronunciar mal uma das palavras do vocabulário oficial da lingua portuguesa, e explicou-me que “música irópita…para ir ao pito, ‘tás a ver?”. Estava a ver muito bem, sim. Gostei bastante deste neologismo que designa um certo tipo de música ideal para escutar durante uma sessão de chochos com a namorada, e quem sabe se a melodia serve ainda de pretexto para se ir um pouco mais além.
Naquele tempo, em meados dos anos 90, estava na moda a canção “Jardins Proibidos”, de Paulo Gonzo, que tinha acabado de lancer uma nova versão em dueto com Olavo Bilac. A voz áspera do vocalista dos Santos e Pecadores dava um toque ainda mais sensual ao tema, já de si bastante sugestivo em termos de letra. Pode-se portanto dizer que Bilac tornou os “Jardins Proibidos” numa canção ainda mais “irópita” que a original. Existem muitas canções “irópitas” além desta, cuja combinação de melodia delicodoce e letra lingrinhas convidam a que dois corações solitários batam em uníssono e se amem, levados pela demagogia da temática, normalmente juras de amor eterno, dor causada pela separação, pela distância, saudades, ai que eu morro sem ele/ela, etc. As mulheres são mais sensíveis a este tipo de sub-género, inserido normalmente no universo do “pop”. Os homens aproveitam para fazer as suas investidas, e uma vez com as defesas anestesiadas pela música “irópita”, tudo é possível. A noite é uma criança.
Os nossos pais derretiam-se com os brasileiros, sendo Roberto Carlos um exemplo perfeito de música “irópita”, com Julio Iglesias, um cantor “irópito” por natureza, ou com alguns (poucos) intérpretes do chamado nacional-cançonetismo. Vendo bem existe um enorme potencial “irópito” no tema “Cavalo à Solta”, de Fernando Tordo. Pena é a interpretação demasiado inspirada do cantor, que dá ao tema um entusiasmo tal que dá vontade de levantar e cantar com ele, em vez de ficar pelo sofá a apalpar a chavala amada. A nossa geração namorou ao som de outros temas, na maioria estrangeiros, como a “slow music” ou as baladas de rock, mas nos últimos anos apareçeram várias alternativas nacionais de respeito. João Pedro Pais tem vários temas “irópitos”, os Toranja e os Azeitonas são outros exemplos recentes, e até os GNR exploraram esta mina, lançando a colectânea “Câmara Lenta”, onde reúnem o seu material mais “irópito”. Há mesmo uma variante para consolar as meninas que vêm de uma relação que terminou, em muitos casos porque o namorado as trocou por outra, e com uma dose de masoquismo querem curtir a angústia e suspirar pelo hímen perdido. É a chamada “música de dor de corno”, e a sua rainha é Mónica Sintra. As domésticas e as sopeiras arrepiam-se com a música de Tony Carreira, mas em vez de curtirem o romantismo das canções com o parceiro, ficam a sonhar acordadas com um amante mais charmoso e romântico, como o próprio cantor, em vez do bêbado bruto que têm lá em casa.
Todos os casais cuja relação se tenha iniciado com base na atração romântica tem “a sua canção” (ficam de fora os casamentos por interesse ou as noivas por encomenda). É um desafio ao gosto musical de cada um, pois nem sempre se aprecia na globalidade o cantor ou o género da canção que serve de “banda sonora” à relação. Para quem tem um gosto, digamos, aceitável, procura-se um meio termo, algo que não seja demasiado meloso e que dê mais ênfase ao ritmo, à instrumentação ou o alcance vocal do intérprete do que à letra, que costuma ser uma lamechiche pegada. Não há muito mérito em usar o trabalho de alguém muito mais talentoso que nós para o efeito, mas a música “irópita” ajuda a criar o ambiente ideal a umas horas bem passadas na companhia de quem gostamos, mesmo que seja só um gosto passageiro ou casual. Mas não vamos confundir a contribuição da música “irópita” para ajudar a “quebrar o gelo” com a música ambiente indicada para uma noite de paixão, para as “vias de facto”. Esse será um tema que vou abordar noutro volume desta enciclopédia. Obrigado e fiquem atentos!
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