Quando tinha cerca de dez anos de idade e procurava definer ainda o meu gosto musical, pedia sempre como prenda de Natal ou de aniversário uma daquelas colectâneas em que saíam normalmente em Dezembro, mês em que comemorava ambas aquelas datas, curiosamente. As colectâneas, que à altura custavam qualquer coisa como dois contos de réis - caro para aqueles tempos, em meados dos anos 80 - vinham em duplo disco de vinil e recolhiam os maiores sucessos do ano que findava. Era ao mesmo tempo uma forma de colecionar os maiores êxitos daquele ano sem precisar de comprar os singles.
Lembro-me de cor de alguns dos títulos dos discos: "Jackpot 84", Jackpot "85" e por aí fora até ao "Jackpot 88", ano em que deixaram de sair os jackpots (eh, eh). Lembro-me ainda do "Top Genius", ou "Disco do Ano", entre muitos outros que tinham nomes que continham palavras "Mix", "Various" ou "Stars". Eram tantos que é impossível recordar-me de todos. Em alguns casos faziam lembrar aquelas misturas instantâneas para gelatinas ou pudins. Por vezes saíam nos meses do Verão colectâneas com capas cheias de refrescos, gelados e imagens de praia, sol e piscina.
Não eram bem um pudim, mas eram uma bela macedónia de músicas. Quem tivesse um gosto mais selectivo teria dificuldades em digerir a eclética selecção, mas para quem não fosse esquisito ia ficar agradecido por receber um disco destes como presente. E não era à toa que estas colectâneas saíam no mês do Natal, e eram uma prenda fácil para qualquer jovem que gostasse de música e não se conseguisse pensar em algo que ele pudesse gostar. Eram a corda de salvação de muitos pais e tios mais preguiçosos. Os avós ofereciam camisolas e meias, claro.
E na realidade estes discos deram-me a descobrir alguns artistas que nunca tinha ouvido falar, e passei a gostar. Dava ainda para ficar actualizado sem precisar de investir muito comprando os trabalhos dos grupos ou cantores. Aliás um dos grandes defeitos da indústria discográfica é a quantidade de bandas que lançam um album onde o single de promoção é bom, contém mais uma ou duas boas faixas e o resto é uma bosta. E para isso deixava-se na loja bom dinheiro que depois nos arrependiamos de ter gastado. Em muitos casos estas colectâneas continham tudo o era preciso saber de determinados actos mais comerciais.
Os discos da série "Jackpot", os que normalmente chegavam mais longe no top português durante os meses de Dezembro e Janeiro obedeciam a um alinhamento específico. As primeiras canções de cado uma das quatro faces eram as mais conhecidas, as que mais sucesso tinham feito durante o ano. No fim apareciam outras menos conhecidas, muito por não terem conseguido penetrar no mercado português, mas encontravam-se surpresas bem agradáveis. Passei a conhecer grupos que ainda hoje gosto por culpa destas selecções. Ainda na loja de discos e olhando para os temas selecionados na contra-capa, qualquer pessoa encontraria lá algo que lhe agradasse, menos os metaleiros. Com excepção de uma ou outra balada, o "heavy-metal" ficava excluído.
Os temas eram na maioria da pop anglo-saxónica, e pontualmente qualquer coisa em francês, italiano ou alemão, mas sempre com sucesso internacional reconhecido. Como o disco era de produção nacional, um ou outro tema de sucesso da música portuguesa, mas curiosamente os temas brasileiros eram muito raros. O "Disco do Ano", que já referi acima, era um dos mais alternativos, bem como um dos mais interessantes dos que adquiri. As primeiras três faces continham temas dos U2, Waterboys, Propaganda ou Heaven 17, e o lado B do Segundo disco era composto inteiramente por música portuguesa. José Cid, Rodrigo (!) ou Ana Paula Reis são alguns dos que me lembro.
Depois desenvolvi o meu próprio gosto, e deixei de lado os "jackpots" e afins, mas por coincidência, deixaram de ser tão frequentes e populares. Creio que fui apanhado no olho do tufão da moda das colectânea. Já em Macau, nos tempos dos CD's e VCD's piratas era possível encontrar compilações mais candongueiras que o vinho carrascão, normalmente gravadas na China, e onde os temas eram escritos num inglês macarrónico, em muitos casos. Longe iam ainda os tempos do Napster, do Kazaa ou das Bit-torrents. Hoje como versão oficial e autorizada existe uma série de colectâneas que domina o mercado, o "Now That's What I Call Music", que produz anualmente compêndios dos temas mais populares da "pop-rock". Penso que já vão em quase uma centena de edições. Uma boa opção para quem gosta de um pouco de tudo, ou para quem ainda se procura orientar nos caminhos do gosto musical.
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