A música pimba! é um género 100% Made in Portugal, e surgiu como a conhecemos hoje no já distante ano de 1995. Recordo-me do ano exacto do nascimento do pimba! por causa das eleições legislativas desse ano, as tais que consagraram António Guterres como primeiro-ministro e marcaram a estreia política de Paulo Portas. A juntar a tudo isto surge um género musical semelhante à Música Popular Portuguesa (MPP) de raíz mais populista, mas com novos arranjos que a deixaram de cara lavada e um nome curioso que rapidamente passou a andar na boca dos portugueses. Recordo-me mesmo dos nossos políticos dançarem ao som da nova moda durante a campanha eleitoral, formando comboios e entoando os sucessos pimba!, numa tentativa de captar o eleitorado, mostrando que também eram “do povo”. Que tristes figuras, e nem foi por culpa do pimba!.
O nome pimba!, assim, sempre com ! depois do “a” não significa nada além da interjeição que designa impacto súbito, ou choque inesperado. A exclamação dá-lhe o toque de brejeirice que é recorrente da temática da música, convidando à malandrice. O patrão encontra a empregada dobrada a esfregar a banheira de rabo esticado, puxa-lhe o vestido para cima e pimba!, de canzana e a sangue frio. Qualquer coisa assim. O nome terá sido retirado de uma das canções mais populares durante o aparecimento do novo estilo musical, “Nós pimba!”, do cantor Emanuel, que assim se viu elevado ao estatuto de celebridade, ao mesmo tempo que se tornava no padrinho do pimba!, liderando uma revolução que tornou o género num sucesso ímpar. Emanuel e o seu “Nós pimba!” está para o pimba! Como Rui Veloso e o “Chico Fininho” esteve para o “rock” nacional.
O sucesso do pimba! não só originou o aparecimento de uma nova geração de artistas portugueses, como reabilitou outros até então esquecidos ou mergulhados na obscuridade. Muitos dos artistas da MPP encontravam-se relegados para o mercado paralelo das chamadas “cassetes pirata”, vendidas em feiras nas barracas de ciganos. Uma versão legal destas fitas podiam ser encontradas naquelas estantes giratórias muito giras das estações de serviço espalhadas pelas auto-estradas em todo o país. Nunca entendi muito bem essa lógica comercial: porque haveria alguém a meio de uma longa viagem comprar uma cassete do José Malhoa ou da Lenita Gentil para ouvir no carro? Misterioso. Assim com o evento do pimba! muitos destes artistas aproveitaram a experiência de anos que adquiriram na MPP e aderiram à novidade. Pouco importa o que lhe chamassem, desde que significasse vender discos, dar espectáculos e receber cache. Muitos nunca imaginaram que alguma vez seriam convidados para aparecer na televisão, mas ali estavam eles, saltando directamente das festas da Nossa Senhora dos Prantos em Coices de Burra de Cima para o resto do mundo.
Se 1995 marcou o ano I D.P. (depois do pimba!), três anos antes já tinha havido quem provocasse a sua própria mini-revolução. Quim Barreiros, um músico com uma carreira que iniciou ainda antes do 25 de Abril de 1974, obteve um sucesso improvável com a canção “Bacalhau à Portuguesa”, cuja temática brejeira e melodia fácil valeu a simpatia de novos e velhos de todos os quadrantes da sociedade portuguesa. Não era ainda pimba!, mas era um sinal do que estava para vir. Já com o pimba! em marcha, Quim Barreiros afirmou-se, tornando-se uma das suas maiores referências. Em pouco tempo o cantor e acordionista de Vila Nova de Ancora, perto da raia minhota, passou de cantor de bailaricos da terceira idade a celebridade nacional. O seu estilo inconfundível, usando e abusando dos trocadilhos marotos e dos segundos sentidos garantiam-lhe uma agenda preenchidíssima, e fazia escola. Em finais de 97 aparece um jovem de oito anos a cantar “O Bacalhau quer alho”, que viria a ter um enorme sucesso, ao mesmo tempo que se levantavam questões éticas quanto aos limites do pimba!. O pequeno Saúl, a criança em questão, não deveria ter bem a noção das vulgaridades que dizia, ou de que estaria a ser manipulado para fins comerciais.
Mas com um precalço aqui mais outro exagero ali, o pimba! ia fazendo fulgor, e dava para tudo. Além dos novos artistas que se davam a conhecer e dos veteranos que ganharam um novo fôlego, o pimba! serviu ainda para “desencalhar” alguns aspirantes ao estrelato que aguardavam a sua oportunidade, casos de Toy e Agata, esta considerada a madrinha do pimba!. Outros ainda aproveitaram para se darem a conhecer, e a partir daí assumirem um estilo próprio, exemplo de Tony Carreira, que após apanhar a boleia do pimba!, saíu na estação da música romântica e por ali foi ficando, com os resultados que todos sabemos. O caso mais bizarro terá sido o de Zé Cabra, um emigrante em França, onde era servente da construção civil, que se tornou um caso sério de popularidade, mesmo não sabendo cantar. Esta é uma característica que tornou o pimba! tão popular e lucrativo: aos que compravam os discos porque gostam mesmo, juntam-se os que compram por brincadeira. A brincar ou não, o dinheiro é igual, e quem ria no fim ria melhor, a caminho do banco.
A força motriz do arranque deste género tão peculiar foi um músico conhecido pelo nome artístico Ricardo Landum, que compôs muitos dos maiores clássicos do pimba!. Nada fazia prever que o mesmo homem que alguns anos antes fazia parte de uma banda de “heavy-metal” da Baixa da Banheira, os Iberia, viria a ser um dos pilares do sucesso de um género tão…paradoxal, chamemos-lhe assim. Mais do que demonstrar versatilidade, Ricardo teve a inteligência de perceber a forma mais lucrativa de dar uso ao seu talento, e é preciso reconhecer-lhe algum mérito. E não se pense que não leva a sério o que faz, ou que se trata de um mercenário da indústria musical. Ricardo é um profissional e não admite certos abusos. Ficou célebre a sua recusa ao convite de Herman José para o programa “Parabéns”, depois do humorista ter adicionado ao seu reportório de humor mais corrosivo piadas sobre o pimba!, muitas vezes com o próprio Ricardo como alvo.
No início o pimba! foi entendido como uma brincadeira a que muito boa gente aderiu, julgando tratar-se de algum Carnaval fora de época. Quando começou a assumir contornos mais sérios e se percebeu que o género tinha vindo para ficar, muitos pularam fora, temendo associar-se a um estilo musical tão “rústico” e “vulgar”. Pouco importa o que estes pensam agora. Se consideram o pimba! um monstro, são cúmplices na sua criação. Os que gostam mesmo da música e divertem-se com ela, estão-se nas tintas para o que os outros pensam, e se os quiserem chamar de analfabetos ou simplórios, eles mandam-nos tomar no cu. Eu próprio não aprecio o pimba!, mas não me incomoda, e reconheço o seu direito à existência, assim como outros géneros musicais com que não simpatizo. Nem me faz sequer mudar de canal, pois só o faço quando há algo que me incomoda especialmente ao ponto do insuportável. Isto serve tanto para o pimba! como para todo o resto.
A própria palavra pimba! adquiriu uma conotação que vai além daquele género musical, se bem que conheço pouca gente que a use com essa intenção. Uma das pessoas que o faz com certa frequência é um conhecido senhor da nossa praça, que com a sua habitual mania das grandezas, gosta de se referir a tudo o que não se adapta ao seu exigente paladar como sendo “pimba” – ainda por cima sem ponto de exclamação - ou uma "pimbalhada". É curioso que goste de adjectivar algo de “pimba” de forma tão livre, pois a julgar por algumas das selecções musicais com que nos brinda, deve ter sido um dos tais que aderiu inicialmente ao género, e depois descobriu que lhe ficava mal, coitado. Mas porque estou eu a gastar o meu latim com quem não merece? Ah já sei, lembrei-me quando falei lá em cima de “mudar de canal”. Há coisas que só se explicam com a jarretice própria da velhice, mas acreditar que se está a fazer um “statement” oportuno de forma original recorrendo ao uso da palavra “pimba”, denota sintomas de uma demência em estado avançado. Mas aproveitando para devolver o feitiço ao feiticeiro, “pimba” é chegar àquela idade e ainda tingir o cabelo de preto. Ora toma lá que já almoçaste, e não foi na Caravela. Pimba!
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