Numa discussão entre amigos com gostos musicais diferentes e onde o tema seja os cantores e agrupamentos musicais, a possibilidade de se ouvirem certos impropérios é elevada. Adjectivos como “foleiro”, “piroso” ou “chunga”, e piores, servem para ilustrar o desacordo entre as preferências de cada um. Quem despreza o gosto musical do próximo nunca vai optar por um diplomático “não gosto mas respeito”, ou dar o braço a torcer e admitir que “o teu gosto é melhor que o meu, és um génio e eu não passo de um idiota desafinado”. Só mesmo a brincar, ou nem mesmo assim. Não existirá à face da Terra um único cantor ou grupo que toda a gente goste, ou que os deixe indiferentes. Há sempre quem odeie os artistas que são da preferência de milhões. Nem os mais inofensivos como os Bee Gees, Elton John ou Cat Stevens (antes de se converter ao Islão e se tornar num terrorista), ou aqueles de que é mais fácil gostar, como os Beatles ou Michael Jackson (antes de se tornar num pedófilo mutante). Se há gostos difíceis de explicar, é igualmente desnecessário justificar porque não se gosta daquilo que é aceite pela maioria.
O único género musical que sobrevive a todas as épocas e nunca sai de moda é a música clássica. Existirá sempre uma falange de apreciadores das composições já centenárias de génios como Beethoven, Mozart, Wagner ou Tchaikovsky. Ironicamente muitos destes compositores que se imortalizaram devido à sua arte morreram na miséria, quando actualmente estariam a nadar no dinheiro dos direitos de autor a que teriam direito. Mesmo que não se goste de música clássica não convém orgulhar-se disso, arriscando-se a passar por inculto. Os conhecedores de música clássica, que apreciam genuinamente a sua erudição, situam-na no seu contexto histórico, sentem a paixão e identificam autor, obra e estilo são raros, mas existem. Outros há que dizem gostar de música clássica mas raramente ou nunca a ouvem, não distiguem um Chopin de um Debussy, mas acham que o gosto lhes transmite a ideia de erudição e cultura. Assistem a concertos de música clássica como requisito essencial da farsa, e o desprazer físico que lhes provoca o esforço para ficar acordado fazem com que dez minutos lhe pareçam três horas de suplício. Depois há quem não se interesse por música clássica, nunca tenha tomado contacto regular com ela e opte por não emitir opiniões sobre algo que desconheçe. Estes constituem 99% da humanidade.
Se a música clássica se mantém sempre actual e acessível a qualquer ouvido, há outros géneros igualmente “clássicos” que não gozam da mesma aprovação geral, ora devido às suas características específicas, ora pelo facto de serem datados. No primeiro caso temos a opera e o jazz, cujo gosto depende da forma como se dá o primeiro contacto: ou se gosta logo, ou se detesta. Nesse grupo incluiem-se ainda alguns géneros musicais que servem um outro fim que lhes confere validade, como são os casos do tango, a valsa, a rumba, o cha-cha-cha e outras danças de salão. Ninguém se senta no sofá depois de um cansativo dia de trabalho com um copo de whisky na mão e relaxa ao som de um vira ou do corridinho. Os géneros mais datados implicam que os seus apreciadores tenham já uma certa idade, e dificilmente se encontram seguidores entre as novas gerações. São os casos das “big bands” ou da música “rock” dos anos 50, dos primórdios do género mais resistente e popular de todos.
O género “rock” deu origem a um sem número de sub-géneros, que por sua vez deram origem a outros mais afastados da matriz original, mas mesmo sem parecer “rock” tem nele as suas raízes. Basta uma guitarra, um baixo ou uma batida para identificar uma filiação com o “rock” original. O “pop” é o derivado mais conhecido do “rock”, o mais acessível e fácil de gostar, ou pelo menos de tolerar. O “pop-rock” foi a designação cunhada para abranger um vasto leque de bandas que marcaram o seu tempo, dando lugar a outras que vão renovando o conceito e ditando as modas. É mais acessível a um leigo incluir um som popular com uma origem que remonta ao “rock” na categoria de “pop-rock”, do que especificar o movimento passageiro em que inseriu, como a “new wave”, o “grunge” ou o “goth”, para citar alguns. Entender a música não requer um doutoramento, como nas belas artes. Fica ao critério de qualquer um entendê-la do jeito que achar melhor.
Mas falando de modas passageiras, há algumas que recordo com nostalgia. Quando tinha 13 anos partilhava com um colega o gosto pela banda britânica Pet Shop Boys, que na altura atravessava o seu maior período de popularidade, e duas moças também da nossa turma eram fãs dos Bros, uma “boy-band” foleiríssima. Era comum entrarmos em acesas discussões sobre as qualidades de cada um dos agrupamentos, e dos seus potenciais em matéria de futuro. Os Pet Shop Boys continuam no activo depois de 25 anos de sucesso, enquanto os Bros acabaram poucos meses depois. Se tivesse apostado, ia ter pena das meninas e provavelmente recusaria o dinheiro. Outra moda engraçada e felizmente breve foi a da “acid house”, que levou os seus adeptos a ostentar calças de boca-de-sino com desenhos de flores na lateral, sapatos pretos que me faziam lembrar os tamancos ortopédicos da velha de bigode que vivia no patio atrás do meu prédio, e um penteado risível de onde sobressaía uma inexplicável popa. Os figurões que alguns fizeram em nome da moda. Este tema da moda e da música vai merecer um “post” um dia destes.
Se algumas modas passam e hoje poucos se lembram delas, há outros actos que graças à sua qualidade e originalidade vão resistindo décadas depois do seu apogeu. Além dos Beatles, que já referi, outros menos consensuais vão ainda hoje ganhando adeptos. Um bom exemplo disso são os Pink Floyd, e sem que se perçeba bem porquê, são vistos por muitos como o pináculo do bom gosto. Fica sempre bem dizer que se gosta da merda dos Pink Floyd. Tinha um professor que nos contou que ganhou a confiança de uma turma problemática levando música dos Pink Floyd para as aulas. Se eu fosse problemático e ainda tivesse que aturar os Pink Floyd, partia os vidros da sala com as cadeiras e entupia os ouvidos com giz até à surdez integral. Talvez o problema seja meu, e haja uma explicação simples. Como os Pink Floyd pertencem ao sub-género do “rock psicadélico”, falte a parte do “psicadélico” para que eu os entenda. Sendo assim estou apenas a uma “trip” de LSD de distância para me juntar à elite. Vou pensar nisso.
Para dizer a verdade, existe muita música que só se entende o sentido estando “alterado”. Só alguém com o julgamento distorcido consegue ouvir muito do que já foi feito, do que se vai fazendo, e muito do mal que ainda está para vir. Não cometo a soberba de julgar que o meu gosto musical é o melhor, ou sequer que é “bom”, e que as bandas que eu gosto são as melhores e quem não concorda é burro e duro de ouvido. Aceito que considerem o meu gosto péssimo, assim como me sinto no direito de censurar os outros por causa da chinfrineira a que chamam “música”. Não preciso da validação de ninguém, e eu próprio admito que já gostei de muita porcaria, aderi a modas que não devia, e dei por mim a ouvir bandas que antes desdenhava. Só posso afirmar como certeza que não me arrependo de nada. E porque haveria de me arrepender?
PS: Amanhã a rubrica é dedicada a um género musical que nos diz muito, a música pimba!. Garanto que vão gostar, pois trata-se de um tópico que daria para escrever um livro da envergadura d’“Os Maias”. Até lá, então.
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