terça-feira, 6 de agosto de 2013

Educação Musical parte II: as encruzilhadas do gosto musical


Quando duas ou mais pessoas falam do tipo de música que preferem, a temperatura dos corpos tende a subir. Se a discussão sobe de tom, há quem recorra ao antídoto do consenso e atire com o famoso “gostos não se discutem”, e todos concordam em discordar. Mesmo que os limites impostos pelo bom senso nos impeça de agredir fisica ou verbalmente uma pessoa com base no seu gosto musical, este é um aspecto com mais importância do que normalmente atribuimos. Em muitos casos o gosto musical desvenda aspectos da personalidade de uma pessoa, que podem mesmo servir de factor de desempate, na eventualidade de dúvida quanto ao seu carácter, e se nos apetece socializar ou não com ela. De facto algumas preferências em termos musicais dão pistas que nos levam a perceber melhor o nível da pessoa que temos à nossa frente.

Para quem teve uma infância normal, muitos dos patamares do desenvolvimento físico e emocional passam pela música. Para a esmagadora maioria o primeiro contacto dá-se com a música infantil, que da nossa perspectiva actual de adultos, leva a concluír que tal só foi possível devido às reduzidas dimensões da massa cinzenta. Enquanto escutávamos inanidades relacionadas com um gato a que se atirou um pau, ou aos instrumentos comprados na loja de um tal André, cumpríamos um ritual de passagem, agindo conforme as nossas limitadas capacidades de raciocínio. Encantados com a banalidade da rima e o minimalismo da música, cumpríamos a recruta com um ar de parvinhos, e marcávamos o ritmo com palminhas. Apesar de não nos orgulharmos da experiência, submetemos os nossos filhos à mesma humilhação, que é tão normal na sua idade como cagar na fralda era há alguns anos atrás.

Uma vez perdida a inocência, somos lançados no mundo dos mil e um géneros musicais, ficando à mercê da indústria discográfica, e sujeitos ao julgamento de outros no que toca às nossas preferências. Vendo bem, não é nada simpático ouvir da boca de alguém insultos pelo facto de se gostar de um cantor, banda ou tendência musical. É como se chamassem a nossa namorada de “feia”. A tábua rasa que é o nosso gosto musical deixa-nos vulneráveis às influências, e as opções futuras podem ser determinadas pelos mais velhos, sejam irmãos, primos, amigos ou os irmãos e primos destes. Dificilmente se seguem as pisadas dos pais, que se fossem todos como os meus, partilhar os seus gostos tornaria artistas como Fausto, José Mário Branco, Gal Costa ou Roberto Carlos bilionários. Tal como se passou com eles, os nossos gostos são os da nossa geração.

Encontrada a tendência mais compatível com o nosso ouvido musical, chega o momento de preferir determinados cantores e bandas em deterimento de outros. É difícil explicar a que critérios obedecem estas escolhas, mas depois da já referida influência dos terceiros que rompem o nosso hímen musical (peço desculpa…), outros como o ambiente familiar, a classe social, o nível literário, a área residencial que se está inserido e a diversidade étnica da mesma, o consumo de substâncias, tudo isso e muito mais, podem ser decisivos. É seguro afirmar que o filho de um toureiro que cresça numa ganadaria rodeado de campinos venha a gostar dos fados da família Câmara Pereira. Recorrendo a um exemplo mais amplo (e mais sério), quem vive num bairro pobre, virá muito provavelmente a gostar de um género musical mais marginal, como o “hip-hop”, enquanto os mais abastados e com mais acesso às últimas novidades são propensos a seguir as tendências da moda.

Quando nos deparamos com alguém com um gosto musical que nem nos passa pela cabeça partilhar, especialmente se for alguém da mesma geração, estamos na presença de um processo de aculturação diferente do nosso. Isto é não só uma curiosidade interessante, como também diz muito da importância da música nas nossas vidas. Dificilmente encontramos a nossa “alma gémea” musical, alguém que partilhe o nosso gosto com 100% de fidelidade. O gosto é como uma impressão digital. Posto isto, amanhã vou dedicar mais um capítulo desta série dedicada à música a alguns dos géneros e artistas do passado e do presente, o que representaram na sua época, e o que se pode aprender dos seus seguidores e que sentimentos podem despertar a sua música, mensagem e atitude. Fiquem atentos.

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