É sexta-feira (yeah!), a primeira do mês de Agosto, e para terminar mais esta semana com chave de ouro, aqui fica o
artigo da edição de ontem do Hoje Macau. Para quem vai de férias, boas férias e aproveite bem, que depois só há mais para o próximo ano. Para quem fica, bom fim-de-semana, que não sendo bem a mesma coisa, sempre é melhor que nada.
Entrámos agora no mês de Agosto, o Verão está a meio, e para quem ainda tem férias, é o tempo de viajar, o que depois de mais um ano de clausura em Macau, é ideal para mudar de ares. Trabalhar em Macau, ter férias pagas e não viajar é quase visto como um sinal exterior de pobreza. É como que proibitivo, uma “vergonha”. Meter-se num avião e sair daqui para fora está para as férias como picar o ponto está para um dia normal de trabalho. É uma prova de vida. Mesmo os mais acomodados, a quem não apetece passar por esse elaborado cerimonial das reservas, da marcação dos hotéis, dos enfadonhos “tours” e tudo mais vê-se “empurrado” a tirar proveito dos dias de folga fora do território, especialmente se tiver família. A perspectiva de aproveitar as férias para descansar, ficar em casa de papo para o ar, sem horas para ir dormir ou para acordar, pode parecer atractiva, mas para os padrões locais, é tido como um “desperdício”. É irritante quando se regressa de férias e os colegas perguntam onde fomos, e se respondemos que ficámos em Macau, olham para nós como se fossemos algum leproso. É como se viver e trabalhar aqui fosse um privilégio, mas com uma cláusula de “fuga” anual obrigatória.
Quem nasceu em Macau e tem cá a família, opta por fazer férias nas vizinhanças, e neste aspecto o território beneficia do factor geográfico, com vários destinos idílicos para gozar disfrutar de uma semana de lazer à distância de duas horas de avião. A Tailândia é o destino de eleição do residente local médio, e muitas famílias já perderam a conta das vezes que passaram as férias naquele país. Conheço casos de pessoas a quem pergunto onde vão de férias, e respondem com um encolher de ombros: “na Tailândia, onde mais?”. Esta insistência na sempre-mesmice do mais-que-visto tem uma explicação simples. Nos anos 80, quando muitos países asiáticos eram ainda pouco recomendáveis para quem procurava um local seguro para viajar com a família em busca de praia, sol e diversão, a Tailândia oferecia condições ideais, impermeável a dissabores e surpresas desagradáveis. Apesar de existir actualmente um leque bastante variado de opções, em alguns casos mais económicos e esmerados em termos de serviço, a Tailândia está para o turista local como o Algarve está para os veraneantes portugueses. É mais prático e cómodo, e além disso já se sabe o que esperar.
Para a esmagadora maioria dos expatriados portugueses, ir a Portugal de férias é quase uma obrigação. Nem a distância que implica pelo menos doze horas de vôo até uma cidade europeia e mais duas ou três até Lisboa, sem contar com o tempo de espera durante a escala, impede que os nossos compatriotas aliviem essa comichão provocada pela saudade, esse sentimento tão característico do nossa matriz lusitana. Quem fica um ano ou dois sem lá ir, seja por motivos económicos ou outros, fica a sonhar com a próxima vez que vai abraçar os familiares, beber uns copos com os amigos, dar festinhas ao cão, rever os locais que lhe compõem o imaginário de infância. Mesmo aqueles que já passaram a maior parte das suas vidas em Macau e não perspectivam o regresso às origens se recusam a abandonar as raízes. Continuar a considerar Portugal “o seu lar” apesar de fazer a vida do outro lado do mundo e da sensação de distanciamento da realidade actual do país é mais do que simples nostalgia. É teimosia, pura e simplesmente.
Ir de férias a Portugal com uma frequência anual é uma “brincadeira” que sai cara. Para um casal com dois filhos, por exemplo, são cerca de 40 mil patacas só em passagens. Os mais endinheirados (ou devotos) chegam a fazer questão de juntar o Natal às férias de Verão. Há quem sofra quando fica mais de seis meses longe de Portugal; aqueles que não conseguem assentar os dois pés em Macau e encarar a nova realidade, ficam a “ressacar” quando lhes falta um “caldo” de Portugal para “chutar” na veia. Para muitas famílias portuguesas do território, a motivação para juntar umas poupanças durante onze meses de ano é apenas uma: passar um mês de férias em Portugal. Os que não podem por razões de liquidez ou por falta de férias que justifiquem o investimento (normalmente quinze dias “não dão para nada”), ficam com o coração nas mãos quando assistem através da RTPi aos outros emigrantes a fazer a festa durante o mês de Agosto. Como gostavam de poder também participar nesse Woodstock da sardinhada, do tintol e da música pimba.
Esta insistência em manter uma ligação umbilical a Portugal, mesmo que o regresso não esteja nos planos a curto ou médio prazo, pode fazer maravilhas ao ego, mas passa uma mensagem errada aos mais pequenos. Muitos dos filhos destes expatriados de Macau que aqui nasceram acompanham os pais na sua peregrinação anual às origens, e para eles as férias escolares são sinónimo de pelo menos trinta dias em Portugal. É difícil incutir numa criança que nasceu e cresceu numa realidade totalmente diferente dos pais a noção de que aquele sítio divertido onde passa um mês por ano é o seu país, o seu lar, e é ali que muito provavelmente vai ingressar no ensino superior. Aquele lugar distante onde vão a banhos, convivem com os avós, tios e primos com que têm pouca ou nenhuma intimidade, e as crianças da sua idade têm uma mentalidade e atitude diferentes da sua é-lhes apresentado como uma perspectiva de futuro. Para isso basta a ilusão que Macau lhes dá que são melhores que os outros que por lá andam, pois são filhos do “sotôr” e desconhecem o significado da palavra “austeridade”. Para eles Portugal “é canja”.
É interessante observar como nas restantes comunidades portuguesas um pouco por esse mundo fora os nossos emigrantes façam os possíveis por integrar os filhos no seu país de acolhimento, para que se tornem cidadãos de pleno direito, e não apenas “filhos de emigrantes”. Tenho dois primos nascidos em França que se consideram franceses, não falam português e para eles a nação dos seus pais serve de mera referência, e explica o facto de não terem um apelido francês. Isto apesar da proximidade geográfica com Portugal, além das semelhanças étnicas e culturais, que tornariam menos complicada uma eventual integração na terra dos seus antepassados. A forma como encaramos a nossa vivência em Macau é outra, e mesmo sendo fácil entender as razões, não posso concordar com elas, peço desculpa. Preparar os nossos filhos para um futuro num país que desconhecem quando o nosso próprio comodismo nos leva a ir ficando por Macau não faz sentido. Será falta de confiança no futuro desta terra que nos acolheu e onde somos bem tratados? Medo daquele “papão” que ia chegar em 1999 e de que ainda estamos à espera? Não me digam que a explicação reside no arcaico sebastianismo que nos leva a acreditar naquele Portugal próspero que vem sendo eternamente adiado ao ponto do desespero. Dava jeito ter uma bola de cristal que ajudasse a tomar as opções correctas, mas uma coisa é certa: o nosso historial em matéria de futurologia não nos permite ter certezas absolutas.
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