segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A revolta das cenouras


Das características que distinguem os seres humanos entre eles, a cor do cabelo é uma das que se atribui maior importância. Não é um tópico que dê para desenvolver por aí além, nem material para uma tese de mestrado – a não ser que se trate de um mestrado em cabelereiro – mas é por demais evidente que as pessoas se importam com o seu cabelo. Afinal trata-se de uma parte exposta do corpo humano, à vista de todos, com excepção talvez dos locais onde o cabelo é coberto por motivos religiosos, como no Islão, e mesmo esses devem dar importância à saúde capilar e à aparência da sua “juba”. Aspectos como a estética ou simplesmente a vaidade levam a que se tinja o cabelo, ocultando a tonalidade esbranquiçada que se vai evidenciando à medida em que os rigores da idade se começam a manifestar.

Se existe uma característica física em que as pessoas do grupo étnico caucasiano leva vantagem, é na adaptação a qualquer estilo e cor de cabelo. Às restantes etnias não resta senão contentarem-se com a monocromática do preto, por muito injusto que isto possa parecer. Como dizia o velho anúncio do Restaurador Olex, “um preto de cabeleira e um branco de carapinha não é natural”. Um asiático que ostente um escalpe coberto de cabelo loiro não consegue convencer ninguém que essa é a sua cor original, tal como a um nativo do sub-continente indiano não é permitida a audácia de pintar ou dar outra forma ao cabelo, condenado a ser liso e escuro. Nascer dotado dos traços fisionómicos ocidentais permite um leque de opções em matéria de cor e estilo do cabelo que conseguem convencer qualquer desconhecido que essa é a cobertura que Deus lhe deu à cabeça. Desde que não se cometam grandes extravagâncias, como cabelo azul, verde ou um estilo “rasta”.

Entre os ocidentais temos uma maioria de morenos e um número respeitável de loiros, além dos tons intermédios, com predominância do castanho. Tudo dependedo da situação geográfica, da heriditariedade e outros factores que mesmo assim não carregam consigo outras características que os diferenciem. Um loiro passa por moreno e vice-versa, bastando para tal uma demão de tintura própria para o efeito. Mas falta falar dos que carregam consigo uma herança de que nem a melhor tinta para o cabelo existente no mercado os livra: os ruivos. Os ruivos distinguem-se do resto da humanidade pela cor de cabelo tão fora do comum que nem loiros nem morenos se atrevem a escolher quando resolvem mudar a sua cor original. Há ruivos com cabelo avermelhado, alaranjado, e numa variante de loiro mais escuro, em tons de bronze.

Ao contrário dos restantes ocidentais, os ruivos acrescentam à cor do cabelo outros sinais particulares que os denunciam, como a palidez da pele e as sardas. Tal como os albinos, a quem a falta de melanina, a hormona que dá a cor ao cabelo, deixou naquele estado lastimável, os ruivos têm o resto dos pêlos do corpo da mesma cor do cabelo. Nos loiros e nos morenos isso é normal, mas nos ruivos é…estranho. Os ruivos são o “terceiro sexo” da cor do cabelo. Estão para a humanidade como os “sphinx”, aqueles gatos sem pêlo, estão para a espécie dos felinos. É no norte da Europa que se encontram mais ruivos, nomeadamente nas terras altas da Grã-Bretanha, e especialmente na Escócia, capital mundial dos ruivos. Sair um ruivo na lotaria da genética não obedece a nenhuma lógica; um casal de loiros, morenos ou misto pode ter filhos ruivos. Na Idade das Trevas ser ruivo era considerado uma “maldição”, tal como todo o resto fora do comum e que a arcaica ciência de então não conseguia explicar. Para ser ruivo e ser feliz é preciso ser uma celebridade. Sarah Ferguson ou o Príncipe Harry, da família real britânica, Paul Scholes, futebolista do Manchester United ou o tenista alemão Boris Becker são exemplos de ruivos famosos. Quem é ruivo e não é escocês, arrisca-se a ser recordado da sua triste sina a toda a hora. Impropérios como “cenoura” ou “pintinhas” são os mais comuns. Ser ruivo é um fardo do qual apenas a morte os liberta.

Lembrei-me de falar dos ruivos (e ainda não o tinha feito neste espaço) por causa de uma notícia que dá conta da primeira “marcha do orgulho ruivo”, que decorreu ontem em Edimburgo, na Escócia. Organizada pelo comediante canadiano (e ruivo) Shawn Hitchins, o evento juntou mais de uma centena de “cenouras”, “pintinhas” e outras variantes desta rara subespécie do género humano. Organizar uma marcha de ruivos na capital da Escócia é chover no molhado, equivalente a organizar uma marcha de orgulho esquimó na Antártida, mas se os ruivos sentem necessidade de se manifestar nestes termos, é porque existe mesmo discriminação. E com isso ficam validados todos os argumentos expressos acima.

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