Os primos e as primas

É uma tristeza ver a gente pequena crescer. Os primos da minha mulher, por exemplo. Quando os (entenda-se "os" e "as") conheci, eram todos pequeninos, o mais velho tinha os seus 13 anos, que já é o tempo que passou desde que os vi pela primeira vez. (Ainda foi no século passado). Agora cresceram, uns trabalham, a maioria estuda na universidade, e a mais novinha tem agora 14 aninhos. São pessoas que vi crescer, por assim dizer.

Os primos têm uma importância enorme para a sociedade chinesa. Ao contrário dos portugueses, que nem sabem quantos primos têm, a relação de "primo" é equivalente à de irmão. É um laço de sangue, acima de tudo. Os chineses vêem muitas vezes os primos, vivem perto dos primos, as mães e os pais encontram-se com os irmãos praticamente todos os dias, e se formos contar aniversários, casamentos, nascimentos, funerais e feriados chineses, convivem pelo menos umas 50 vezes por ano, mesmo que não queiram.

Mesmo na hierarquia familiar, as coisas diferem um pouco. Por exemplo para nós os primos do pai ou da mãe são nossos primos também, enquanto que para os chineses são promovidos a "tios". Os primos da mesma idade que cresçam a dez minutos a pé um do outro têm ali como que um irmão ou irmã para toda a vida. Quando um primo e uma prima da mesma idade crescem juntos, descobrem mais sobre o sexo oposto, atendendo a que a sociedade chinesa é fechada e muitos colégios são unissexuais. Eu por acaso tenho pena de nunca ter tido uma prima mininamente atraente (na minha família saíam mais homens) para ter uma perspectiva freudiana do assunto.

É claro que é preciso não esquecer que Macau é pequeno, ao contrário de Portugal, onde temos primos no Algarve, em França, etc. Mas o que dizer quando tenho primos da parte da minha família na China continental? E em Taiwan, Austrália, Inglaterra, e até Estados Unidos. É certo que alguns deles nunca conheci, porque têm lá a vida deles e Macau fica fora de mão, mas os que cá estão vejo todos os dias. (Aliás foi há bocadinho quando voltava para casa e vi duas primas que tive a ideia para este post).

O problema de ver crescer os primos que foram em tempos umas criaturas portáteis e adoráveis é um pouco como nos acontece com os filhos: perdem a graça, tornam-se pessoas grandotas com "personalidade" e "vida própria" (blergh). A tal priminha com 14 aninhos, por exemplo, ainda me lembro de pegá-la ao colo quando tinha um ano e pouco, com o cabelinho ralo e os dentinhos pequeninos, e de como ela se ria e depois babava-se toda. Hoje fazer o mesmo seria um crime!

E o pior de tudo isto é o tipo de pessoas em que se transformam, característicos "ou mun ian" distanciados, incultos, que nem falam inglês - não se admite que um jovem com vinte e tal anos nascido e criado em Macau não fale pelo menos inglês - cheios de complexos, mesquinhos, preocupados apenas com o emprego, os estudos, as rendas, para depois se irem casar com outros semelhantes e perpetuar este ciclo de indiferentes.

Quando me sento ao lado do primo mais velho, que tem uns 27 anos (quando o conheci era ainda puto) e trabalha num casino (claro...), pergunto-me: quem é este indivíduo semi-calvo que mal conheço? Ainda há uns anitos andava eu a puxar-lhe os cabelos e a dar-lhe "lai-si" no Ano Novo Chinês para comprar explosivos. Agora é um badalhoco sem piada nenhuma que só apetece tratar ao estalo. É um "coming of the age" para mim, estou em crer, mas que tenho saudades do tempo que estes primos por afinidade eram ainda uma esperança...