O The Standard é um simpático jornal de Hong Kong que é distribuído gratuitamente em Macau. É gratuito porque cerca de metade das suas 48 páginas são preenchidas por publicidade, o que não lhe tira qualidade. Ultimamente não tenho visto a habitual senhora a entregar o jornal no Largo de Senado. Muitos cidadãos – mesmo os que não sabem ler inglês – levam o jornal. Sentam-se nele, forram o caixote do lixo, colocam-no debaixo do fogão, e em alguns casos enfiam-no no primeiro caixote que encontram. Para quê? O mais curioso é que se o jornal custasse uma pataca ninguém o queria.
Hoje passei perto da joalheria Lok Fok onde duas senhoras distribuíam o jornal gratuito em chinês, e aproximei-me para ver se tinham o Standard. Uma das senhoras fez um sinal de “alto!”, abanou a cabeça, fez uma cara feia e disse-me
mou ying man (não há jornal inglês), como quem diz “queres jornais ingleses vai para Inglaterra”. Nunca percebi bem porque certos ignorantes passam pela vida sem enfiar os dedos numa tomada, ou sem se atravessarem em frente a um comboio em andamento.
Perto da Igreja de S. Domingos há uma senhora que tem habitualmente o The Standard. Fui lá, peguei no jornal e perguntei-lhe quanto era, como quem não quer a coisa. Olhou para o jornal (que não tem preço), hesitou um pouco e disse-me: “cinco patacas”. Cinco patacas. Por um jornal que não lhe custou um avo, nem de transporte nem nada. Em Macau não são só os taxistas que aldrabam em dias de tufão, ou os comerciantes que enganam no peso, ou as agências de turismo que são desleais. A roubalheira é generalizada.
É curioso andar pela baixa de Macau pela manhã. Aí podemos contemplar a fauna de cidadãos que vasculham os caixotes do lixo, apanham cartão, recolhem tudo o que por aí há de gratuito, entram pelos supermercados em pleno dia a exigir caixas de cartão, roubam guarda-chuvas. Há que lhes dar mérito. Acordam aí pelas seis da manhã, às oito já estão suados que nem porcos, trabalham de sol a sol. E não há como não os respeitar; arrastam os carrinhos pela cidade, à revelia das passadeiras, dos sinais de trânsito e do tráfego. Aos restantes transeuntes dão um “sai da frente”. Afinal estão a trabalhar. Coitados...mas espera, estes indivíduos,que na sua maioria se vestem mal e cheiram ainda pior, têm contas astronómicas no banco. Gastam meia dúzia de patacas por dia, andam sempre a pé e não gastam um avo em palermices.
Um dia comprei numa mercearia perto de casa um gelado da Dryer’s, de chocolate e amêndoas, que me custou quinze patacas. No acto do pagamento a proprietária da mercearia desabafou um “Quinze patacas. Com esse dinheiro podia comprar duas caixas de arroz...”. Atenção,
foi a própria dona da mercearia a que eu estava a dar negócio que me disse isto.
Para se perceber este interessante fenómeno basta observar as filas que se formam à porta dos correios sempre que há edições comemorativas de selos, ou à porta da Kong Seng cada vez que se inicia a venda dos bilhetes para o Festival de Música. Não que sejam grandes filatelistas ou amantes das artes. O objectivo é conseguir bilhetes, e depois revender com lucro.
Estes últimos dias tenho reparado numa idosa que fica ali junto do Starbucks a estender a mão e pedir esmola a quem passa. Esta idosa até nem se veste mal, tem bom aspecto e um brinco de ouro em cada orelha. Pedir esmola é provavelmente o seu passatempo. Pode ser que um dia se arrependa. Talvez na hora da morte.
A juventude em Macau, amorfa como sempre, parece passar indiferente a tudo isto, e no caso das filas que se formam mais de 24 horas antes de selos, notas, bilhetes e o raio-que-os-parta começarem a ser vendidos, já começam também a participar. São os juniores da avareza, os Tio Patinhas do futuro. O Governo está-se nas tintas, desde que estes indivíduos não estacionem os carrinhos do cartão nos lugares junto do palácio destinados aos carros pretos. Isto é qualidade de vida.
15 comentários:
Apetece-me dizer..."porra" cum raio de mundo é esse?
Por isso gosto de passar pelo seu blog e ler o que por aí se passa no dia a dia e aos olhos de um bom comentador como o Leocardo.
Nós por cá queixamo-nos, mas afinal ainda se está muito bem...
lusitano
Brilhante caro Leocardo
Por acaso conhece a realidade pessoal das pessoas que andam a acartar papel? Nenhum deles é miserável? Ignorante...
Lusitano, nada de exageros. Por aí não se está bem coisíssima nenhuma. O Leocardo tem razão naquilo que diz: estas coisas passam-se mesmo. Mas consegue-se passar ao lado delas. Eu não dou dinheiro a essa gente, por exemplo, e ignoro-os completamente. E no último ano não me lembro de ninguém que me pedisse directamente dinheiro. Já em Portugal, basta ir aí um mês de férias e estou sempre a ser abordado por todo o tipo de gente: arrumadores de carros, ciganos, drogados que dizem que é para o comboio, etc, etc, etc. E chatos, não me largam mesmo quando digo 10 vezes que não e ainda estou sujeito a que me risquem o carro. Por enquanto, não há comparação possível: em Portugal é muitíssimo pior!
So posso congratular-me com esse brilhante artigo. Vivo em Macau e tenho visto toda essa vergonha. Comentadores como Tu (Leocardo) e que falta por aqui.
Criolo
Ó Leocardo não gostas ? estás mal ? tens um bom remédio pira-te, vai ter com o Lusitano e compadres , segundo ele ainda se está muito bem na terrinha ,lá não verás a miséria que vês em Macau e que te queixas, terás melhor qualidade de vida de certeza. outro que cospe no prato que comeu e come.
Este anónimo das 0:42 é mais um adepto do come e cala. As coisas estão mal? Come e cala. Falar delas? Não, come e cala. Tentar mudá-las? Não, come e cala. Baixa a bola e agradece à terra por te dar emprego. Se possível, lambe-lhes as botas. Aqui, só tens dois direitos: comer e calar.
Que gente desprezível! Nem sei porque perdem tempo a ler blogues destes e a comentá-los. É só para depois poderem usar a vossa língua miserável?
Nós por cá não estamos nada bem e é ler os jornais diariamente.
A criminalidade aumenta e o turismo desce, as estatísticas confirmam com resultados.
No entanto e para quem vive como eu no lindo Berço da Pátria, devo dizer que vivemos num lugar calmo e tranquilo por excelência, com a qualidade de vida e onde se vai tomando conecimento do que se passa nas grande cidade-Lisboa.
Como essa realidade me é desconhecida, ao ler, não deixo de pensar que para uma geografia tão pequena, tudo tem maiores dimensões!
lusitano
Há certos leitores que vêm sempre para aqui com argumentos do tipo "se estás mal, vai-te embora" (a resposta mais estúpida que pode haver) ou que justificam tudo dizendo que Portugal é sempre muito pior (também há países muito piores do que Portugal. E depois? Isso resolve alguma coisa?). Mas que raio de argumentos são esses?
Quando se apresenta um problema, o objectivo de uma secção de comentários é debatê-lo, partilhar experiências e propor soluções, se possível. Não é insultar quem se preocupa com as coisas e gasta o seu tempo a observá-las e a escrever sobre elas.
Se não concordam, dêem a vossa perspectiva das coisas, mas deixem de ser básicos de uma vez por todas!
A vida não é tão simples como se vê.
A gente faz coisas diferentes porque pode.
A tolerância aos outros por serem diferentes é fundamental.
Acho que não ficamos melhor por estarmos menos pior que os outros.
Aqui não se trata de uma questão de aceitar ou não, de gostar ou não, de estar bem ou mal aqui ou ali. Este blogue é um espaço de opiniões, e falo do que acho mal, quer fosse em Macau, Portugal ou na Patagónia. Posto isto...
Anónimo das 22:26: ignorante é o senhor. Primeiro onde disse eu que são TODOS os que andam ao cartão milionários? Está a brincar? E depois não sei se sabe, mas estas pessoas têm em Macau um sistema de previdência que lhes permite sobreviver sem precisarem de andar a apanhar latas e revolver caixotes do lixo. E acha que são as 20 ou 30 patacas que esta "actividade" lhes rende por dia que faz a diferença? Alguns (aqueles a que me refiro no post) fazem isto porque gostam, é o passatempo deles, e já estão habituados. Se sente muita pena ou lhe causa "nojo", problema seu.
Anónimo das 0:42: a que miséria se refere? Se o senhor gosta que o roubem, que lhe cobrem dinheiro que não é devido ou de andar aí aos pontapés no lixo e nas latas, divirta-se. Eu não gosto, acho mal, e penso que devia mudar para melhor. E pode mudar. Agora com atitudes como a sua é que não se chega a lugar nenhum.
De resto obrigado pela participação.
Cumprimentos.
Bem, falo por mim, mas digo viva às filas para os selos e edições especiais da moeda! É mau, mas não se compara às noticias de assaltos violentos, "a crise", ao facto de, para se ter uma vida digna com os ordenados miseraveis que se pagam por aí, se ter que recorrer ao endividamento, aos créditos de toda a espécie, tornando cada indivíduo um autêntico escravo desse endividamento... Aí vive-se para pagar essas dividas. Aqui? Temos tempo, meus caros, para estar a divagar em blogs sobre filas de pessoas a comprar selos, sem nos preocupar sobre "aquele emprestimo" que requeremos para comprar a televisão...
Nem mais, anónimo das 2.05! Parabéns pela capacidade de síntese, por ter dito tudo em tão poucas linhas.
O Leocardo não percebe o que escreve?
"Anónimo das 22:26: ignorante é o senhor. Primeiro onde disse eu que são TODOS os que andam ao cartão milionários? Está a brincar? E depois não sei se sabe, mas estas pessoas têm em Macau um sistema de previdência que lhes permite sobreviver sem precisarem de andar a apanhar latas e revolver caixotes do lixo. E acha que são as 20 ou 30 patacas que esta "actividade" lhes rende por dia que faz a diferença? Alguns (aqueles a que me refiro no post) fazem isto porque gostam, é o passatempo deles, e já estão habituados. Se sente muita pena ou lhe causa "nojo", problema seu."
Acha portanto que não há miséria em Macau... Que todas as pessoas que cá estão e que andam a pedir pela cidade, a comer dos caixotes, têm direito à previdência... Devia ir etudar e ser mais humilde. Já se percebeu que neurónios não abundam nessa cabecinha...
Sim, o cardoso é burro!
http://www.jtm.com.mo/view.asp?dT=290909201
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