Artigo de opinião de Vasco Pulido Valente no "Público", 22/VIII:
«No meio da tanta conversa sobre os Jogos de Pequim, quase não se falou dos Jogos de Pequim. Primeiro, da cerimónia inaugural (que vi em repetição), que lembrava irresistivelmente o congresso de Nürnberg de 1934, na versão de Leni Riefenstahl. A coreografia militar daquela massa indistinta e obediente não celebrava qualquer espécie de acontecimento desportivo, celebrava o novo poder da China e prometia o "triunfo" de uma nova "vontade". Sempre foi assim? Não exactamente. Apesar de tudo, nunca a América se atreveu a ir tão longe. Nem o Ocidente democrático era susceptível de engolir sem protesto aquele espectáculo. A conversa, evidentemente, mudou (como não mudaria?), mas não mudou a ameaça implícita da ordem, do número e da superioridade rácica.Eis a habitual comparação rasca. Desde a primeira hora que se pegou no “perigo amarelo”, juntou-se os Jogos Olímpicos e pimba, toca de comparar com a propaganda nazi de 1936. O medo alimenta os ignorantes. Ainda bem que a Polónia não fica mesmo aqui ao lado. Essa da superioridade rácica é que me dá vontade de rir, e muito. Já repararam como os mais letrados já falam nos “han” em vez de falar de chineses? Se todo este preconceito serviu para alguma coisa, serviu para que aprendessem que afinal os chineses “não são todos iguais”. Quanto ao detalhe da “massa indistinta e obediente”, se calhar o douto historiador não faz ideia do orgulho e da satisfação com que os chineses receberam os Jogos, desde a primeira hora. Quem acha – como já li algures – que as infra-estruturas foram construídas com “mão-de-obra semi-escrava”, deve pensar que os operários que construíram os estádios em Atenas, Sydney ou Barcelona (e do Euro2004, em Portugal) têm um Porsche na garagem e uma casa de férias em Malibu.
Também não se disse uma palavra sobre o aberração em que pouco a pouco se tornaram os Jogos. O interminável aumento das "modalidades" levou a extremos de ridículo e desequilíbrio. A maior parte das provas "clássicas" só tem uma justificação "arqueológica" (e mesmo essa ténue: quem se interessa hoje pelo lançamento do dardo, do peso ou do martelo?). Outras disciplinas (a natação, a ginástica e o mergulho, por exemplo) são tão minuciosamente divididas, que um único atleta, como Phelps, consegue apanhar oito medalhas. Pior ainda: alguns "desportos" mais recentes (o triatlo, para começar) não fazem o mais vago sentido, excepto provavelmente comercial. E, como se isto não chegasse, o golfe (com dezenas de milhões de praticantes no mundo inteiro) não aparece e o futebol é um campeonato fictício entre equipas de terceira ordem.O sr. Pulido Valente não deve estar a insinuar que foram os chineses que inventaram os Jogos Olímpicos, nem os antigos, nem os modernos, nem escolhem as modalidades. Sim, esta é uma crítica ao COI. O que têm estes Jogos, nestes aspectos que refere, de diferente dos Jogos de há 4 ou 8 anos, ou de outros quaisquer? É curioso que refira o futebol, a única excepção à regra. O único desporto nos Jogos em que o título mundial é mais importante que o título olímpico. Nas restantes modalidades colectivas os países levam as melhores equipas, e todos sonham estar nos Jogos Olímpicos
Falta acrescentar o mais desagradável: os Jogos não aperfeiçoam o corpo, nem o espírito. O corpo é sistematicamente deformado a benefício dos resultados. Há "modalidades" que produzem monstros: montes de músculo ou de gordura, ou de músculo e gordura; esqueletos a que se pendurou um torso e umas pernas; máquinas concebidas para meia dúzia de gestos, sem beleza e sem uso. De resto, quanto ao espírito, e já para não mencionar as pré-adolescentes da ginástica (um verdadeiro abuso de menores), basta lembrar aquele nadador que ganhou, aos 21, uma medalha para que se tinha preparado 15 anos. Não se imagina nada de mais triste. O "ideal" olímpico acabou num horror sem alívio.»É uma opinião, está certo. Ninguém obriga os atletas a estarem nos Jogos Olímpicos. Vão porque querem. É o sonho de qualquer atleta estar nos JO. O que se preparou 16 anos para uma medalha provavelmente venceu os que só se preparam 15 anos, ou apenas 13 ou 14. Essa das “máquinas concebidas para meia dúzia de gestos, sem beleza e sem uso” tem graça. Isto não é o ballet do Bolshoi, é uma competição com regras. Queria que os atletas o entretessem, que dançassem para si? O “ideal olímpico” de Coubertain, dos “jogos para os amadores”, já há muito que está morto e enterrado. É um negócio sim, e os “negociantes” – atletas incluídos – agradecem. Foi preciso chegar a Pequim para perceber isso?
Eu até acho que o sr. Pulido Valente escreve e pensa bem, mas às vezes parece que é pago só para falar mal. Quem não o conhece bem pensa que vive numa caverna escura rodeado das carcaças dos bovinos e caprinos que por lá foram aparecendo, o que está muito longe da verdade. Exerce o seu direito à opinião como ninguém, o que é de louvar, só que aqui fala de boca cheia. E do que não sabe, ou sabe pouco.
2 comentários:
o vitnho, ainda nao reage?
Deixe lá o Vasco Pulido Valente em paz que ele escreve bem... Nem sempre se concorda com ele, mas neste caso parece-me óbvio que ele tem razão. São as manobras dos grandes regimes, das "grandes nações". É a verdade. E o povo? Quem se preocupa?
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