O meu colega e amigo Nuno Lima Bastos escreveu ontem no JTM um artigo em que desabafa sobre a parca condição de opinar em Macau. Nada de novo, o que diz Nuno Lima Bastos. Nós portugueses não gostamos de opiniões opostas à nossa. Somos por natureza um povo habituado a ter alguém a mandar, a ditar as regras do monopensamento, tudo em nome da concordência, da estabilidade e do progresso. Quem ousa discordar de certas ideias ou dos seus autores arrisca-se a ficar marcado, passa a ser “do contra”, isto quando não lhe são chamados nomes piores ou feitas ameaças veladas. É escusado apelar aos amigos, que sinceramente “têm mais que fazer”, e não querem “chatices”.
Começamos desde tenra idade a respeitar quem tem poder, dinheiro ou influência, a temer a ira de Deus e a “respeitar”, porque o respeitinho é muito bonito. Aprendemos a elogiar (ou engraxar) quem nos traz vantagens, a ignorar e mesmo às vezes humilhar quem se atreve a aparecer no caminho das nossas convicções ou das dos nossos amigos. O ditado “não se apanham moscas com vinagre” aplica-se bem ao nosso fatalismo nacional. Dizia a minha avó, “sinceridade a mais é má educação”. Ser sincero é não só pouco recomendável, como pode também ser perigoso.
Aqui em Macau é difícil falar de liberdade de expressão ou de direito à opinião propriamente dito. Somos uma comunidade exígua, heterogénea, de gente que vira as costas aos outros, que se divide em grupinhos, que não quer saber de quem não lhe possa ser útil ou trazer vantagens. Há muita gente boa, de classe média, trabalhadora e agradecida. Há pouca gente crítica, mordaz, com sentido de humor. Somos uns gajos “sérios” à brava.
Somos praticamente obrigados a gostar de tudo o que faz nos campos da arte, do Direito, da escrita, das indústrias criativas em geral. Quem é criticado ou acusado de fazer pouco e mal acena com a aceitação do pouco público que tem, da “falta de alternativas”. E pior que isso, ainda se escuda no facto de vivermos num território da RPC, onde a diversidade de opiniões nunca foi muito agraciada, para o melhor e para o pior.
Funciona a máxima do “quem tem um olho é rei”. Temos gente perfeitamente vulgar e aborrecida com tiques de superestrela, que anda de caneta no bolso para dar autógrafos. Temos gente que se empurra para aparecer na frente das fotografias de grupo, e pior que tudo, temos gente que teima em ser vista e ouvida em tudo. Quando o Nuno diz que existe um grupo de cidadãos que são chamados a opinar sobre quase tudo, o problema não será tanto, como referiu, de não haver quem queira falar.
O que acontece é que são sempre os mesmos a ser chamados a dar opinião, ou por culpa de quem os procura, ou deles próprios, que ficam “tristinhos” se não são tidos nem achados. Macau é farto em episódios de “pedidos de esclarecimento” sobre o facto deste ou daquele senhor especialista nesta ou naquela matéria não ter sido ouvido sobre a mesma. Eu por exemplo, que resido em Macau há quase duas décadas, nunca fui interpelado por absolutamente ninguém para dar opinião sobre o que quer que seja. Nunca apareci nos jornais, na televisão, ou em porra nenhuma.
Assim como eu existem centenas de portugueses inteligentes, sóbrios, com opiniões muito próprias e formadas que nunca tiveram a oportunidade de dizer nada, e que não se importariam de todo. Não compro espaço nos jornais nem tenho intenções de fazê-lo. Existe uma elitezinha, sem dúvida, que gosta de aparecer, mandar os recortes para a santa terrinha, e uns e-mails a dizer “ó pra mim aqui!”.
E o pior é que passam estes ensinamentos para os filhos, as criancinhas, coitadinhas, que são desde cedo chamadas para os papéis principais das peças da escola, da música, das danças, de tudo. E depois lá estão os papás elitistas de câmara de filmar em punho a registar o momento. Não que os putos não tenham talento, nada disso, nem têm a culpa, pobrezinhos. Estão simplesmente a ser amaciadas e preparadas para o mundo hipócrita que os espera.
Daí que me sinta solidário com o Nuno, pois claro. Seja em forma de piropos na rua para quem dá a cara, como ele, ou de comentários neste blogue, para quem opta pelo anonimato, são apenas ossos do ofício. Que tenha a coragem e sobretudo a vontade para continuar a escrever tão bem como escreve. É verdade que há dias em que dá vontade de mandar isto tudo para o tal sítio e pôr em dia as duas ou três horas diárias de sono que perco a escrever neste espaço. Mas sabem uma coisa? A vontade ainda é muita.