segunda-feira, 28 de abril de 2014

Os sons dos 80: Ney Matogrosso


Peço desde já desculpa se estou a ofender os entendidos na matéria, mas o meu artista musical brasileiro favorito é Ney Matogrosso. É, sempre foi, e possivelmente sempre será. Para mim é de longe o mais completo, o mais original, aliando a excelente voz a uma teatralidade que tornam os temas que interpreta únicos, e é impossível não identificar a sua marca. Para ser perfeito só faltava mesmo escrever e compôr, mas não existe artista, desde Chico Buarque a Caetano Veloso, passando por Mílton Nascimento e Rita Lee, que não gostassem de ver os seus temas "tratados" por ele. Nascido em 1971 em Bela Vista, no estado de Mato Grosso do Sul, saíu de casa aos 17 anos para ingressar no exército, pela via da força aérea - "Aeronaútica", como lhe chamam no Brasil. Depois disso quis ser actor, juntando-se a uma troupe teatral, e mais tarde teve a sua primeira experiência musical, num grupo vocal, mas acabou como "hippie", vendendo artesanato. Foi aí que conheceu o compositor João Ricardo, e no início dos anos 70 formaram os Secos e Molhados, cujos dois álbums fariam história no panorama musical da música brasileira, quer pela originalidade, quer pelo conteúdo - eram a resposta do país do samba aos britânicos Queen e Genesis. Em 1974 Ney parte para uma carreira a solo, e tonrar-se-ia um dos artistas mais produtivos, gravando praticamente um disco por ano até à década de 90.


Desde a sua saída dos Secos e Molhados, gravou cinco álbums até 1980, sendo o primeiro "Água do Céu-Pássaro", em 1975. O cuidado com a estética é uma das suas imagens de marca, e torna-se difícil colocar aqui todos os seus vídeos que valem a pena ver, pelo que recomendo que vejam aqui a colecção completa, na sua página pessoal. Para ilustrar este período inicial de Ney Matogrosso, escolhi este "Bandoleiro", um tema escrito por Lucinha, e que consta do seu trabalho de 1978, "Feitiço".


O início da década de 80 foi especialmente produtivo. Em 1980 sai "Sujeito Estranho", onde Ney interpreta temas da autoria de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Oswaldo Montenegro e outros. A atracção pelas composições femininas é evidente, com Angela Ro Ro e Lucinha a serem duas das suas compositoras favoritas neste período. No ano seguinte sai um álbum homónimo, que inclui temas como "Espinha de Bacalhau", de Severino Araújo, "Deixa a Menina", de Chico Buarque, e dois dos mais conhecidos do seu reportório: "Folia no Matagal", de Eduardo Dusek, e este "Homem com H", de António Barros. No vídeo gravado para o programa Fantástico, é mais uma vez possível observar as muitas metamorfoses do artista, que se transforma com recurso aos adereços e à coreografia, tão desinibida como sexualmente ambígua.


Em 1982 sai "Matogrosso", que inclui outro clássico da autoria de Chico Buarque "Tanto Amar", e em 83 a colaboração repete-se no álbum "...pois é" com o tema "Até ao fim", e dá-se início à parceria com Cazuza, em "Pró dia nascer feliz", repetida no disco seguinte, "Destino de Aventureiro", com "Porque é que a gente é assim". Mas voltando ao registo de 1982, a popularidade de Ney conhece um novo patamar com o tema de Ceceu "Por debaixo dos panos", uma alusão à corrupção vigente num país que vivia ainda sob uma ditadura militar. O vídeo é também muito bem conseguido, e não se fica pelas meias-palavras.


Por alturas de 1984/85 Ney Matogrosso deixava o Brasil inteiro ainda mais quente, a dançar com a sua versão muito própria de "Vereda Tropical", do mexicano Gonzalo Curiel. Não surpreendeu portanto que o cantor fosse escolhido para abrir o primeiro Rock in Rio, em 1985, e fê-lo com um do seus temas mais conhecidos do início de carreira, "América do Sul". Se a ideia era incendiar o palco do Maracanã, foi conseguido. A festa arrefeceu contudo nos anos seguintes, com a chegada da SIDA, que faz vítimas no mundo artístico, entre Sandra Brea, Lauro Corona, e o próprio Cazuza, amigo próximo de Ney. Sabendo-se que o cantor era homossexual, há uma revista que adianta a notícia que estaria também infectado. Ney vai para tribunal e é indemnizado, dizendo mais tarde numa entrevista: "o único jeito de atingir estes malas é indo-lhes ao bolso".


O final da década de 80 coincidem com um Ney mais intimista, talvez consciente de que se aproximava dos 50 anos, da "idade dourada". Em 1986 grava "Bagre", que inclui "A Balada do Louco", de Rita Lee e Arnaldo Baptista, e em 1987 sai "Pescador de Pérolas", onde faz esta rendição do clássico de Consuelo Velasquez, "Besame Mucho". Em 1988 participa com João Carlos Assis Brasil e Wagner Tiso na musicação de "A Floresta do Amazonas de Villa-Lobos", dando a sua voz ao piano e aos sintetizadores dos outros dois músicos.


Desde a década de 90 continuou a gravar, ora numa nota mais formal, ora transvestindo-se e assumindo um dos seus muitos lados animalescos. Foram discos ao vivo, colaborações com vários artistas, trilhas sonoras, e muitos, muitos concertos, com algumas passagens por Portugal - e ainda bem para nós. Este vídeo foi gravado em Juíz de Fora, Minas Gerais, no ano passado, com Ney a interpretar "Roendo as Unhas", de Paulinho da Viola, promovendo o seu último trabalho, "Atento aos Sinais". Agora, alguém acredita que este homem em cima daquele palco tem 72 anos?

1 comentário:

Unknown disse...

Boa tarde,

Peço ajuda no seguinte: preciso muito de saber qual a data exata (dia e mês) em que o Ney Matogrosso deu concerto no Coliseu dos Recreios de Lisboa em 1987. Julgo ter sido em Outubro, ou final de Setembro... Não consigo descobrir esta informação. Sei que deu concerto no Coliseu em 20 de Outubro de 1983, mas para a minha pesquisa preciso também da data no ano 1987. Podem ajudar-me por favor?

Muito obrigada pela atenção.
Cumprimentos,
Vanda Moita