Nos primórdios da World Wide Web, muito antes das redes sociais, participava em alguns daqueles grupos de discussão online, onde se deixavam opiniões, sugestões ou comentários numa caixa semelhante à das antigas caixas de correio electrónico da Netscape. Num desses grupos discutia-se a certa altura a bestialidade, ou seja, o sexo com animais, e uma leitora dizia "ficar chocada" com certos comportamentos, dando o exemplo de mulheres que se sujeitavam a ter relações sexuais com cavalos. Um outro leitor bem humorado adiantou uma explicação que valeu a risota do resto do fórum: "Se calhar os cavalos têm sentido de humor. As mulheres dão valor ao sentido de humor". Agora fora de brincadeiras, é mesmo assim: as mulheres pelam-se por um tipo com sentido de humor. O contrário já é menos verdade, pois apesar do sentido de humor ser uma qualidade comum a ambos os sexos, não é uma daquelas que os homens procuram nas mulheres. Normalmente as mulheres com mais sentido de humor e mais bem dispostas tentam compensar pela falta de outras características, como a beleza ou a elegância. Todos sabemos como as gorduchas são na sua maioria bem dispostas. Uma mulher que seja bonita, atraente, elegante e sofisticada tem mais possibilidades de ser uma víbora cínica e calculista do que uma tipa bem humorada.
Nos homens funciona mais ou menos da mesma forma, mas com resultados diferentes. É "same same but different". Um homem menos dotado de talento, com uma aparência vulgar ou abaixo disso e sem uma inteligência por aí além pode compensar esses defeitos com uma boa dose de sentido de humor. As mulheres não apreciam um tipo carrancudo, sempre sério, incapaz de sorrir, em suma, "mal disposto". Gostam de um tipo que as divirta, que as faça rir. Por outro lado não querem alguém que esteja sempre a rir, que leve tudo na brincadeira, e que não consiga ser sério. "Há horas para brincar e outras para ser sério", diz-se com sapiência. O pior é que nunca se sabe muito bem quando é oportuno brincar ou ser sério, e tudo depende da forma como cada um encara cada situação. É evidente que um jantar entre amigos é uma excelente oportunidade para se revelar sentido de humor, fazer os outros rir um pouco, alegrar o ambiente. Um velório é exactamente o caso oposto, a não ser que o defunto seja alguém mais velho que Matusalém e já ninguém acreditava que não estivesse farto de viver. Nesse caso até se aprecia que alguém traga um pouco de leveza ao ambiente pesaroso, mas mesmo assim dentro dos limites do bom gosto. No fundo isto do sentido de humor é como dar comida ao cágado: é preciso não esquecer para o bicho não morrer de fome, nem se pode dar muito senão ele tem uma congestão.
Ser engraçado num mundo de gente séria é uma arte. Quem faz disso profissão, os comediantes e os humoristas, é quase obrigado a estar sempre alegre e bem-disposto. Mesmo que o dia lhe esteja a correr mal, tenha recebido más notícias ou tenha apanhado a namorada na cama com o melhor amigo, espera-se dele que sorria, que faça chalaças, que nos divirta. É o preço que se paga por se fazer do sentido de humor o ganha-pão. Achar alguém engraçado, divertido, com sentido de humor depende de muita coisa, especialmente do gosto. Há pessoas que acham graça a tudo (é por isso que há tantos maus humoristas), e outras tão carrancudas que dão a entender que sofrem de algum trauma de infância, que foram abusadas sexualmente por alguém que julgavam engraçado - nestes casos o palhaço é sempre o maior suspeito. Quem se esforça demasiado para ser engraçado, ultrapassa os limites do sentido de humor e perde o respeito dos outros. Deu comida a mais ao cágado. Depois temos ainda um tipo de canalhas que se acha dono do bom gosto, e só ele é que sabe a diferença entre o sentido de humor e a comum palhaçada. Normalmente é um tipo sério, discreto, que cativa os outros com outras qualidades, e de vez em quando manda uma piadinha, e mesmo que não tenha graça, os outros riem-se, mais por respeito, para não o deixar ficar mal. Quando outro mais conhecido pelo seu bom-humor diz uma graça que todos riem com gosto, apressa-se a julgá-lo, diz-lhe que "não dá para o levar a sério", e que "está sempre a fazer palhaçadas para chamar a atenção". Este cínico que acabo de descrever tem consciência plena do valor do sentido de humor, e entra em competição directa pelo seu exclusivo.
Se o sentido de humor se pode identificar pelo comportamento do emissor, é ainda perceptível pela reacção do receptor. Quem fica ofendido por tudo e por nada diz-se que "não tem sentido de humor", mas também aqui é preciso ter em conta uma série de factores antes de se fazer um julgamento apressado. Primeiro o factor da confiança. Chegar perto de um indivíduo que se conhece mal e fazer reparos jocosos quanto à sua aparência pode ser interpretado como uma afronta, especialmente se estiver acompanhado de terceiros. Mesmo que se conheça bem a pessoa com quem se "brinca", é preciso atender ao factor da tolerância. Há pessoas que não têm o mínimo sentido de humor, e levam a mal se lhe dizemos que a gravata não combina com os sapatos, e há outras bastante tolerantes, que não se importam que lhe façamos piadas sobre as suas orelhas grandes, a sua estatura baixa ou a sua calvície. Entre os amigos mais íntimos os limites são mais largos, e sendo que se conhecem bem, sabem até onde podem ir ser ofender. Não há situação mais desagradável quando um amigo está na reinação com outro e este diz-lhe "olha lá que te estás a esticar muito". Nesses casos o sentido de humor rebenta como um balão de ar quente e sai a voar, o ambiente torna-se "sério" e pesado, e nunca mais nada volta a ser o mesmo. Claro que quando se brinca com alguém, é preciso usar o mínimo de bom senso para não azedar a disposição. Um tipo que faça piadas sobre aspectos do foro íntimo do outro com um propósito nitidamente provocatório, como dizer-lhe que tem a pila pequena, chulé, sofre de flatulência, ou sugere que a mulher o engana, ou é maluquinho ou está à procura de sarilhos. Se o receptor tolera, é tido como um frouxo, e se alguém quem está a presenciar a cena achar engraçado, então é parvo. Aqui o sentido de humor não é chamado para nenhum dos casos.
Por falar em comentários sobre a esposa, tudo depende de quão bem se conhece a situação conjugal do receptor da piada. Por um lado temos os tipos que estão encurralados num casamento infeliz, e deixam-no saber, queixando-se a toda a hora da "bruxa que tem lá em casa". Se chegarmos perto dele e fizermos um reparo que sugira que a mulher é gorda e feia, ele não só concorda como ainda é capaz de lançar mais achas para a fogueira. Do outro lado temos aqueles tipos demasiado fechados, que levam a reserva da sua vida privada ao extremo. Um exemplo:
- "Epá Júlio, aquela senhora que ia ontem contigo no eléctrico é a tua mulher? É simpática, e..."
- "A minha mulher o quê, pá? De onde é que conheces a minha mulher, ah? Já alguma vez te dei autorização para falares da minha mulher?"
Uma reacção forte que dá para desconfiar, mas fica o registo mental: não falar da mulher deste gajo, que é uma santinha, coitadinha. Outros levam a mal que se fale da mãe. Entre amigos mais chegados é possível ouvir "bocas" do tipo "a tua mãe isto", ou "a tua mãe aquilo", e até é possível ouvir tratarem-se uns aos outros por "filho da p...". No entanto há alguns que brincam com tudo menos com isso, e portanto "mãe é que não". Estes devem ter uma tatuagem no braço direito com um coração atravessado por uma seta e onde se lê "mãezinha", ou "amor de mãe".
Finalmente, e penso ter deixado o melhor para o fim, há o factor da resistência ao impacto, o para-choques do sentido de humor. Há um tipo de humor menos politicamente correcto, que mexe com alguns princípios e convicções, e até com a dignidade das pessoas. O humor negro, por exemplo, não é para todos, e há quem considere de mau gosto fazer humor com aspectos como a morte, a doença ou outros infortúnios que não desejamos para nós e para os nossos. Quem tenha um sentido de humor mais resistente, pode aceitar algum desse humor negro, ou até a maior parte dele, desde que o emissor o transmita com uma certa perícia. Não tem graça por si só o facto de alguém ter morrido, mas pode-se dar ênfase a um aspecto mais ligeiro dessa morte e fazer humor sem ofender por aí além. O pior que pode acontecer é chamarem-nos de "sádico", enquanto se riem. Se estão a rir, então foi obtido o efeito desejado. Se nos fazem uma cara de poucos amigos e nos acusam "de não respeitarmos nada", então é melhor procurar outro público, ou mudar de reportório.
Outro dos maiores testes ao sentido de humor é o chamado humor rácico, que conhecemos bem das anedotas racistas. Ora para alguém que tem um sentido de humor a toda a prova, as anedotas racistas valem o que valem, e algumas são até bastante engraçadas. Exemplo:
- Qual a diferença entre uma mulher branca nua e a uma mulher preta nua?
- A mulher branca nua aparece na capa da Playboy, e a preta na capa da National Geographic.
Achou graça? Parabéns, tem um sentido de humor resistente. Sente-se culpado por ter achado graça porque se trata de uma anedota demasiado racista? Porquê? Isso mede-se? Existe um "racistómetro" que meça as ondas do racismo? Achou horrível e nunca mais vem ao blogue? (já vi isto 500 mil vezes). Não seja papista; contar uma anedota racista, contando que seja mesmo uma anedota e não um comentário sem um propósito jocoso, não faz de ninguém um racista.
Para terminar, há as piadas, anedotas, chistes, chalaças e todo o resto que mexem com a religião. Aqui depende muito do local onde estivermos. A missa ou a catequese não são os locais mais indicados para o efeito, e é pedir muito que se tenha sentido de humor quando se faz pouco dos santos quando jogam na sua casa. No entanto há muito a ideia de que não se deve fazer humor com o divino por "respeito": graças a Deus todas, graças com Deus nenhumas. Isto é como os melões, e só depois de os abrir sabemos o que podemos encontrar. Caso esteja num grupo e conte uma piada envolvendo a figura de Deus ou um dos seus subordinados, e todos riem menos um, que estraga o ambiente com uma cara de virgem ofendida e diz algo do tipo: "há coisas com que não se deve brincar", o que fazer? Mandá-lo à fava, lógico. Não, esperem, peço desculpa. Mandá-lo à santa fava. Amen.
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