No outro dia conversava com uma colega sobre o preço da habitação, e esta congratulava-se por ter adqurido a sua moradia juntamente com o marido em 2007, quando os preços não eram ainda criminosos. A esse respeito, disse algo muito interessante: “se comprasse agora, os nossos vencimentos iam na maior parte para a hipoteca; não podiamos comer fora, viajar, comprar acessórios de luxo...”. Sim, de facto, muito bem dito. Iam viver para pagar a casa, coitados. E isto a juntar a educação da filha que têm em comum. E a propósito, esqueceu-se de mencionar um detalhe: nem pensar em dar um irmão ou irmã à pequenota para ela brincar. O melhor é comprar um cão, e de preferência um rafeiro, e oferecido.
E acredito que existam muitos casais nesta situação tão surreal; casam, querem casa, e passam o resto da vida a pagá-la, limitando-se a fazer o caminho casa-trabalho-casa. Férias? Fiquem em casa, leiam um livro, mas nada de loucuras. Ainda não estão inscritos na biblioteca central? Vamos a pensar nisso. Se economizarem um pouco, comendo pão e manteiga ao jantar, acompanhado de um copo de água, pode ser que ano sim, ano não façam uma viagem à Tailândia, adquirindo um daqueles pacotes baratinhos de cinco dias com pequeno-almoço incluído. E é melhor rentabilizar esse pequeno-almoço, e embrulhando umas sandes num guardanapo já se poupa no almoço. Caso consigam acabar de pagar a casa nos 40 anos estipulados, e cuidado para não morrer antes, podem deixar o apartamento para os filhos de herança. Isto é, se ainda existir, e não for uma “banhada” ao estilo do Sin Fong.
A população tornou-se escrava dos preços da habitação, e estranhamente vive bem com isso. As casas custam cinco ou dez vezes mais do que realmente valem, e nem os bancos vão na conversa. Quem compra uma fracção por cinco ou seis milhões, tem muita sorte se o banco lhes financiar metade desse valor. São cada vez mais os pais, tios e irmãos que hipotecam a casa que já acabaram de pagar para que os seus familiares obtenham uma linha de crédito que lhes permita adquirir a sua. O arrendamento começa a tornar-se uma alternativa realista, pois apesar dos aumentos mesmo assim exagerados, ainda não chegaram aos 500 e 1000%. O problema é que o futuro não se perspectiva risonho. Os actuais senhorios, que adquiriram esses imóveis para os rentabilizar através do aluguer, são obrigados a correr com os inquilinos quando chega a hora dos seus próprios filhos casar. A última casa de onde me mudei foi ocupada pela filha do meu senhorio e o marido, porque a jovem estava de esperanças. Terão que se contentar em constituir família num simples T1.
Voltando ao tempo em que tudo isto começou, recordo-me da febre do investimento no imobiliário, especialmente da habitação de luxo, que registou uma procura maior com a chegada das concessionárias de jogo do estado norte-americano do Nevada. Era um mercado novo, pois dificilmente se podia adquirir um espaço com mais de 200 metros quadrados em Macau, que começaram a aparecer como cogumelos a partir de 2005. Empreendimentos como o One Central, o Ville de Mer e outros foram vendidos ao preço inicial de 10 ou mais milhões, tratando-se de construções recentes, alegadamente de qualidade muito superior ao que existia em Macau. Compreende-se que se venda um apartamento do tamanho de um campo de futebol, com vista para o mar e localizado num condomínio com clube exclusivo, piscina, “court” de ténis e tudo mais. Mas como se explica que os restantes imóveis tenham aumentado vertiginosamente, sendo exactamente os mesmos e ainda por cima cada vez mais velhos?
O que se deu foi um efeito de contágio, sem que nada indicasse essa possibilidade. Enquanto estávamos entretidos a contemplar o Venetian e as outras maravilhas que os americanos nos trouxeram, enquanto percorriamos os “buffets”, fotografávamos as carruagens de plástico e dávamos passeios de gôndola em água da piscina, uma quadrilha de malandrins conspirava e tecia um plano para nos tramar. Subitamente aqueles apartamentos velhinhos e semi-condenados que se compravam por 200 ou 300 mil e ninguém queria passaram a custar dois milhões, os mais ou menos recentes na Taipa e no NAPE que se podiam adquirir por menos de um milhão custavam agora cinco ou seis milhões – há dez anos, por esse mesmo preço, dava quase para comprar uma vivenda na Penha. Mesmo uma fracção no tal Sin Fong custava qualquer coisa como quatro milhões na altura da “bronca”, e não fosse ter acontecido, certamente custaria mais por esta altura. Um simples rectângulo desenhado no pavimento de uma cave qualquer, a que chamam “parque de estacionamento” custa mais de um milhão, pode chegar até dois milhões dependendo da localização. O quê? O que foi? Desculpem mas estava distraído a olhar para o repuxo em frente ao Wynn. Cinco milhões o quê? Alguém ganhou o “mark-six”?
O próprio Executivo tem culpa desta especulação imobiliária, e ao mesmo tempo deste contágio. Quando disponibilizou as tais fracções que chama de "habitação económica", incentivou a aquisição, em vez de lançar no mercado mais habitação, diminuindo o fosso entre a oferta e a procura, e assim desencorajando a continuação do inflacionamento dos preços. Chamar de "económicos" aqueles apartamentos medíocres e ainda pedir por eles um milhão de patacas é convidar os especuladores a subir o preço da habitação decente, e se antes um T2 em condições custava dois milhões, vai passar a custar agora três ou quatro. As recentes declarações do presidente da Associação Geral do Sector Imobiliário Yip Kin Wa, no programa "Fórum Macau", onde disse que "se os jovens não conseguem comprar casa, podem arrendar" são de uma irresponsabilidade atroz. O direito à habitação própria devia ser uma prioridade, e não uma brincadeira de senhores como este que fazem disto o seu jogo de Monopólio privativo, e ainda por cima com a lata de criticar o Governo por "interferir no mercado que devia ser livre". Mais uma vez se confunde "liberdade" com "anarquia", e se o Governo interfere realmente, interfere muito pouco, e este Yip Kin Wa devia estar a brincar, a dar uma de espertalhão, pois é lógico que os nossos governantes estão de mão dada com a rapaziada como ele. São tudo bons rapazes.
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