segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Liberdade, a quanto obrigas


1) Wu Hongfei (na imagem), vocalista da banda de rock chinesa Happy Avenue (nome foleiro), foi detida no início do mês por falso alerta de terrorismo, um crime que é punido com uma pena máxima de cinco anos de prisão. E o que fez Wu? Nada de especial. No dia 21 de Julho à tarde ameaçou explodir um edifício governamental e um comité de bairro em Pequim, depois de na manhã do mesmo dia um cidadão inválido em cadeira de rodas tentou rebentar um engenho explosive de fabrico artesanal no aeroporto da capital chinesa, um dos mais movimentados do mundo, acabando apenas por se ferir a ele próprio. A cantora foi detida dois dias depois, e escapou apenas com uma multa depois de ter convencido as autoridades que se tratava apenas de uma "piada inocente". O incidente reabriu o debate sobre a liberdade de expressão na China, e numa sondagem realizada pela CCTV, 80% dos inquiridos consideraram "injusta" a detenção de Wu. Mas esperem lá, que raio de "liberdade de expressão" é esta, quando depois de um incidente bombista num aeroporto onde circulam milhares de pessoas que só não teve consequências mais graves devido à incompetência do seu autor, insinuam-se mais ataques à bomba em edifícios públicos? Já se sabe que o registo da China em materia de direitos humanos e liberdades individuais é aquilo que se sabe, mas pedir que se tolere a glorificação de actos de terrorismo tão depressa e tão facilmente é pedir um pouco demais. Mesmo nos Estados Unidos, pináculo da democracia e da liberdade por excelência, uma "brincadeira" deste tipo não livraria o seu autor da barra pesada da justiça. Se agora, que as núvens de tempestade sobre o incidente se vão afastando, o Governo vem apelar às celebridades que sejam moderadas nos comentários que dirigem ao seu público, é porque reconhecem a influência de uma emergente corrente de opinião paralela ao partido único, com poder sobre a mentalidade dos mais jovens. Tratou-se de um apelo, não de uma imposição pelo meio da força. Não me resta senão deduzir que entre os 20% que não acharam graça à brincadeira estarão mais dos que temem represálias do regime por não seguir rigorosamente as directivas emanadas pelo Governo central. Tivesse este sido um depoimento politico fundamentado nos princípios da liberdade ou da democracia e até sentiria alguma empatia com Wu Hongfei. Tratando-se de uma parvoíce só lhe desejo as melhoras, e que pense bem antes de abrir a boca ou escrever disparates.

2) O deputado Tsui Wai Kwan criticou de forma veemente os manifestantes que no mês passado realizaram na Colina da Penha um protesto a favor da demissão da Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan. O deputado nomeado pelo Chefe do Executivo na última legislatura diz-se indignado com a forma como se realizou a manifestação, que incluí uma urna funerária em estilo chinês com a fotografia da secretária, e a certa altura os manifestantes prestaram-lhe uma vénia, como é costume nas cerimónias fúnebres locais. Para Tsui Wai Kwan este é o supra-sumo da humilhação, um desrespeito pelos costumes, que só poderá ter partido de gente com "problemas mentais", ou com "um mau coração". O deputado deixa ainda o aviso: a população tem tido paciência com estes tipos, mas um dia fica farta e baixa-lhes as calças e dá-lhes uns açoites, bem ao velho estilo da Revolução Cultural. É interessante que Tsui fale em nome da população descontente, logo ele que nunca se submeteu ao voto popular para se sentar na cadeira do orgão legislativo máximo da RAEM, bastando-lhe pertencer aos quadros administrativos da Associação Comercial de Macau e outras associações com fins lucrativos onde convive de perto com outros amigalhaços seus cheios de nota, alguns deles igualmente deputados no hemiciclo por via de becos e travessas. Mesmo assim julga-se no direito de falar pelo eleitorado que nas urnas elegeu alguns dos patifes com que agora se indigna. Não posso concordar com a forma que os manifestantes encontraram para protestar contra Florinda Chan, mas o aparato funerário tem uma razão de ser. A alegoria é uma referência ao caso das campas que envolveu o nome do nº2 do Governo e nada mais. Não se trata de um insulto aos mortos ou uma insinuação maldosa no sentido de que desejam a morte da secretária. Tem sido comum entre os críticos dos pró-democratas fazer uma análise simplista das suas acções de rua, convidando os mais desatentos a juntar-se ao apedrejamento desses malvados que não estão satisfeitos com a generosidade do nosso Executivo. O que fico sem perceber bem é a ligação que Tsui Wai Kwan faz entre a formação académica e o modo como se conduzem os protestos. Portanto, estes manifestantes deviam comportar-se bem porque são "intelectuais, indivíduos com formação superior e docentes"? Isto significa que apenas aos não-licenciados está reservado o direito de se comportarem como animais? Ele deve saber do que fala, pois apesar de cumprir o seu terceiro mandato consecutivo, Tsui tem apenas o ensino secundário completo.

3) Continua a entifada entre os anteneiros e a TV Cabo, com a população insatisfeita com o resultado do acordo assinado entre ambos. A partir deste mês alguns dos canais que eram até agora emitidos em sinal aberto vão ficar apenas ao acesso dos assinantes da TV Cabo, o que deixa de fora a maior parte da população que até agora assistia de graça a uma programação mais vasta. Ontem de manhã, no programa Fórum Macau da TDM, foram muitas as vozes críticas contra a estação de televisão por cabo, acusada de conluio com o Governo. Um representante da companhia visada defendeu-se dizendo que as concessões feitas a favor dos anteneiros causaram-lhes prejuízos. Em Macau a definição de "perder dinheiro" mistura-se com o conceito de "ganhar menos dinheiro". Quem perde uma nota de mil fica mil patacas mais pobre, quem recebe mil patacas em vez de duas mil, "perde dinheiro". Parte-me o coração, tanta generosidade da TV Cabo, quando se recusa a açambarcar a totalidade dos canais que se recebiam sem pagar. Com esta guerra sem quartel, ameaças e chantagens, quem perde é a população, que precisa do seu ópio televisivo ao serão para que se mantenha a tão apregoada "harmonia". Esta trapalhada que o Governo resolveu da forma menos desastrosa possível leva-me a questionar os valores da democracia. Que os deuses me perdoem ao fazer esta associação, mas tivesse isto acontecido na China, e os arautos do cumprimento dos acordos estabelecidos sabe-se lá em nome dos interesses de quem, fugiam com o rabinho entre as pernas.

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