"Sabe que música ouvem os seus filhos?". Esta era uma pergunta que fazia todo o sentido há alguns anos, mas com o aparecimento dos Justin Bieber, Shawn Bradley ou Chris Brown desta vida, a música deixou de ser uma ameaça. A não ser que se considere "pieguice" uma ameaça a ter em conta. Tempos houve em que a mensagem das letras constituía perigo para as mentes mais inocentes e imaturas da malta jovem, mas nos tempos que correm a instrumentação minimal repetitiva e as coreografias deixaram para segundo plano a mensagem da canção, que neste caso é nenhuma. E que sentido faria acompanhar os actuais êxitos dos tops com uma letra inteligível? Para aprender já temos a escola. Mas a História recente da música produziu exemplos que só por si se tornaram numa "escola", mas nem sempre com resultados positivos. Desde que apareceu, a música "rock" foi considerada por muitos como "a música do Diabo", talvez pelo seu carácter revolucionário e a rebeldia intrínseca da novidade que provocou o maior conflito de gerações de que há memória. Os roqueiros eram censurados pelos mais conservadores e defensores da moral e dos bons costumes, com destaque para a Igreja, que talvez pretendesse um mundo a cantar em coro uníssono as suas loas ao criador. Desde que há "rock" que há confusão na interpretação da mensagem que muitos músicos tentam passa. Se há alguns com culpas no cartório, outros há que foram apanhados no meio de um mal-entendido, muitas vezes com consequências trágicas.
Já aqui falei do "punk" ou de outros géneros que tentavam passar uma mensagem política, mas outros grupos abordavam temas mais mundanos, ou em alguns casos "de outro mundo". Levando à letra a associação do "rock" com Satanás, muitas bandas que produziam música mais pesada aproveitaram para levar isto literalmente, colhendo proveitos onde já existia a fama. A começar pelos nomes das bandas: existiam os Megadeth, os Slayer, os Manowar ou até mesmo os mais conhecidos Iron Maiden, que faziam acompanhar o nome com uma imagem e uma temática que sugeria morte, violência e a danação dos infernos. Outros grupos optavam por siglas mais difusas, mais apelativas à imaginação dos fãs e críticos. Os norte-americanos WASP (inglês para "vespa", o insecto), mas foi interpretada por alguns como um acrónimo para "We Are Satanic Priests" (nós somos padres satânicos), ou "We Are Sexual Perverts" (nós somos tarados sexuais). Os KISS, banda conhecida pela maquilhagem bizarra que os seus elementos ostentaram durante boa parte da sua carreira, tiveram o seu nome, que significa "beijo", interpretado por muitos como acrónico para "Knights In Satan's Service" - Cavaleiros ao serviço de Satanás. Era tudo uma questão de interpretação, e fazia parte do "show".
Um grupo que teve uma relação interessante com o demónio, pelo menos na primeira fase da sua carreira, foram os australianos AC/DC. O nome sugere aos electricistas a abreviatura em inglês de "correnta alterna/corrente directa", e de facto alguns dos primeiros discos da banda foram "High Voltage" (alta voltagem) ou "Powerage" (potência eléctrica). Os mais imaginativos liam em AC/DC coisas como "Anti-Christ/Devil Comes" (anti-cristo/vinda do diabo), e para complicar ainda mais as coisas, o grupo tinha no seu reportório temas como "Hell Ain't a Bad Place to Be" (o inferno não é assim tão mau) ou ainda "Highway to Hell" (auto-estrada para o inferno), que deu também nome a um album, onde na capa aparecia o guitarrista Angus Young ostentando um par de chifres e uma cauda de capeta. Young, a grande referência da banda, ficou conhecido pelas suas actuações enérgicas, dando por vezes a entender que estaria possesso pelo espírito do mal. As letras da autoria de Bon Scott, vocalista do grupo que viria a falecer em 1979, abordavam por vezes temáticas como a morte, o consumo de drogas ou a oferta da alma imortal ao Diabo, em troca pelo sucesso como estrela do "rock'n'roll".
Mas não poderia deixar de mencionar os pioneiros do satanismo no "rock": os Black Sabbath. A banda que Ozzy Osbourne, Toni Yommi e Geezard Butler fundou ainda nos anos 60 dava a entender uma adoração assumida por Satanás, quer pelas músicas quer pelos adereços e a forma como Ozzy passava a mensagem do grupo, capaz de provocar pesadelos aos espíritos mais sensíveis. A banda negou sempre esta associação com o oculto, mas Ozzy não se livraria dos problemas que a imagem de anti-Cristo que insistiu em manter na sua carreira a solo lhe provocariam. Em meados dos anos 80 o reverendo Bob Larson, uma figura de proa do tele-evangelismo, executou ao vivo um exorcismo a um jovem que estaria alegadamente "possuído" por Satanás, e que teria sido ocupado pelo espírito do demónio através da música de Ozzy Osbourne. A polémica foi benéfica para o cantor, que atingiu um nível de popularidade nunca visto no género musical onde se incluía. E de facto é mesmo assim. Estamos aqui a falar de pessoas, e não de bruxos. Quanto mais polémica mais discos vendidos, e eles agradecem a simpatia...com o demónio.
Ainda na temática do satanismo e do oculto, há grupos que no passado foram acusados de mandar aos seus fãs mensagens subliminares nas suas canções. Este conceito de "mensagem subliminar" teve início com os Beatles, e com um rumor que dava conta da morte de Paul McCartney, que seria substituído por um sósia sem que os seus fãs se apercebessem. As "pistas" estavam em alguns dos álbums da banda de Liverpool, e na maior parte dos casos eram apenas audíveis tocando o disco...ao contrário. Agora, quem vai escutar um disco ao contrário? Muito boa gente, pelos vistos, e depois dos Beatles as "vítimas" mais celebres foram os Led Zeppelin e o seu tema mais conhecido, "Stairway to Heaven", que tocada de trás para a frente a certo ponto permite escutar uma mensagem satânica. Vendo bem, qualquer disco tocado de trás para frente emite sons que se podem associar ao culto satânico, o que não faz muito sentido. O cantor humorista Weird Al Yankovic incluíu num dos seus álbuns uma faixa que quando tocada ao contrário era possível ouvir "uau, não tens mesmo mais nada que fazer". Bem mandada, Weird Al.
E se o satanismo e as mensagens subliminares são motivos de sobra para deixar qualquer pai mais preocupado, que tal os apelos ao suicídio? Nenhum grupo ou cantor terá apelado de forma directa a que alguém cometesse suicídio, mas há casos que entraram para a História. O mais famoso tem a ver com o grupo de "heavy-metal" Judas Priest, que em 1990 foi a tribunal acusado de responsabilidade pelo suicídio de dois jovens cinco anos antes. Em causa estava o tema "Better By You, Better Than Me", onde se fala menciona o suicídio e se ouve alegadamente uma mensagem subliminar (aí está...) dizendo "do it, do it". O disco "Stained Class", que incluía a faixa em questão, foi encontrado no equipamento sonoro dos jovens em questão, que se mataram com um tiro na cabeça cada, depois de uma noite que passaram a fumar marijuana e a beber cerveja. Estes pais preocuparam-se mais em culpar a banda do que a sua própria atitude negligente. Mais uma vez: as bandas não estão a cantar para vocês em particular, meninos. Ninguém vos está a mandar fazer nada, e está tudo nas vossas cabecinhas. Mais específicos foram os Manic Street Preachers, que alguns anos depois lançaram o tema "Suicide is Painless", ou "o suicídio é indolor". Ninguém se suicidou por causa da canção, e curiosamente o seu intérprete, Richey Edwards, viria a desaparecer em Fevereiro de 1995 sem deixar rasto, deixando o seu carro junto à ponte de Severn, em Bristol, Inglaterra, local preferencial de muitos suicidas. Irónico, no mínimo.
Finalmente a glorificação do consumo de estupefacientes, um mal a que a esmagadora maioria das bandas está associado. Os Guns'n'Roses, grupo norte-americano de "hard rock" muito popular em finais dos anos 80 e inícios de 90, abordava de forma assumida esta temática. Antes deles tivemos exemplos mais ou menos discretos. Os Rolling Stones tinham o tema "Brown Sugar", uma referência à heroína, e como exemplo mais obscuro temos o tema "Goldenbrown", dos Stranglers, entendido também como uma referência à rainha das drogas. Mais ousados foram os Velvet Underground, do irreverente Lou Reed, que escreveu o hino oficial da droga que tantas vidas destrói, "Heroine". Conheço magotes de gente que adora esta canção e nunca consumiu heroína, incluíndo eu próprio. Ainda falando de heroína, um exemplo nacional. Ainda no início da sua carreira, os Xutos & Pontapés gravaram o lindíssimo "Medo", um dos seus melhores temas. Aquando da última passage por Macau, perguntei ao vocalista Tim porque nunca o incluíam nos seus concertos. Explicou-me então de que o tema tinha ficado associado à morte por "overdose" de um jovem casal no Algarve no início dos anos 80, e evitavam provocar reacções negativas por parte dos fãs. Aceito a desculpa, mas não posso concordar. A culpa foi de todos menos dos Xutos e do seu "Medo".
De facto é assim. Há pessoas mais sensíveis que são capazes de tirar segundas e terceiras leituras de um pouco de tudo, e a música não é excepção. Se esta "tempestade" que se atravessou durante a era de ouro do "rock'n'roll" está agora dissipada pelas tendências mais comerciais e por isso mais inofensivas, haverá pelo menos alguém com problemas de vária ordem que vai entender tudo errado, e continuar a tocar os discos ao contrário, procurando as mensagens subliminares que não estão lá. Espero que tenham gostado desta viagem pelo mundo da música em dez capítulos, e já agora gostava de sublinhar que todas as opiniões expressas são as minhas, e nunca me passou pela cabeça escrever uma espécie de "dez mandamentos". Obrigado pelo vosso tempo, escutem sempre boa música, e nunca vos deixem dizer que o vosso gosto é mau, ultrapassado ou "foleiro". Mandem-nos antes à fava, com o dedo do meio bem esticado para que eles entendam bem intenção. Bem ao jeito do "rock'n'roll".
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