Já aqui falei da música pimba!, um fenómeno relativamente recente que derivou da já existente Música Popular Portuguesa (MPP). Mas o que dizer da música portuguesa em geral? O que se faz de bom em Portugal? Vale a pena investir na produção nacional? Sim, claro, tal como em praticamente todos os países do mundo civilizado, em Portugal faz-se boa música, mesmo que em alguns casos apenas para consumo doméstico. Qualquer país onde exista um vasto reportório onde se dá privilégio à língua oficial, há música que fica mais fácil de digerir aos nativos, e pouco ou nada diz aos estrangeiros que a escutem. A julgar pelas prestações de Portugal no Festival da Eurovisão, por exemplo, pode-se dizer que a música portuguesa é mais adequada ao ouvido lusitano. Mas isso não significa necessariamente que a nossa música não tem qualidade, e há nobres excepções à regra de que apenas os portugueses a apreciam. Senão vejamos.
Em Portugal o fado é o único género genuinamente nacional de que nos podemos orgulhar. Incluír corridinhos, bailinhos, chulas e outras que tais só nos pode causar embaraços, e fazer-nos parecer um povo atrasado e analfabeto aos olhos do mundo. Todos os países terão a sua dose de variantes musicais derivadas da raíz popular, mas não a tentam exportar da mesma forma que fazemos com o nosso fado. O fado foi praticamente a única coisa que se ouvia durante a primeira metade do século XX no nosso país. Os primeiros registos fonográficos em Portugal foram da autoria de fadistas, e a única alternativa era a música erudita: clássica, opera e operetas, música de câmara, etc, etc. A idade do ouro do cinema português lançou as primeiras sementes do que viria a ser a música ligeira portuguesa, mas foi preciso esperar mais alguns anos até que chegasse um som mais moderno que fosse partilhado pela generalidade, e que se libertasse por completo da influência do fado.
Foi nos finais dos anos 50 que surgiu o nacional-cançonetismo, e na década seguinte a moda levava ao aparecimento das primeiras estrelas propriamente ditas, os primeiros ídolos musicais. António Calvário, Simone de Oliveira, Madalena Iglesias ou Artur Garcia eram os mais requisitados entre os caçadores de autógrafos. Destes apenas Artur Garcia não ganhou o Festival da Canção, considerado nesse tempo o maior evento do ano em termos musicais. O final dos anos 60 e início dos anos 70 assistiram ao aparecimento de uma nova geração do género, com Carlos Mendes, Paulo de carvalho e Fernando Tordo. Paralelamente ao sucesso do nacional-cançonetismo permanecia o reinado do fado, com Amália Rodrigues à cabeça. Enquanto no estrangeiro se vibrava com o rock'n'roll, que chegou a Portugal muito mais tarde, o Estado Novo mantinha o povo distraído com uma sonoridade e poesia mais inofensivas. Na clendestinidade estavam os baladeiros e os músicos de intervenção com inspiração na "chanson française", como Zeca Afonso, Manuel Freire e outros, mas as suas pretensões eram negadas pela implacável censura, e muitos foram obrigados a um exílio no estrangeiro, como alternativa à prisão.
Com a Revolução dos Cravos deu-se também a revolução no que se fazia em termos de música em Portugal. Se foi para melhor ou para pior, é discutível, mas os primeiros anos após a queda do Estado Novo ficaram marcados pelo sempre indesejável extremismo. Entre finais de 1974 e até 1976 não era permitida qualquer temática musical que não tivesse ligações à revolução e à luta de classes. Foi neste período que se consagraram nomes como José Mário Branco, Sérgio Godinho, Fausto, Vitorino ou Luís Cilia, entre outros. Zeca Afonso, que à custa de muitas privações se havia mantido fiel aos seus princípios de esquerda, era a referência para todos os novos músicos em ascensão. As antigas referências do nacional-cançonetismo foram obrigadas a adaptar-se à nova realidade sob risco de serem saneados, e como não sabiam fazer mais nada que não fosse cantar, aderiram com gosto à nova ordem. A excepção terá sido Amália, que tida como símbolo do antigo regime, e foi mesmo obrigada a seguir o mesmo caminho anteriormente seguido pelos que agora triunfavam: o exílio.
Foi preciso esperar até aos anos 80 para assistir ao "boom" do rock português, e foi em 1980 que um tal Rui Veloso lançava o album "Ar de Rock", com um sucesso tal que lhe viria a valer o epíteto de "pai do rock português". Rui Veloso não foi nem de perto nem de longe o reprecussor do género no nosso pais. Nos anos 60 tinhamos os Green Windows e os Sheiks a fazer "rock" em ingles, enquanto os Quarteto 1111 de José Cid foram os verdadeiros pioneiros do género na língua de Camões. Em 1976 um jovem músico chamado Jorge Palma, então com 25 anos, lançava o album "'Té já", o primeiro disco de rock'n'roll a sério feito em Portugal. O que levou Rui Veloso ao pedestal onde ainda hoje permanece foi o que aconteceu depois de "Ar de Rock", que inspirou um sem número de bandas que apareceram de seguida. Destas todas mantêm-se no activo os Xutos & Pontapés, os GNR e os UHF, que vão carregando a tocha acesa por Rui Veloso há mais de 30 anos.
A partir do arranque do "rock", a música portuguesa perdeu a sua inocência e foi-se aproximando cada vez mais dos padrões internacionais, se bem que ainda luta com algum atraso próprio de quem saíu da grelha de partida atrás da restante concorrência. Passada a fibre do "rock" começaram a surgir outros actos mais próximos da raíz musical de origem, e alguns tornaram-se mesmo em grandes atracções internacionais. São exemplo disso os Madredeus, que chegaram a ser uma referência no panorama da chamada "world music", a fadista Mariza, que deu uma nova estética ao género, e que em termos de popularidade é comparada com Amália, e até os Moonspell, que no exclusivo universo do "death metal" é uma banda de respeito tanto em Portugal como além-fronteiras. O percurso foi longo e sinuoso, mas em todas as etapas desta longa jornada há exemplos do melhor que se faz em matéria de música portuguesa.
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