sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Chá das cinco...com cheirinho


Uma notícia na última página do JTM de hoje despertou-me a curiosidade. Um tribunal de Oliveira de Azeméis deu razão a um funcionário de uma empresa de recolha de lixo, que havia sido despedido por se apresentar ao trabalho em estado de embriaguez. O despacho favorável ao lixeiro infractor é no mínimo curioso. O juíz daquela comarca portuguesa sugere que o consumo de álcool por parte do trabalhador poderá trazer benefícios no desempenho da sua profissão, que neste caso não é "nada agradável", citando o magistrado. De facto não é com um sorriso nos lábios que os homens do lixo enfrentam o cheiro nauseabundo emanado pela porcaria dos outros, e quem sabe se um copinho a mais pode ajudar a encarar a tarefa com um pouco mais de alegria. Mesmo que no caso em questão a "alegria" corresponda a 2,3 gramas de álcool por litro de sangue, mas se um ou dois copinhos ajudam, nove ou dez dão uma ajuda ainda maior. O acórdão deixou ainda claro que "não existe uma lei que proíba consumir bebidas alcoólicas durante o horário de trabalho". Pode ser, mas esta é uma questão que está longe de reunir consenso.

De facto não há nada que em rigor impeça um trabalhador de consumir álcool antes ou durante a jornada diária de trabalho, ou parte dela. No entanto esta é uma prática cuja aceitação depende de uma série diversa de factores, desde a quantidade consumida e em que circunstâncias, a tolerância do indivíduo, a natureza do trabalho, bem como a sua localização, e as próprias regras de conduta estabelecidas. Pode ser permitido perante a lei, mas nada impede que em alguns casos as normas o condenem, e que cheguem mesmo a existir penalidades para quem as infrinja. Se não existe legislação que proíba alguém de beber quando bem lhe apetecer, também não há nada que impeça uma entidade laboral que exija aos seus assalariados a abstinência como condição "sine qua non".

Se beber durante o horário de trabalho não é proibido, pode ser pelo menos inadequado, ou pouco ético. Em alguns casos pode ser perigoso, como é o caso de profissões que requeiram operar maquinaria pesada, veículos, materiais perigosos, ou em que seja necessária minúcia e precisão que possa ser decisiva na segurança de terceiros. Estas situações exijem tolerância zero, e se consumir álcool é permitido, não deveria ser. Mesmo que não se recomende ou seja desencorajado o seu consumo de um modo geral, há lugar a algumas excepções graciosas. Uma empresa que festeje o sucesso de um projecto pode fazê-lo com champanhe, e numa comemoração especial (festa de Natal, aniversário da companhia,despedida de um colega, etc.) realizada fora do horário de trabalho seria demasiado rígido não permitir uns copos de vinho, umas cervejinhas ou uns digestivos. Afinal festa é festa.

Dependendo da tolerância à bebida, não é censurável acompanhar uma refeição mais temperada com uma bebida alcoólica que a ajude a "fazer descer". A este respeito tenho uma história engraçada que se passou comigo. Um dia fui almoçar à Caravela com três colegas chineses, que há muito queriam provar a famosa "Francesinha", esse mais que nutritivo prato da nossa gastronomia. Quando chegou a hora de escolher as bebidas, optei por uma cerveja nacional, tamanho media, o que de imediato causou o espanto de uma colega que me acompanhava: "Você vai beber mesmo tendo ainda que ir trabalhar à tarde???", vociferou a angélica menina com os olhos abertos, em choque perante a minha opção, que a seu entender seria completamente proibitiva, e que da minha parte demosntrava tanto de irresponsabilidade como de indisciplina. De facto para quem raramente ou nunca bebe, os consumidores regulares de bebidas alcoólicas são "bêbados", seja em que circunstâncias for. É um pouco como acontece com os consumidores das ditas drogas leves: para quem nunca provou droga nenhuma, são uns "drogados", coitados.

Esta é uma discussão difícil de produzir um meio-termo, ou sequer uma conclusão que agrade a todas as perspectivas. Há quem considere incorrecto beber durante o trabalho, e não há desculpas que o justifiquem, há quem seja menos inflexível e considere uma ou outra excepção, e há ainda quem pense que cada um sabe de si, desde que não chateie ou ande por aí a vomitar em cima dele. As opiniões são diversas, as respostas variam conforme as circunstâncias ou as ocasiões, e muitas das vezes as posições extremam-se. Será que álcool e trabalho combinam? Bebida e profissionalismo podem andar de mãos dadas? Existem horas para trabalhar e horas para beber? E o que penso eu de tudo isto?

Primeiro considero que se há uma razão para que foram inventados os fins-de-semana, feriados, férias e outras folgas foi para podermos fazer o que muito bem nos apetece sem precisar de dar satisfações. Durante o tempo destinado ao trabalho, deve-se optar pela correcção e pela neutralidade, e ninguém é obrigado a partilhar dos hábitos particulares do outro. Beber é um pouco como as restantes actividades que se inserem na esfera do particular. Há quem goste de "jogging", há quem prefira ficar em casa a jogar "videogames" ou a ver pornografia, e há quem opte por afogar as mágoas na bebida. São tudo escolhas perfeitamente aceitáveis, mas não é para isso que nos pagam. Quem não aguenta esperar até cumprir com os deveres profissionais, o que normalmente apenas são oito ou nove horas, até começar a beber, poderá estar a braços com um problema. E depois é preciso respeitar o espaço dos outros, e se nesse espaço não cabe o álcool, que assim seja. E quem tolera o bafo a "whiskey" ou as parvoíces de um colega que bebeu uns copos a mais ao almoço?

Pode ser que discordem, ou que tenham alguns reparos a fazer à minha posição, mas é aqui que me situo. E quanto ao tribunal de Oliveira de Azeméis que produziu aquela decisão judicial...bem...talvez tenham deliberado após um momento de fraqueza, e sentiram-se solidárias como o "colega" do carro do lixo.

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