Comprei um teclado novo para PC na loja aqui perto de casa, mas viria a revelar-se defeituoso. Voltei lá hoje para trocar, e fui a pé daqui de casa (afinal era só um teclado), e pelo caminho encontrei dois outros cidadãos que voltavam da loja com PCs no braço, sôfregos, como se estivessem a levar um barril cheio de água. E um deles já não era nada jovem.
Quando observo cenas deste tipo, penso sempre: “Se pudesse levantar o meu avô da cova, o que diria ele do mundo onde vivemos?”. Se eu pudesse viajar no tempo, como aquela senhora que apareceu a falar no telemóvel em 1928, e fosse até, digamos, 1984, e contasse o que se passa agora em 2010, iam pensar que eu era louco e que a seguir ia dizer que Deus me enviou à Terra.
A nossa dependência da tecnologia é tão grande que às vezes quando fazemos contas a quantas horas por dia usamos um computador, ficamos assustados (a sério, o melhor é não fazer essa conta). Eu que o diga, que para mim dois ou três dias sem computador causam-me sintomas semelhantes aos da desabituação do ópio.
Mesmo assim o computador, nomeadamente a internet (duas coisas que se confundem) é sempre menos estupidificante que a TV, instrumento “educativo” por excelência da minha geração. A internet dá-nos a possibilidade de educar os nossos filhos “à distância”.
Quando a minha filha me pergunta “o que é um ornitorrinco”, nem preciso de abrir a boca, basta procurar um no Yahoo! Images. O meu avô ia precisar de buscar uma enciclopédia, ou livro de zoologia, ou ir à Austrália capturar um ornitorrinco. Digam lá se a vida não é uma beleza hoje?
A verdade é que quando era puto e ouvia falar em “computadores”, nunca pensei que um dia ia ter “um computador”, quanto mais três ou quatro, e olha para mim agora. O meu avô ia ficar muito impressionado.
Uma coisa de que já não gosto assim tanto é a dependência do telemóvel. Eu próprio só tenho telemóvel porque fui obrigado a tal, mas tento limitar o uso ao mínimo indispensável. Não falo na rua, não falo quando conduzo, e respondo às mensagens só quando estou parado e sentado.
No emprego deixo sempre o telemóvel em “silent mode”, e verifico as chamadas de hora em hora. Como passo muito tempo em reuniões, não quero incomodar ninguém, mas atender os telemóveis durante as reuniões, conferências, no cinema ou na sala de espera das urgências deixou de ser “deselegante”.
Algumas pessoas falam baixinho, outros não se importam de deixar toda a gente ouvir a conversa. Curiosamente neste aspecto as mulheres não são piores que os homens (elas que me desculpem a indelicadeza). Não sei o que há de tão importante para se dizer no telemóvel que não possa esperar dois minutos.
As pessoas tornaram-se zombies, a mandar SMS no meio da rua sem olhar por onde andam, a coçarem-se como macacos para usar o “hands-free” no automóvel, tudo tristes e lamentáveis figuras. Deve ser a tal retrocesso na evolução de que tanto se fala, e daqui a milhares de gerações as criancinhas vão nascer todas a falar no iPhone e semelhantes.
Não vou falar aqui do exemplo de Portugal onde algumas pessoas “não têm dinheiro para comer”, mas “têm dinheiro para mudar de telemóvel de três em três meses”. Não surpreende que em qualquer época de crise as companhias de telecomunicações e afins tenham sempre lucros criminosos. Aqui em Macau a malta muda de aparelho quando bem lhe apetece, e se amanhã aparecer a nova versão do iPhone, mandem vir que eles compram.
Mas será que ninguém se lembra dos tempos em que não existiam telemóveis? Não foi assim há tanto tempo, e as pessoas viviam normalmente. Os Beatles ou Elvis Presley nunca escreveram canções sobre telemóveis. Não existiam empresas que obrigavam os seus funcionários a atender o telemóvel.
Os telemóveis começaram a aparecer nos filmes americanos (tal como os “car phones”, coisa que não deu muito resultado), e pensávamos nós que era mais uma americanice maluca. Se o meu avô visse alguém a falar no “hands free” ia pensar que estava a falar sozinho. E com razão. Quem me diz que não estão? Já cheguei a fingir estar a falar no telemóvel para evitar conversa com certas pessoas.
O meu avô não ia gostar dos teclados, demasiado pequenos para as suas mãos ásperas e dedos cabeçudos. E outra vez com razão, discar os números tem muito mais piada. Quando era puto, alguns dos meus amigos ainda não tinham telefone. Quando vinham à minha casa, ficavam fascinados, discavam números, pareciam umas crianças (e eram...). Hoje chegámos à era da activação pela voz, como viamos nos filmes de ficção científica.
“Ah pois é, Leocardo, mas e se há uma emergência? O telemóvel dá muito jeito”, diria agora o leitor mais abananado com a minha vendeta contra a tecnologia. É assim: há vinte ou trinta anos também haviam emergências, e não morria assim tanta gente – ou pelo menos mais que hoje. Mas se se esqueceu desse número, permita-me que lhe refreshe a memória: 999 se estiver em Macau, 112 se estiver em Portugal, e no Brasil tem o 190 para a polícia, o 192 para as urgências médicas e o 193 para os incêndios. Muito simples.
13 comentários:
Completamente de acordo. O telemóvel tornou-se uma das coisas mais estupidificantes dos dias de hoje.
A semana passada tiva quase uma semana sem internet,porque avariou-se,devia ser do mau tempo que se fez sentir em Portugal.E por mais estranho que parece,sinta-me óptimo,bastante aliviado e calmo sem internet durante a semana toda.
no outro dia fiz cocó ao telemóvel e com o laptop
Se não estiveres perto de um telefone fixo, ligas para os número de emergência de onde????
Vais à cabine, queres ver?
É muita burro e aposto que para quem se gaba de ter 3 ou 4 computadores, tens também o Ipad e o Iphone comprados no dia de estreia.
"Se não estiveres perto de um telefone fixo, ligas para os número de emergência de onde????"
Ai meu Deus, que se não tiver o telemóvel à mão o bebé morre.
Sim, e além das cabines há outros telefones públicos que podem ser utilizados, e além disso estes números de emergência são completamente gratuitos. Se não tiver nenhum telefone à mão é porque se calhar está no meio do deserto (ou do oceano), e aí telefonar do portátil também não adianta muito.
E não, não tenho iPhone. V. Exa. é que deve ser daqueles que volta para trás quando se esquece da cabeça, perdão, do telemóvel em casa.
Cumprimentos
Como é que esta gente conseguiu sobreviver tantos anos sem telemóvel?
Como é que esta gente conseguiu sobreviver tantos anos sem internet?
Eu tenho telemóvel e Internet. Mas é como comparar o cu com as calças, ó anónimo das 18:50. Graças à Internet estou 50 vezes mais informado agora do que há 20 anos. Quanto ao telemóvel, estou exactamente como há 20 anos, nem mais esperto nem mais burro. Mas se me tivesse viciado no dito, era bem capaz de estar mais burro.
Então quando não existia internet como que as pessoas estavam informadas?Não viam televisão?Não liam jornais nem livros?Não ouviam rádio?Internet é muito bom para sabermos notícias de outros países ou então comunicar com pessoas de outros países atráves do email ou messenger etc.Para sabermos notícias do país onde vivemos não precisamos da internet.
Mas é graças a ela que podemos dizer que vivemos num mundo global. Eu não quero saber só notícias do sítio onde vivo. Para mim, isso seria muito redutor.
Se não existisse Internet não estaríamos todos aqui no blog do Leocardo.Palmas para a internet.Hoje em dia até os velhinhos não enviam cartas,enviam emails.Eu por exemplo que vivo em Portugal vejo todos dias notícias de Macau na internet e pasme-se,até oiço a rádio ou mun tin toi(rádio Macau ) em...chinês em Portugal,graças a Internet.
Isso dos numeros de emergencia só prova que os chineses são mais inteligentes que os portugueses e brasileiros,senão vejamos:Na china quando alguém está lixado liga para o 999 ou seja o dedo marca sempre o mesmo número,999,e é para tudo,enquanto que em portugal é liga-se para o 112 e no brasil ui ainda é pior,tantos números para várias situações,até 1 gajo lembrar do número que deve ligar já desmaiou ou morreu :))
Em Portugal ainda é pior: era o 115 e depois mudou para o 112. Em Portugal muda-se sempre tudo, até o número de emergência, que é para aumentar a confusão. É o que acontece em terra de gente que nunca está bem com nada.
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