Não é todos os dias que nos damos ao luxo de ver em primeira mão, ao vivo e a cores uma estrela nascer. Futebolisticamente falando, os mais velhos - e muitos que já cá não estão, onde se inclui o meu saudoso pai - viram o despontar de Eusébio, o "pantera negra", para mim um dos melhores avançados de sempre, com lugar em qualquer 11 ideal da história do futebol, ou pelo menos nos 16, sendo sempre primeira opção entre os que ficariam no banco. Depois tivemos Paulo Futre, um génio irreverente que pagou essa mesma irreverência com uma lesão no joelho que o afastou prematuramente, e que das escolas do Sporting passou ainda pelo FC Porto, onde conheceu a glória de um título europeu, e depois de vários como figura de proa de um atribulado Atletico de Madrid, ainda teve uma breve passagem pelo Benfica, onde conquistou uma Taça de Portugal, antes da transferência para Itália onde uma lesão grave colocou fim à sua carreira. Luís Figo, que os adeptos sportinguistas acarinharam na sua juventude, viria a encantar em pólos opostos do futebol espanhol, com passagens pelo Barcelona e pelo Real Madrid, onde adquiriu em ambos o estatuto de estrela maior das constelações catalã e merengue, sendo que por estes últimos conquistou a Bola de Ouro em 2001, prémio para melhor jogador do mundo. Depois Cristiano Ronaldo, que deixando aos 19 anos o Sporting que o fez nascer para o futebol, conquistou a Inglaterra com a camisola do Manchester United, e a Espanha com as cores do Real Madrid, angariando títulos que seria por demais exaustivo estar aqui a mencionar.
Mas e estrangeiros? Será que nos podemos orgulhar de ser um ninho para estrelas internacionais do calibre de um Diego Maradona, de um Lionel Messi ou de um Neymar? Agora sim: o melhor jogador deste mundial do Brasil ganhou em Portugal maturidade para o futebol. O seu nome é James David Rodríguez Rubio, tem 22 anos, e entre os 18 e os 21 vestiu a camisola do FC Porto, com a qual venceu três campeonatos nacionais, uma Taça de Portugal e uma Liga Europa. Nas primeiras duas épocas este jovem astro colombiano, actualmente melhor marcador do mundial do Brasil, contou com a companhia do seu compatriota Radamel Falcao na frente de ataque dos Dragões, e depois da saída deste para o Atletico Madrid fez dupla com Jackson Martínez, também ele colombiano. Apesar do seu papel de municiador, James Rodríguez marcou com a camisola do FC Porto 32 golos em 105 jogos, somando a esse desempenho 21 assistências para golo. No final da época de 2012/2013, quando a sua qualidade estava acima de qualquer dúvida, foi vendido aos milionários franceses do AS Monaco por 45 milhões de euros, tornando-se a segunda maior transferência do futebol português, depois da venda do brasileiro Hulk para os russos do Zenit S. Petersburgo, que tinha saído um ano antes por 60 milhões de euros. Com ele sairia também o médio João Moutinho, que não se tendo afirmado nos monegascos, era pedra-chave do meio-campo azul e branco/ Componente financeira à parte, o que seria se o FC Porto pudesse contar ainda com Rodríguez, Hulk, Falcão e Moutinho no seu plantel?
Mas voltando a James Rodríguez. O pequeno génio nasceu a 12 de Julho de 1991 na cidade de Ibagué, capital do departamento de Tolima, um dos 32 que compõe a República da Colômbia, localizada no meio da região dos Andes. Filho de Wilson James Rodriguez Bedolla e Maria Del Pilar Rubio, começou a dar os primeiros toques na bola no Envigado Fútbol Club, da cidade vizinha de Ibagué onde os seus pais residiam, e chegou a profissional ainda com 15 anos, tendo feito parte da equipa que ascendeu à primeira liga colombiana em 2006/2007. Na época seguinte apontou 9 golos em 30 jogos, o que despertou o interesse dos argentinos do Club Atletico Banfield, onde ficaria durante ano e meio, entre 2008 e 2010. Pelo Banfield marcou no torneio de Apertura em 2009, e aos 17 anos tornava-se no jogador estrangeiro mais jovem a apontar um golo no campeonato argentino, . E esse foi apenas um de cinco com que contribuía para o título da sua equipa, o primeiro de sempre na Argentina, e na Copa Libertadores do ano seguinte dava nas vistas, nomeadamente numa vitória robusta no Equador frente ao Deportivo Cuenca por 4-1, onde marcaria também um golo. Pretendido em Itália pela Udinese, a oferta de 5 milhões de euros pelo emblema italiano foi considerada "curta", e por apenas mais cem mil euros (golpe de génio, diga-se de passagem), James vai no Verão de 2010 para a invicta.
A notícia que dava conta da transferência de James para o FC Porto foi dada desta forma pelo Hoje Macau na sua edição de 29 de Junho de 2010, onde a malta lampiã do maior jornal em língua portuguesa de Macau aproveita para lançar umas farpas ao rival, pois aparentemente o Benfica estava também na corrida pela jovem promessa colombiana - invejosos, é que eles são. Na altura acusei o "lapso" que de inocente nada teve referindo-me ao astro nestes moldes: "vale a pena insultar os leitores adeptos do FC Porto por causa da eventual contratação de um adolescente colombiano que ninguém conhece?". Pois se ninguém conhecia então, hoje todos conhecem muito bem, e razão tinham os encornados jornalistas na sua indignação, e enganado estava eu em pensar que James era "só mais um". Sem saber, fazia-se ali história. Até eu me engano, e quem me dera todas as vezes que me engano fossem com estes resultados.
Durante os três anos que passou de azul-e-branco vestido, foi o que se sabe, e depois da sua milionária transferência para o futebol francês, onde reencontrou o compatriota Falcao, ganhou mais protagonismo depois da lesão deste, terminando com um pecúlio de 10 golos em 38 jogos, com o Monaco a terminar em 2º lugar na Ligue 1, no ano em que regressou à divisão principal. Na selecção colombiana passou de esperança a certeza em 2011, no torneio de Toulon, onde apontou dois golos e marcou um dos "penalties" com que a Colômbia derrotou a França na final. Na campanha para o mundial de 2014, apontou 3 golos na zona de qualificação sul-americana, dois dos quais fundamentais para que o seu país terminasse em 2º lugar a apenas dois pontos da Argentina: na quinta ronda em Lima, na vitória por 1-0 frente ao Peru, e na 15ª ronda em Barranquilla frente ao Equador, também esse o único golo dessa partida, que valia a qualificação à Colômbia para uma fase final de um mundial pela primeira vez desde 1998.
A lesão do "matador" Falcao seria para alguns um golpe para as aspirações da selecção colombiana neste mundial, mas foi apenas uma oportunidade para James Rodríguez chamar a si o protagonismo que vinha há muito reclamando. Com Carlos Bacca, avançado do Sevilha, também a braços com uma lesão, e Teofilo Gutierrez, homem-golo dos argentinos do River Plate desinspirado, James tem sido o "abono de família" dos "cafeteros", sendo até ao momento o único jogador a marcar em todos os jogos do mundial. Primeiro assinou o terceiro na goleada por 3-0 contra a Grécia no jogo inaugural do Grupo C, depois abriu o marcador na vitória por 2-1 contra a Costa do Marfim, e deixou a sua marca contra o Japão na goleada por 4-1 com que a Colômbia selou a vitória no grupo. Na noite que Jackson Martínez deu um ar de sua graça ao apontar dois golos, James troca as voltas ao defesa japonês Maya Yoshida, que ainda está para perceber o que foi aquilo que passou por ele e o deixou ligado a uma máquina de hemodiálise, e preso a uma camisa de forças. Mas isso seria apenas o começo...
Seria a 28 de Junho que James marcaria no Estádio do Maracanã um dos golos mais lindos que aquele mítico palco do futebol mundial jamais assistiria. Um golo de fazer levantar qualquer estádio, e de fazer o mais céptico dos detractores desse espectáculo que é o futebol bater continência. A recepção, o remate colocado e com a força necessária antes da bola bater no chão, tudo pensado e executado em dois segundos, isto é arte digna de figurar nos anais do desporto-rei - noutras palavras, é futebol que dá tesão. Os defesas brasileiros devem estar a perder o sono a pensar como parar este fenómeno colombiano, os adeptos "cafeteros" perguntam "quem é Falcao?", e os amantes do bom futebol mal podem esperar pelo próximo capítulo desta história que começou a ser escrita em terras dos Andes, com muitas páginas a passarem pelo Dragão. Salvé o novo rei, salvé James Rodríguez.
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