terça-feira, 7 de maio de 2013

Um tal editorial


Amigos...e porque não?

O director do Hoje Macau, Carlos Morais José, assinou ontem um editorial intitulado "A China tem de investir na defesa", que como o título indica, defende um maior investimento da China no sector militar, de modo a garantir um equilíbrio de forças que permita manter a paz na região Ásia-Pacífico. Acompanhado de uma retórica anti-americana e anti-imperialista, CMJ acusa o actual primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, de “neo-nacionalismo”, e de querer branquear a História, chegando ao ponto de defender que Abe deveria ser apresentado a um Tribunal Internacional acusado de negacionismo de crimes contra a Humanidade.

Um leitor atento respondeu de imediato, insurgindo-se contra o tom e conteúdo do editorial do director do Hoje. Carlos Morais José respondeu, insistindo na necessidade de “manter a paz pela força”, e na necessidade da China, como grande potência emergente, ter um poderio militar que se equipare aos das restantes grandes potências mundiais, de modo a ver os seus interesses defendidos e impedir veleidades por parte daquilo se chama de “nazi-fascistas nipo-americanos”. Desconhecia por completo algum complô nipo-americano com vista à conquista do planeta, e fico surpreendido com os contornos de “teoria da conspiração” expressos no editorial de ontem.

Li e reli o editorial de ontem, e confesso que fiquei sem perceber se CMJ estava a falar a sério ou a ser irónico. Aparentemente está a falar a sério. Conheço o director do Hoje há 20 anos, respeito-o, admiro a sua enorme bagagem cultural e sinto-me honrado de colaborar com o seu jornal na forma de artigo de opinião que assino todas as quintas-feiras, mas não me resta senão discordar com ele. Discordo mas ao mesmo tempo sinto que o jornalista que provavelmente mais e melhor literatura que produziu em Macau nas últimas duas décadas podia desenvolver melhor os seus argumentos. Esta “polémica” faz-me lembrar um artigo que assinou, então ainda no Ponto Final, aproxidamente por esta mesma altura há 13 anos, onde tecia algumas considerações “ácidas” sobre os milagres de Fátima, e que mais tarde validou com argumentação bastante válida. Desafio-o a explicar melhor porque entende que a China deveria reforçar ainda mais o seu arsenal bélico.

É que se há coisa em que a China tem investido nos últimos anos é na defesa; o exército chinês é praticamente a base onde assenta a soberania e a unidade do país. Os actuais dirigentes em Pequim estão perfeitamente conscientes da necessidade de manter sob o seu firme controlo um exército forte que garanta eliminar de raíz quaisquer intenções separatistas ou ameaças ao exercício do poder pelo partido único. O PC chinês e os seus líderes não se inibem de demonstrar a força do seu exército durante as comemorações do 1º de Outubro, exibindo orgulhosamente as últimas aquisições em termos de tecnologia militar, e apostam num programa espacial sem que se perceba muito bem a sua finalidade; enquanto americanos e russos desinvestem, a China investe em foguetões e astronautas.

É um facto indesmentível que os norte-americanos foram responsáveis por atrocidades, provocações e interferências graves com a soberania de alguns estados, derrubando regimes opostos aos seus interesses e instalando governos-fantoche ao seu serviço. Não é menos verdade que os japoneses cometeram crimes horrendos durante a II Guerra em vários países da região, e é condenável que não se retraíam ou que continuem a homenagear criminosos de Guerra em romagens ao santuário de Yasukuni. Só que duvido que as intenções da China sejam de todo inocentes, e que não exista da parte de Pequim qualquer intenção imperialista. Para isso basta atentar à questão das Ilhas Spratley ou outros territórios disputados, onde as pretensões chinesas são tudo menos tolerantes ou flexíveis. Os recentes investimentos da China no continente africano, por demais conhecidos, não se revestem exactamente de um carácter humanitário, e quem sabe se no futuro Pequim não possa também manipular os destinos destes países sub-desenvolvidos, como fez Washington no passado?

A questão da “manutenção da paz pela força” é antiga, data do tempo da Guerra Fria, quando americanos e russos sabiam que se podiam destruír mutuamente, e por isso não o faziam. Não sei se com a China ou qualquer outra nação emergente isto não teria antes um efeito preverso. Não sou apologista da existência de um estado que desempenhe o papel de “polícia do mundo”, mas a existir, preferia que fosse um onde existisse liberdade de expressão, de associação e de imprensa, e um respeito pelo menos mínimo pelos direitos humanos. Não apenas interesses económicos ao serviço de uma minoria que controla o aparelho de Estado, e que para tal se utiliza dos media, da censura e da opressão para servir os seus interesses, ainda por cima em nome do “povo”.

Não entendi onde quis chegar o Carlos Morais José com o seu editorial. Nem eu, nem as restantes pessoas que o leram e foram impulsivamente acometidas de um ataque de narizes torcidos e sobrancelhas esticadas. Talvez o director do Hoje queira explicar melhor num futuro próximo, quando tiver mais tempo. Eu próprio tinha muito mais a acrescentar a este tema, mas este texto está a ficar muito além do previsto. Fica para outra altura.

1 comentário:

Anónimo disse...

"... acusa o actual primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, de “neo-nacionalismo”, e de querer branquear a História, chegando ao ponto de defender que Abe deveria ser apresentado a um Tribunal Internacional acusado de negacionismo de crimes contra a Humanidade."

Isto até dá vontade de rir. Que legitimidade é que a China tem para estar a acusar os outros de branquear a história e negar crimes quando ela faz exactamente o mesmo com o seu passado (ainda por cima bem mais recente).

Atrocidades praticadas durante a Revolução Cultural que levaram directamente à morte de milhões de chineses à fome, ou ainda mais recentemente os acontecimentos de Tiananmen são considerados assuntos tabus e censorados de todos os media. Isto com a agravante de terem sido praticados por chineses contra chineses.

É realmente ridículo. Atirar pedras aos vizinhos quando se tem os telhados de vidro só pode mesmo vir dum regime comunista totalitário como o da China, sem vergonha nenhuma na cara.