sábado, 18 de maio de 2013

A fúria do açúcar


Um estudo revelou que a maioria das crianças de 10 anos em Portugal já ingeriu tanto açucar como os seus avós em 80. A consequência é o aumento da obesidade infantil, que a longo prazo poderá resultar numa diminuição da idade do risco de doenças cardíacas. A fórmula é simples: quanto mais cedo se adquire o vício do açucar, maior é a tendência para aumentar a dose na idade adulta. O principal responsável pela ingestão do único pó branco que faz mal mas é legal são os refrigerantes, nomeadamente a Coca-Cola e derivados. A maior empresa de refrigerantes do mundo já tomou medidas contra esta publicidade negativa, e abandonou os anúncios dirigidos a menores de 12 anos. No que diz respeito aos refrigerantes, nem tudo o que é nacional é bom: uma lata de 33 cl de Coca-Cola e de Sumol contêm ambas mais de 30 gramas de açúcar. O equivalente a adoçar uma bica com quatro pacotes de açúcar refinado.

Vamos ser sinceros: a vida sem açúcar é uma merda. Não sei se algum dos leitores já visitou a loja da Diese no Rossio, em Lisboa, e provou uma daquelas sobremesas sem açúcar. Aquela porra não sabe a nada! Sobremesa que se preze leva açúcar, e em alguns casos em doses massivas. Sabem quanto açúcar leva um Toucinho do Céu, um Pudim Flan, ou uma Lampreia de Ovos? Sabem o que torna o chocolate uma delícia? Isso mesmo, o açúcar. O cacau só por si é amargo como o caraças, e nem a ilusão do chocolate preto, e por isso “menos doce”, significa que se esteja a ingerir menos açúcar. É apenas isso, uma ilusão. O evento do adoçante artificial, as Hermesetas, o Equal e tudo mais, cumprem o que prometem, as zero calorias, mas sem açúcar, adoçante ou qualquer coisa que nos valha, não há sobremesa que resista.

Os nossos avós e bisavós não teriam tanta facilidade em obter o delicioso e aditivo açúcar, mas e depois? O Nuno Álvares Pereira nunca bebeu uma bica nem fumou um cigarro e é herói nacional. Os tempos mudam, e hoje é possível entrar num café qualquer, pedir uma bica e meter dois ou três pacotes de açúcar ao bolso “para mais tarde”. Usa-se e abusa-se do açúcar em quase tudo, sem que isso pese no orçamento. Entre os bens de primeira necessidade, o açúcar e o sal são ainda os menos dispendiosos. Fossem o leite e o pão tão em conta, e talvez se falasse menos de “crise”. Mesmo a incidência de doenças como a hipertensão e a diabetes não têm uma relação directa com a maior acessibilidade ao consumo de açúcar. A obesidade infantil, sim, mas esse é um problema actual com eventuais consequências no futuro. Mas o futuro não é o presente, portanto depois logo se vê.

A nossa geração é por natureza açucarada. Quando era bébé a minha avó paterna embuía a chucha em açúcar para que eu me calasse mais depressa. Nos tempos de estudante haviam vendedores ambulantes à porta da escola que vendiam chupa-chupas, rebuçados, caramelos, gelados, mil e um convites à doçura. Um negócio da China, tratando-se de jovens em pleno crescimento que usam os carbonos do açúcar como se fosse combustível. Ninguém se lembrava de vender saladas e repolho cozido para a porta das escolas xomo “alternativas saudáveis”. A única vez que nos arrependiamos dos excessos era durante as visitas ao dentista, onde se tratavam as inevitáveis cáries, feridas de guerra do consumo do pó doce. Mesmo depois dos chumbos e dos dentes arrancados, regressávamos ao campo de batalha e prosseguia a inebriante loucura do açúcar.

Não surpreende que o consumo de açúcar entre as novas gerações tenha escalado. A tendência para o lucro fácil e imediato levam a que as marcas procurem recrutar consumidores a todo o custo. Serão poucos os pais, por mais cautelosos que procurem ser, que não resistam a comprar aos filhos os cereais da moda sem olhar à tabela nutricional que inevitavelmente – e debalde – alerta para as quantidades copiosas de açúcar no produto. Mesmo que se eduquem os jovens ou se limite o consumo de açúcar em casa, o mundo é um enorme pirolito com núvens de algodão doce. E quanto à tal obesidade infantil? Ora, é só deixar viver e ensinar que existem limites. E já agora façam com que os putos mexam o rabo. As horas que passam em frente às PlayStations e afins fazem tanto ou mais mal que todo o açúcar do mundo. Essa será a grande diferença.

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