A queda de um regime autocrático é sempre bem vista, e os novos ventos de liberdade e exercício pleno da democracia tem normalmente efeitos positivos no campo dos direitos humanos e cívicos, levando ao fim de prisões arbitrárias e perseguições políticas. Mas não há bela sem senão, e por vezes o fim da mão-de-ferro da ditadura permite excessos que pouco dignificam o conceito de liberdade. O Egipto é um exemplo recente desta dificuldade em encarar a libertação do jugo da ditadura. Depois da Primavera árabe que levou à queda de Mubarak, o país teve dificuldades sérias em restabelecer a ordem pública, sendo a famosa Praça Tahrir, no Cairo, o centro de um vulcão em constante erupção. Um dos aspectos da sociedade egípcia, onde os mandamentos do Islão são escrupulosamente cumpridos, é a abordagem conservadora ao casamento e às relações entre homens e mulheres. Não é permitido a um homem falar com uma mulher desconhecida, e anos de aplicação rigorosa destes preceitos levou a uma geração de homens…carentes, para não usar outra palavra politicamente menos correcta. A liberdade adquirida teve como lado preverso um aumento de abusos verbais e físicos a mulheres no Egipto, e a violação de que foi vítima uma repórter estrangeira no centro do Cairo em plena luz do dia chamou a atenção para o problema.
Para avaliar a extensão deste fenómeno, um programa de televisão resolveu conduzir uma experiência: vestir um actor de mulher e fazê-lo passear pelo Cairo, recolhendo a reacção dos homens à sua presença. A finalidade é saber como se sente um homem na pele de uma mulher vítima de assédio e exposta a variados tipos de abuso. Depois de dois meses de casting e muitas recusas, o actor Walid Hammad, de 24 anos, aceitou o papel, vestiu roupa discreta (saia comprida, blusa), passou pela necessária caracterização e saíu à rua. A experiência, diz o próprio Walid, foi “arrepiante”. Era constantemente seguido por homens, alguns deles abordavam-no de carro (de “boas marcas”) e muitas vezes propunham-lhe sexo por dinheiro. O actor diz-se agora empático com o sofrimento das mulheres egípcias, e regozija-se pelo seu aspecto “masculino e normal”, que lhe permite andar na rua a qualquer hora, sem que ninguém o incomode. Como sofrem as mulheres no Egipto, vítimas da “liberdade” que os homens ainda não aprenderam a usar.
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