Como é hábito às sextas-feiras, fica aqui o artigo da edição de ontem do Hoje Macau.
A malta da minha geração deve lembrar-se certamente da série “Verão Azul”, produção da espanhola TVE e exibida na RTP no início dos anos 80, que contava as aventuras de um grupo de jovens da andaluza Costa del Sol durante as férias grandes. Um verão azul digno desse nome, azul, azulinho, com idas à praia, passeios de bicicleta, acicatados com a componente da descoberta dos mistérios da vida, das suas novidades, o travo a agridoce que entra na receita do ser maior, da experiência única que é a adolescência. E tudo isto com um sol e mar que é recebido de braços abertos, sem nuvens cinzentas, debaixo de um calor abrasador que se ameniza com um megulho, um gelado, ou com uma simples sombra que torna suportável uma temperatura acima dos 40º celsius.
Longe dos amenos caprichos do Verão mediterrânico, eis-nos em Macau, na Ásia das monções, sujeitos ao calor, humidade, tempestades repentinas um clima perfeitamente imprevisível, ao qual faça chuva ou faça sol, o resultado é o mesmo: molhado. O Verão húmido e chuvoso em Macau tem início em Maio e prolonga-se até Outubro, e mesmo quem opte por fugir e disfrutar de um ou dois meses em Portugal ou outra paragem onde a época estival tem sabor não escapa ao “castigo”. As temperaturas na ordem dos 30º, a humidade a rondar os 100%, os aguaceiros que chegam sem aviso, a ditadura do guarda-chuva e do ar-condicionado, as contas de electricidade astronómicas, os três banhos por dia, os planos de uma simples ida à praia ou um mero piquenique cancelados pela chuva, fins-de-semana em casa a contemplar a canícula. É assim o Verão em Macau, para mal dos nossos pecados. Que o digam os organizadores da junina festa de S. João, que cheios de boas intenções mantêm viva a tradição todos os anos no Bairro de S. Lázaro, e que acabam com as sangrias, as sardinhas e as bifanas arruinadas pelo clima.
Quem aqui nasceu e cresceu estará certamente conformado, e não se incomoda com a sorte que lhe saíu na lotaria geoclimática. Quem se habitou aos climas temperados, à pontualidade das quatro estações, às folhas caducas do Outono que antecedem o frio e a chuva e às flores primaveris que antecipam o calor, a praia e o os mergulhos no mar, é muito mais difícil. Por mais anos que passemos deste lado ainda custa sair de casa em pleno Agosto debaixo de chuva torrencial e chegar ao trabalho com a roupa encharcada, quando devíamos estar no Algarve a empurrar mariscadas à força de imperiais geladinhas, a aproveitar as noites curtas que caem a horas tardias, a voltar para o hotel com o nascer precipitado de um novo dia, sem que uma única núvem no céu anilado o obrigue a alterar o programa de festas.
Por aqui temos o “Verão cinzento”, os meses mais quentes e apaixonados do ano manchados pela incerteza e pela dúvida. É deprimente sair de casa debaixo de um sol abrasador sem saber se poucas horas depois cairá um bátega diluviana que nos apanha desprevenidos e nos molha da cabeça aos pés. E mesmo a chuva que cai durante os rigores do calor e da humidade serve de consolo; é uma chuva que cai e nem por isso refresca. Em Macau nos meses de Verão pode estar a chover e fazer sol e calor ao mesmo tempo, que resultado é o mesmo: suado e pegajoso. Não há nada pior que a sensação que sair do trabalho e querer ir para casa “secar” debaixo do ar-condicionado, em vez de ir aproveitar o que nos resta dos dias mais longos do ano. Se existe realmente um Inferno, deve ser mais ou menos assim.
PS: Os episódios da excelente série "Verano Azul" estão disponíveis no YouTube. Fica aqui o link do primeiro episódio.
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