quarta-feira, 1 de maio de 2013

Manifestar é humano


Mais um Primeiro de Maio em Macau que mais uma vez fica marcado pela pontual manifestação de associações e grupos, quase sempre os mesmos. O feriado do Dia do Trabalhador tornou-se uma dor de cabeça para as autoridades desde a manifestação de 2007, que ficou marcada por confrontos violentos entre a polícia e alguns participantes, tendo o seu ponto alto quando um agente disparou cinco tiros para o ar na Av. Tamagnini Barbosa. Uma conduta pouco habitual nesta terra de costumes tão brandos, mas defendida pelos responsáveis da Forças de Segurança, que concluíram que o agente “agiu em conformidade com a situação”. Noutras palavras, “fez bem”. Fez tão bem que a partir desse dia desapareceu completamente do mapa. Alguém sabe por onde anda o rapazote dos tirinhos do 1/5 de há meia dúzia de anos? O que é feito dele? Alguém o viu por aí? Será que foi premiado pela bravura e obteve reforma antecipada por cheio e uma menção honrosa? Um mistério.

Tudo mudou a partir desse dia de raiva. Foi no ano seguinte que o então Chefe do Executivo, Edmundo Ho, anunciou a poucas semanas do 1º de Maio que seriam distribuídos cheques pela população, e as autoridades começaram a preparar antecipadamente a estratégia para impedir que se repetisse a “bronca”. É comum assistir a confrontos entre manifestantes e polícia nas marchas do 1 de Maio um pouco por tudo o mundo, mas em Macau já se sabe, reina o princípio da harmonia, e a RAEM quer demonstrar a todo o custo à “mãe China” que cá em casa está tudo bem, a população anda contente e na ordem, e que tem sido um bom aluno. Quanto menos barulho melhor. Existe um braço-de-ferro entre manifestantes e autoridades que tem a ver com a passagem pela Av. Almeida Ribeiro, a principal artéria do território. A polícia teima em impedir que o corso siga pelo Largo do Senado, mesmo que por alguns minutos, sem explicar muito bem porquê. Não tem qualquer cabimento que os turistas fiquem incomodados ou surpresos com a passagem de uma manifestação do Dia do Trabalhador…no Dia do Trabalhador. Seria o mesmo que alguém ficar surpreendido ao ouvir o “Jingle Bells” durante a quadra natalícia.

Este acto de se manifestar, tão inerente à própria natureza humana, é ainda mal visto em Macau. Não liga lá muito bem com os ensinamentos confucianos, que pivilegiam o respeito pelas hierarquias. Os manifestantes crónicos são visto quase como “maluquinhos”, e alguns deles são mesmo acusados de estar a soldo de uma qualquer potência estrangeira com o propósito de “destabilizar”, e em última instância “derrubar o regime”. Chiça, no que isto vai em matéria de teoria da conspiração. Mesmo que Macau se debata actualmente com problemas por demais conhecidos, como a dificuldade no acesso à habitação, a inflação galopante e o acentuar do fosso entre ricos e pobres, há quem prefira ficar em casa ou fazer outra coisa qualquer durante o feriado. Há quem se manifeste usando um disfarce, temendo represálias. Duvido que alguém seja castigado por se manifestar no dia destinado a esse efeito, mas isto é como aquela história das bruxas: não acredito nelas, “pero que las hay, hay”.

E por falar em dias designados, é mesmo para isto que serve o 1º de Maio: para protestar, para exprimir o descontentamento, para dizer de sua justiça. É um pouco como naquele paleio dos casamentos: que fale agora, ou que se cale para sempre. Respeito quem prefere passar o feriado a fazer compras, passear com a família, aderir às actividades promovidas pelas diversas instituições públicas (e são muitas), ou simplesmente descansar. Mas lembrem-se, o Dia do Trabalhador foi criado para o trabalhador. A génese deste feriado tem exactamente a ver com a luta dos trabalhadores no passado por melhores condições e pelo reconhecimento do seu trabalho e do seu suor. Foram muitos os que morreram a lutar para que nos libertássemos das amarras do patronato e que dele obtivessemos o devido respeito. É um dia que serve também para homenagear esses mártires. É a ele, ao trabalhador, que cabe decidir se tem ou não motivos para se manifestar. Para os que não têm mesmo razão de queixa, tudo bem, mas para os outros, ficar calado é perder uma oportunidade.

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