sábado, 4 de maio de 2013

Macau: quanto custa?


Como é habitual, fica aqui o artigo da última quinta-feira do jornal Hoje Macau.

É Macau uma cidade cara para se viver? Depende. Existem muitos mundos dentro deste mundo, e tanto é possível viver com pouco como queixar-se da vida, apesar de usufruir de um bom ordenado e alguma qualidade de vida. Num território tão pequeno onde toda a gente se mistura, há quem consiga economizar ganhando menos de metade dos mais esbanjadores, onde se encontram alguns que se queixam que o dinheiro “mal lhes chega” até ao final do mês. É tudo uma questão de gosto. Mas só para deixar uma coisa bem clara, o bom gosto paga-se muito caro.

A maioria da população do território é composta pela segunda e terceira geração de chineses refugiados da Guerra do Pacífico. Apesar do recente influxo de chineses continentais, os “ou mun yan”, ou chineses de Macau, são filhos e netos de continentais que chegaram ao território nos anos 40 do século passado. Quem conhece mais ou menos bem a História de Macau sabe que apesar da neutralidade da então colónia portuguesa durante a segunda guerra, foram muitas as dificuldades; tivemos fome e tivemos medo. Quem passou por tamanha carestia entende como a vida pode ser difícil, e faz tudo para passar esta lição para as gerações seguintes.
Dou o exemplo dos meus sogros, ambos chineses naturais de Macau.

O meu sogro, infelizmente já falecido, foi toda a vida um humilde operário, e a minha sogra uma simples doméstica, incumbida de criar os filhos, a minha mulher e a sua irmã. Apesar do precário orçamento familiar, tiveram a sensatez de adquirir várias propriedades, e para tal submeteram-se a enormes sacrifícios, dispensando qualquer tipo de luxo ou comodidade que muitos de nós consideram quase indispensáveis. Na cultura chinesa nada é mais importante do que ter habitação própria. A nossa natureza de portugueses, povo apaixonado e festivo, impede-nos de economizar ou precaver um eventual futuro negro – a vida é para ser vivida. Hoje estamos bem, amanhã logo se vê. Em retrospectiva esta é uma atitude errada nos tempos que correm, e que nos levaram ao estado de austeridade que o nosso país conhece actualmente.

Os chineses de Macau tomam uma postura muito “no-nonsense”. Os mais jovens são mais gastadores, e adoram viajar, mas os mais velhos ainda estimam as poupanças, como quem constrói um “bunker” para uma guerra que pode nunca chegar. Um episódio que me ficou na memória. Um dia fui a uma mercaria perto de casa e comprei um gelado que me custou 15 patacas. A senhora da loja questionou a minha opção, comentando que pela mesma quantia podia comprar uma “caixa de arroz” – uma refeição composta por arroz acompanhada por dois ou três acompanhamentos de carne, peixe ou vegetais. Seria escusado discutir com ela e fazê-la ver que o que me apetecia era um gelado, e não um almoço barato.

Estes sobreviventes natos vão continuando a lutar, indiferentes ao galopante preço da habitação ou à crescente inflação. Conhecem bem os cantos à casa, e estão preparados para tudo – a própria História da grande China é feita disto mesmo: o que hoje é uma certeza, pode ser amanhã uma mentira. Quem aqui nasceu e cresceu conhece os truques de cor, a altura certa para comprar, para vender ou para poupar. Enquanto os mais distraídos apertam o cinto, aos mais vivos basta cerrar os punhos. A carne está mais cara no mercado? Comem menos, ou outra mais barata. Os vegetais aumentaram de preço em Macau? Vão comprá-los em Zhuhai. Os filhos são esbanjadores e mimados? Sai um puxão de orelhas.

E quem se queixa do aumento do custo de vida? Os que não sabem viver, ora. Um português que se queixa de um aumento exorbitante da renda não se contenta com uma casa mais pequena, ou não dispensam o conforto, mesmo que isto lhes custe a saúde financeira. Que legitimidade tem alguém que vive sozinho mas não dispensa um apartamento com três quartos, duas casas de banho, sala e cozinha amplas? São alvos fáceis para os tubarões do imobiliário. Se gastam milhares de patacas por mês em alimentação e vestuário, é porque não se contentam com pouco. Para os mais pragmáticos, o mais importante é apenas encher a barriga; pouco importa se o bife é de primeira ou de terceira categoria. Gostam de passear? Ir a Portugal todos os anos de férias como se fosse um ritual obrigatório. Paguem e não chorem.

Ainda é possível viver em Macau por um preço módico, mas não é para todos. Requer auto-disciplina e força de vontade. Não é fácil fechar os olhos quando se passa por algum do luxo que nos rodeia, deixar de jantar fora quando não nos apetece cozinhar, ou deixar o ar condicionado ligado todo o dia em vez de suar um pouco de vez em quando. E não é preciso ser um génio para perceber isto, que é até muito simples: sem suar não se consegue vencer. E quanto custa viver em Macau? Depende do pacote que se escolhe. E há muitos.


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