Tenho uma amiga que é danada para a brincadeira, uma libertina que se está nas tintas para o que outros pensam dela, e é de mulheres assim que eu gosto. A minha amiga tem um brinquedo erótico que consiste num comando ligado por um fio a um ratinho branco de plástico, pouco maior que um bombom da Ferrero-Rocher, que emite vibrações que estimulam o clitoris e a vulva. Penso que algo assim ou semelhante se pode adquirir em qualquer uma das (cada vez menos, infelizmente) sex-shops do território, e qualquer pessoa maior de 18 anos pode fazê-lo livremente. É uma questão de gosto. Há quem prefira vibradores maiores, falos de plástico ou de borracha, entre as mulheres, bonecas de borracha ou sifões para os homens, cremes, lubrificantes, lingerie, filmes para adultos ou literatura sugestiva para ambos, mil e um adereços para acicatar o desejo e dar mais colorido à arte de expressar fisicamente o amor. Ainda bem que existem, e quem não gosta simplesmente não coma.
Infelizmente vivemos numa sociedade conservadora onde vigoram ainda valores completamente ultrapassados e reina a hipocrisia. Não acredito por nem um segundo que exista alguém que não goste de se sentir desejado, adorado, ao ponto de ser devorado pela paixão do seu parceiro. Não há quem não goste de uma boa “sacanagem”, como dizem os brasileiros, mesmo que seja apenas de vez em quando, para escapar à rotina. Em Macau, especialmente entre a comunidade chinesa, o sexo continua a ser tabu, uma coisa “suja”, um privilégio reservado aos casais e praticado na intimidade do leito, e de preferência sem muita imaginação, que isso é para os “tarados”. Em última instância, o sexo serve “para fazer bebés”, dar continuidade à espécie e perpetuar a instituição da família. Mas do que serve censurá-los, se é assim que foram ensinados?
Em muitas civilizações mais abertas um pouco por esse mundo fora as famílias falam abertamente sobre sexo. Os pais aconselham os filhos e esclarecem-lhes dúvidas, por muito ousadas que sejam. Na sociedade tradicional chinesa, que se convencionou ser a medida “ideal” para um território exíguo como Macau, falar de sexo é sintoma de um qualquer desvio, de uma preversão digna de internamento na ala psiquiátrica do Hospital – e se calhar seria mesmo assim, não fosse essa solução uma “perda de face”. Em Macau, na ausência de uma disciplina de Educação Sexual nas escolas ou de abertura por parte da família para abordar o tema, os jovens ficam entregues à sua sorte, e vão aprendendo sozinhos. Às vezes essa auto-aprendizagem, um conceito muito “zen”, corre mal, e muitas vezes acaba em tragédia.
A minha experiência neste mundo da sexualidade “east-meets-west” é extensa e cheia de surpresas. Para os meus amigos e colegas chineses sou o que eles chamam de “ham-sap-lou”, literalmente “homem salgado e molhado”, que em trocados significa que sou uma espécie de tarado sexual. Não porque tente ir para a cama com todas as mulheres que encontro pela frente, mas pelo facto de falar abertamente do tema, ou simplesmente por defender que o sexo é saudável e a sua prática recomendável, mesmo com mais de um parceiro e sem que exista qualquer compromisso entre ambos. Não me incomoda que me vejam desta forma, e não é por isso que altero a minha conduta ou que me inibo de fazer o que muito bem me apetece com o meu corpo.
O misto de confuncianismo e influência da Igreja Católica que controlam a educação dos mais jovens no território há séculos levem a que estes pensem que o sexo “é pecado”, e algo que deve ser praticado com alguém da maxima confiança, e de preferência depois de um longo período de conhecimento mútuo. Aos rapazes é incutido o conceito de que uma mulher que tenha dois ou mais parceiros é leviana, e às mulheres é ainda incutida a importância da virgindade. De um modo geral, functiona o princípio de que os homens são o elemento activo, e as mulheres o passivo. Muitos acreditam ainda que as mulheres são as “vítimas” do sexo que os homens buscam, e que o prazer sexual ainda deve ser exclusivo do sexo masculino. Se uma mulher não atingir o orgasmo, não é grave, desde que seja “boa rapariga”e não procure outro parceiro na tentativa de obter prazer sexual.
Para os homens que optam por casar mais tarde ou simplesmente por não casar de todo a pressão da família é menor. No caso das mulheres com mais de 30 anos que persistam solteiras começa uma espécie de contra-relógio. Algumas perdem o “timing”, ora porque são demasiado exigentes ou simplesmente inaptas, e ficam para “tias” – um fenómeno muito comum em Macau. Apesar desse senão, ainda é possível encontrar um companheiro, mas o preconceito leva a que remetam a uma postura demasiado defensiva. Mesmo que sintam desejo sexual, a inibição leva a que receiem ser instrumentalizadas, usadas numa mera aventura e depois descartadas. Ao contrário das mulheres mais sexualmente liberais (e por isso também mais felizes), não aprenderam que ser “fácil” não é o mesmo que ser “rasca”. O que lhes resta é aguardar um longo Inverno da vida remetidas à solidão, pensando “no que podia ter sido”.
Qualquer mulher tem o direito de escolher um parceiro, e caso não dê resultado, tentar com outro, ou mais dois ou três, ou até dez ou vinte, até encontrar um que lhe sirva, sem com por isso se torne menos interessante ou que isto indicie que será infiel ao homem que escolheu para seu parceiro definitivo, ou que é “indecente” e ninfomaníaca . Se há algo que aprendemos com a revolução sexual foi que existe igualdade de direitos, e que se o prazer nos homens está só por si assegurado (os homens não conseguem fingir orgasmos…), as mulheres têm pelo menos direito a procurá-lo, e não descansarem enquanto não o encontrarem. Se algumas mulheres fossem tão desinibidas a escolher um homem com são a escolher um par de sapatos, tinhamos um mundo mais equalitário e nem estaria eu aqui a falar nisto. O problema aqui é que na hora de casar os homens chineses não vêem com bons olhos uma mulher muito concorrida, ou que tenha tido vários namorados. É difícil agradar e ser agradado ao mesmo tempo.
A propósito deste último aspecto, tão curioso, um amigo meu explicou-me que alguns homens receiam ficar feridos no orgulho com a perspectiva de se cruzar com um ex-amante da companheira, sentir-se como “segunda opção” e com isto “perder face” (aí está, todos os caminhos levam à tal “face”). A situação piora no caso da namorada ter feito um aborto, o que é uma alternativa ainda censurada pela sociedade chinesa, e que torna a mulher “impura”. Felizmente há cada vez mais jovens, homens e mulheres, que se estão nas tintas para o passado um do outro. Especialmente os que estudaram vários anos no estrangeiro, nomeadamente em países ocidentais, e que são dotados de uma visão mais larga do mundo e das relações inter-pessoais. Como seria de esperar, a Escola Portuguesa de Macau é um bom exemplo de “liberalismo”, e os jovens que lá estudam estão sujeitos a um regime menos fechado e tradicionalista. Muitos saem de lá com uma perspectiva mais aberta dessas coisas da sexualidade e do convívio com o sexo oposto. Aprendem mais qualquer coisa que não vem nos livros.
É claro que a sociedade em Macau não funciona mecanicamente desta forma. Mal estaríamos. O número de divórcios, a proliferação da indústria do sexo, a prostituição dissimulada ou o recente surgimento de um movimento “gay” são factos que podem contrariar estas teorias, mas isto são casos paralelos. Para os defensores dos valores tradicionais, e que insistem em os transmitir aos filhos, querem que funcione tudo “dentro da normalidade”, mesmo que eles próprios tenham tido a sua cota de desilusões e enganos. Os bons pais de família até podem dar um pulinho até ao continente e brincar com as “mui-muis”, ou investir alguns dos seus bens que não entram na contabilidade do orçamento familiar numa segunda mulher ou numa segunda família, mas impera uma regra essencial: “com a minha filha não brincas tu!”.
2 comentários:
Por aquilo que vou observando, especialmente os homens chineses desprezam o sexo e preferem dedicar-se aos telemóveis e tretas do género.
Das poucas coisas que me chateiam a sério nesta terra, é o raio do conservadorismo puritano desta gente. Qualquer que seja a religião...
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