quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Tecnologia (evoluíu à brava)


Vejo cada vez mais gente na televisão a dizer com um ar muito nostálgico “que se lembra do tempo em que não existiam telemóveis”. Ora porra, isso também eu, e vou-me sentindo velho, até porque não foi assim há tanto tempo. Piora ainda quando isto vem de pessoas que até são uns anitos mais novas que eu. Isto é malta que não tinha telemóvel quando era bebé de colo e tem uma excelente memória, só isso. Meus amigos, há 20 anos ninguém tinha telemóvel. Não é a mesma coisa que um velho de 80 anos dizer que se lembra de quando não havia televisão.

E foi assim mesmo; não existiam telemóveis, cresci sem eles e nem por isso desapareci, perdi-me, faltei a compromissos ou senti isolamento. Quando precisava de ligar para alguém de fora de casa usava um telefone público, ligava de um café ou da casa de um amigo. Emergências? Naquele tempo o número era o 115, agora é o 112 e o serviço existe desde que me lembro. As pessoas respeitavam os compromissos, mais ou menos, ou pelo menos mais que hoje. Se alguém se atrasava, paciência, era só esperar. Desconfio que hoje em dia as pessoas preocupam-se menos em chegar atrasadas porque têm o telemóvel e podem avisar, ou esperar que lhes liguem.

Também não existia internet, ou pelo menos não estava ao alcance do cidadão comum, e mesmo assim as pessoas informavam-se. Iam à biblioteca, um antepassado do Wikipedia, e liam jornais, os mesmos que se podem ler agora online, mas apenas na versão em papel. Tinha as suas vantagens; imaginem que estão na casa-de-banho a ler o jornal no vosso iPad e descobrem que não há papel higiénico. O jornal em papel resolvia o problema, enquanto com o iPad é mais complicado. O Telejornal ainda dava notícias em primeira mão, e era preciso esperar às vezes um dia para saber os resultados do futebol. Não existiam chatrooms nem Facebook, mas mesmo assim as pessoas encontravam-se, conheciam-se, namoravam e casavam. Parece incrível, mas é verdade. Para a maior parte dos jovens de hoje com 15 anos ou menos isto era a “idade das trevas”.

Se alguém me dissesse em 1992 que vinte anos depois existiriam telefones sem fio que cabiam num bolso, tiravam fotografias, davam acesso à internet e faziam mil e uma coisas, dizia que estava tudo maluco. Eu e toda a gente desse tempo, claro. É que nem nos filmes do James Bond existia tecnologia semelhante. Bem, o 007 falava num relógio de pulso que era também telefone, mas isso era parvoíce. Aliás uma simples pen-drive onde podemos armazenar milhares de documentos, músicas e fotografias já é tecnologia suficiente para aniquilar qualquer engenhoca do James Bond. Mesmo um ecrã LCD ou plasma era impensável naquele tempo. Onde é que se punham as válvulas e aquilo tudo?

Nos anos 80, de que me recordo com uma saudade ingénua (porque a vida agora é melhor) tinhamos uns conceitos muito peculiares sobre o futuro próximo. O ano 2000 era uma espécie de meta, e da perspectiva dos anos 80 era um ano em que a tecnologia ia ser…bem…igual, mas melhorada. Quer dizer, ninguém imaginava os telemóveis, a internet, os DVD (mesmo os CD’s eram uma novidade) e tudo isso que hoje é tão banal. Existia uma banda punk inglesa “futurista”, os Sigue Sigue Sputnik, que dizia que no futuro passava pelo video, stereo eo sci-fi sex, e que “a revolução ia ser televisionada”. Olhando para eles hoje dá vontade de rir. Chegávamos a imaginar que no ano 2000 o panorama musical seria dominado por indivíduos com electrodos espetados no cérebro que faziam música maluca. Nunca nos passaria pela cabeça que o single mais vendido no início desse ano redondo seria dos Westlife. Tinhamos uma paranóia engraçada com robôs japoneses, que viriam alegadamente a substituir o homem e dominar o mundo, e faziam-se filmes onde computadores futuristas do tamanho de um prédio de cinco andares ameaçavam destruir a humanidade. Hoje em dia uma simples Bimbi num canto de cozinha é mais inteligente que qualquer um desses robôs japoneses, e pasme-se, há computadores do tamanho de um livro mais potentes que aquele colosso do “War Games”. Quem diria…

Mas duma coisa podem ter a certeza jovens: ninguém esperava que a tecnologia evoluísse até este ponto em que hoje nos encontramos. Tivemos mais progressos nos últimos 20 anos do que nos 50 anteriores a esses. Uma das teorias que explica esse enorme avanço foi o fim da Guerra Fria (uma coisa do nosso tempo, deixem lá). Assim muita tecnologia deixou de fazer sentido para o uso militar, e ficou ao alcance do cidadão comum. E claro, ainda dá para lucrar com isso. Mas pronto, não passou assim tanto tempo. O que se passa é que aconteceu tudo muito depressa. Mas não caiam na tentação de perguntar aos vossos pais como conseguiam viver “naquela época”. Arriscam-se a ver a pergunta a ser-vos feita um dia mais tarde, pelos vossos filhos. E olhem que isso custa.

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