Em vésperas da comemoração de mais um aniversário da RAEM, estala o verniz em matéria de liberdades e garantias. O Hoje Macau recebeu no passado dia 3 de Dezembro a visita da Polícia Judiciária com um mandato judicial que ordenava a remoção de um comentário numa notícia da edição electrónica do jornal, notícia essa relacionada com o “caso das campas”. No comentário em questão um anónimo afirmava que a queixosa no referido caso, Paulina Santos, não estaria inscrita na Associação de Advogados de Macau, uma inverdade que o mesmo anónimo rectificaria num outro comentário posterior. Tarde demais, uma vez que a visada tinha apresentado queixa por difamação.
O director do HM, Carlos Morais José, questiona a validade do mandato judicial, uma vez que não estaria assinado por um juíz, como a lei exige, mas apenas por um procurador adjunto do Ministério Público. De acordo com o HM, juristas contactados pelo jornal reconheceram a ilegalidade do mandato judicial, e o presidente da Associação de Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, comentou o caso. O MP respondeu,
e o director do Hoje veio hoje afirmar que pela primeira vez em 12 anos de segundo sistema, sente a liberdade de expressão ameaçada, e lamenta o facto, que poderá fazer repensar a forma de fazer jornalismo em Macau.
Confesso que não tenho acompanhado de perto este caso, e só hoje me apercebi da sua dimensão. Não penso que se esteja a fazer uma tempestade num copo de água, pois um caso desta natureza pode abrir um caixa de Pandora no que toca às liberdades e garantias de que usufruímos à luz do segundo sistema, e expressas de forma inequívoca na Lei Básica. É bom que não se deixe este caso passar despercebido, ou que caia no esquecimento, e que o MP deixe bem claro que este tipo de procedimento não é para repetir, e que o primado da lei é para ser respeitado. Quero acreditar que sim, e que este incidente se trata apenas de um lapso, de um erro grosseiro, e que tudo será feito para que não se reincida. Tenho a certeza que tanto os dirigentes da RAEM como a sua população não querem que existam dúvidas quanto ao cumprimento dos compromissos assumidos passam hoje 13 anos.
Como os leitores sabem, tenho desde Março de 2006 um espaço de opinião na blogosfera, e mantenho este blogue desde Dezembro de 2007. Escrevi sobre os mais diversos assuntos a cobro do anonimato até recentemente, e confesso que muitas vezes pensei duas vezes antes de publicar certas opiniões que poderiam vir a causar-me dissabores. Preferi sempre arriscar, crente de que “quem não deve não teme”, e evitei sempre que possível especular ou emitir juízos de valor que não fossem apenas mera opinião pessoal, ou factos que não pudessem ser facilmente verificados. Nunca tive medo do trapézio, porque acredito na segurança da rede. Se o fizesse de um país ou território onde não existem as liberdades consagradas em Macau, provavelmente dedicava-me a outra coisa para ocupar os tempos livres. Não tenho jeito para o activismo, nem carácter para arrastar comigo para a lama os que de mim dependem.
Mas isto é apenas um blogue; vale o que vale, há quem ache que tem valor, há quem pense o contrário, mas uma coisa é certa: não tenho o dever de informar ou de sequer ser coerente com as minhas opiniões. Não sigo códigos de ética, nem instruções superiores, e faço isto por puro amadorismo. Não recebi um avo em todos estes anos pelo tempo que dediquei a este espaço que, e repito o que escrevi no dia 1 deste mês por altura do aniversário do blogue, foi pioneiro na blogosfera local. O director do Hoje Macau, os responsáveis dos restantes orgãos de comunicação e restantes profissionais da imprensa vivem dessa nobre e árdua profissão do jornalismo, e devem continuar a exercê-la sem limitações e interferências. A informação deve ser dada de forma livre, e a busca da verdade, ou pelo menos da verdade possível, deve ser o princípio e o fim do jornalismo, e feita sem limitações de qualquer ordem.
Pode ser que para muitos eu não passe de um catraio atrevido, ou que esteja a meter a colher em sopa alheia quando “me armo em jornalista” sem ter credenciais para tal. Mas não foi preciso ter passado pelos canais apropriados para saber que não existe jornalismo completamente independente. Cheguei a acreditar que existia, alimentado de um ideal poético, ou de um certo lirismo, mas citando o anjo maldito das escrituras, “vim de dar uma volta a este mundo” e percebi que não. O jornal mais lido em Macau, por exemplo, que mais parece uma empresa com fins puramente lucrativos, peca constantemente por se abster de abordar temas polémicos ou fracturantes, que possam beliscar o conceito vigente de “harmonia”. Quem perde são os seus leitores, a maioria dos quais domina apenas a língua chinesa, e que fica na ignorância quanto a notícias que são dadas sem complexos na restante imprensa em outras línguas. Ainda está fresca na memória a polémica das alegadas interferências na linha editorial da informação na TDM, ou da demissão de dois animadores de um popular fórum de discussão do canal chinês da Rádio Macau. Não existe censura, é certo, mas “eles andam aí”.
É curioso que se dê a entender que existe alguma forma de pressão num território pequeno, onde os agentes do poder não carecem da validação do voto popular directo, e onde os índices de popularidade são uma estatística irrelevante. Estamos muito longe da América, onde uma capa de jornal pode decidir uma eleição. Vamos continuar a acreditar nas liberdades que nos são conferidas, pois não nos resta outra opção. Quero acreditar que a imprensa vai continuar a desempenhar o seu papel fundamental de emissor, e a população vai continuar a cumprir o papel de receptor, e o ideal seria que o fizesse de forma cada vez mais exigente, com vontade de andar mais e melhor informada. A mim resta-me ficar deste lado a fazer o que gosto, e sempre atento ao que passa nesta Região Administrativa que escolhi como morada, e que hoje completa treze anos de existência. Não quero acreditar que lhe queiram tornar a adolescência difícil.
PS: Continuo sem perceber muito bem o porquê de algumas personalidades tecerem loas ao procurador do MP, o juíz Ho Chio Meng, ao ponto de se especular sobre a eventualidade de se tornar um dia Chefe do Executivo. Nada de pessoal contra a pessoa em questão, nem nada relacionado com este incidente em particular, mas “what’s the big deal”? Não reconheço no procurador nenhuma característica especial que indique que daria um CE exemplar. É discreto, limita-se ao exercício das suas funções e não nos dá a conhecer que planos tem para o território, caso assumisse a sua liderança. Mais uma vez, nada de pessoal…
1 comentário:
Infelizmente este é um sinal dos tempos. Há cada vez mais gente que se satisfaz simplesmente com a barriga cheia e os benefícios que vai colhendo, e está-se nas tintas para as liberdades e direitos. O único direito que não querem que mexa é o direito de engordar a conta bancária, sem os outros passam muito bem. Força e coragem para o Carlos, para o dr. Neto Valente e para os outros que ainda têm a coragem de dar a cara em nome da preservação dos valores da liberdade em Macau.
Enviar um comentário