segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nariz vermelho


Assisti no Sábado à noite à 10ª “Gala do nariz vermelho” (ou nariz vermêlho, como dizia a apresentadora), organizado pela RTP e em homenagem aos médicos que se vestem de palhaço para alegrar a criançada que se encontra internada um pouco pelo país for a, inseridos na Operação Nariz Vermelho (clicar para aceder ao website). Participaram da gala vários artistas da nossa praça, entre outras personalidades que recolhiam donativos pelo telefone. Donativos esses que chegaram à bonita quantia de 90 mil euros, e que incluíram contribuições do estrangeiro, e até de Macau (ganda Celeste, carago!).

Acho este um gesto nobre destes profissionais de saúde que assim tornam mais suportável a angústia destes jovens, muitos deles sofrendo de doenças terminais. Mas a tristeza não tem lugar quando os médicos colocam o nariz vermelho e encarnam na personagem que a maioria da criançada reconhece como o eterno mensageiro da alegria: o palhaço. Digo a maioria e não todas porque algumas crianças têm medo de palhaços, uma fobia normal, uma vez que nem sempre a imagem causa um impacto positivo. Depende da criança, e depende do palhaço, penso eu. Alguns testemunhos foram comoventes. Foram relatados casos em que situações mais complicadas foram amenizadas graças a algum humor. Não há nada que impeça que o humor e o riso tenham lugar num hospital, lugar inevitavelmente associado à dor e à doença. Dizer que “rir é o melhor remédio” nem sempre é verdade, mas pelo menos ajuda a encarar uma realidade triste com mais optimismo.

Quando era miúdo adorava palhaços. Para mim o momento alto do circo eram os palhaços, talvez porque os diálogos fossem engraçados. Achava graça à forma como o palhaço rico levava sempre a melhor sobre o palhaço pobre, e gostava de ver o Batatinha quando ainda fazia dupla com o Croquete (o que foi feito desse?) na televisão. A maior desfeita que me fizeram foi mostrarem-me a pessoa por detrás do palhaço. Mas alguém encomendou esse sermão? Existe algo mais deprimente que saber que os palhaços são pessoas que têm sentimentos e tal, e, pior que isso, são completamente diferentes da personagem a que dão vida e cor? Isso é lógico, mas eu não quero saber! Um palhaço triste é um paradoxo que não interessa a ninguém.

A profissão de palhaço está muito longe de ser uma das mais respeitadas. Muitos vêem o palhaço como um artista ou actor que precisa de se submeter a humilhações diversas para ter trabalho. Talvez esse preconceito se deva a alguns palhaços em “part-time”, gente vulgar e sem piada nenhuma que se pinta e veste de palhaço e anima festas para ganhar uns cobres. São palhaços falsos, meros amadores que não representam a classe. Não sei se sabem, mas o indivíduo que andava a torcer balões durante algumas horas no último Festival de Gastronomia arrecadava 1000 patacas por dia. Longe de ser um “coitado”, portanto. A imagem do palhaço ficou também lesada graças a alguma utilização indevida, especialmente dada por alguns enlatados hollywoodescos. Palhaços assassinos, alcoólicos, assaltantes de bancos e outros terroristas com máscaras de palhaço, e acima de todos o Joker, o maior inimigo do “Batman”, o expoente máximo dos palhaços demoníacos.

Não é fácil ser palhaço, e mais difícil ainda ser um bom palhaço. É preciso estar em boa forma, sóbrio, e ter material preparado. Na nossa cultura é um insulto chamar alguém de “palhaço”, e normalmente pretexto para que se começe à batatada (não “à batatinha”). Enquanto isso certos indivíduos maus como as cobras sempre com cara de mete-nojo são respeitados e tidos como “sérios”. Precisamos de uma revolução que leve à inversão destes valores. Porque é que ninguém pode ser espirituoso ou que esteja sempre alegre, bem disposto e brincalhão sem que leve com o epíteto de “palhaço” em forma de insulto? Mérito para estes médicos do “nariz vermelho” que sabem muito bem que as crianças, na doçura da sua inocência natural, recebem um palhaço como um amigo que está ali para os fazer sorrir.

Já agora vou contar uma pequena história em jeito de conclusão. No início dos naos 90 estava num café lá no Montijo depois de almoço, e na televisão estava o Herman a fazer publicidade de um concurso da Danone, onde empurrava um cãozinho e dizia “vamos a cão-correr”. De pé no balcão estavam dois pintores de uma obra ali próxima a beber a bica e o mortífero bagaço, todos cagados de tinta, desdentados e com um aspecto lastimável. Olhando para o anúncio do Herman murmuraram “palhaço…”. Se disseram isto no sentido de que o Herman diverte, faz rir e dá gosto ver, tinham razão. Se o diziam no sentido de que era triste e dava pena, então estavam a olhar-se ao espelho, coitados…

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