sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Pai Natal volta a atacar


Artigo publicado na edição de ontem do Hoje Macau. Link disponível aqui.

Este é o meu último artigo antes de Natal, devido ao feriado da próxima quinta-feira, e por isso antes de mais nada queria desejar aos leitores deste jornal umas Boas Festas, e um Santo Natal. Esta é uma época envolvida numa aura de misticismo, o fim de mais um ano, um ciclo que termina. É como um bloco do notas já todo rabiscado e que se prepara para dar lugar a um novinho em folha, cheia de páginas em branco. Tudo se renova, e a esperança enche os corações, mesmo dos mais cépticos. É também uma oportunidade lucrativa para muito do comércio, pois ao contrário do Natal dos primeiros cristãos, o Menino Jesus rivaliza agora com uma espécie de nemesis: o Pai Natal. O sorridente velhinho de barba que distribui presentes é o eleito da criançada, e de facto é muito mais comercial que um bebé deitado nas palhinhas. Não seria muito credível que o mito fosse baseado num recém-nascido montado num trenó a descer por uma chaminé e distribuir presentes aos meninos que se portaram bem durante o ano. Não é lá muito convencional, e muito menos credível.
Eu próprio, e talvez infelizmente, nunca acreditei no Pai Natal. Na minha creche era uma das educadoras (uma mulher, portanto) que se vestia de Pai Natal, e ainda por cima era a mais magrinha. Não se pode dizer que tenham feito um grande esforço para nos estimular a imaginação ou em nos preservar a inocência. Sinto alguma comiseração por aqueles indivíduos que se vestem de Pai Natal nos centros comerciais, que ironicamente tentam fazer alguns cobres a todo o custo, quem sabe para que os seus tenham um Natal mais próspero, ou menos mau. Passam o dia inteiro com um sorriso forçado no rosto, debaixo de uma barba postiça que até deve ser incómoda, a abanar um sino, a dizer “ho ho ho” e a aturar os filhos dos outros. É triste. No entanto respeito essa instituição que é o Pai Natal, que até é inspirado num tal S. Nicolau, um santo grego do século IV que colocava moedas nos sapatinhos, e que é patrono das crianças – e em algumas culturas o patrono dos navegadores, mercadores, arqueiros e até dos ladrões, imaginem. A Igreja aceita-o bem, e não censura o mito por roubar protagonismo à Natividade. É um símbolo da generosidade, sentimento que se encaixa na perfeição na quadra natalícia.
E por falar em generosidade, e desculpem lá o azedume, não sinto que exista assim tanta no Natal. Não tanto como devia. É comovente assistirmos pela televisão a iniciativas como o Natal dos Hospitais, ou as ceias que se improvisam para os sem-abrigo, tudo ideias fantásticas, mas penso que as pessoas se tornam egoístas, ainda que inconscientemente. As famílias querem o melhor para si e para os seus, querem sentir-se felizes, e não querem saber dos pobres, dos necessitados e de outras coisas deprimentes que possam “estragar o Natal”. A noite da consoada é como a estreia de uma grande produção teatral: nada pode correr mal, e “fora de cena quem não é de cena”. Quando vejo as crianças abrirem os embrulhos onde encontram as últimas consolas de jogos ou qualquer outro produto marcadamente consumista da moda, fico a pensar nas outras menos felizes que se calhar já foram para a cama a chorar sem a visita do tal Pai Natal. Quando vejo a mesa farta, com comida suficiente para alimentar uma família numerosa durante uma semana inteira, penso nos que vão para a cama com fome. E há mesmo quem fique chateado simplesmente porque não conseguiu encontrar sonhos de abóbora ou um Bolo-Rei em condições. Talvez seja apenas problema meu, mas não me consigo viciar na “droga” natalícia, que nos aliena do mundo que existe lá fora, além da nossa janela.
Passar o Natal em Macau, para quem tem aqui a família, ou pelo menos parte dela, é até bastante agradável. Falta o esplendor e a ostentação da vizinha Hong Kong, mas a iluminação natalícia, os presépios e a frondosa árvore que ocupa o Largo do Senado dão um ambiente natalício quanto baste. Não falta a Missa do Galo e tudo, naquela que é a cidade asiática mais cristã por quilómetro quadrado. A comunidade macaense cumpre todas as tradições à risca, e chega mesmo a ter uma atitude muito particular em relação a esta festividade, quiçá mais próxima do verdadeiro significado do Natal que a nossa, mais centrada na celebração do nascimento do Salvador. Mesmo a comunidade não-cristã não consegue ficar indiferente ao Natal em Macau, e religião à parte, entende muito bem a sua mensagem: a da alegria. Renovo os votos de um Natal muito feliz para todos, e gostaria de deixar um abraço muito especial aos nossos compatriotas em Portugal, que vão passar a quadra numa situação económica difícil. O mais importante é que não se esqueçam do fundamental. Para passar um Natal feliz basta estarmos todos juntos e com saúde. O resto providencia-se.

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