sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Em busca da "identidade" perdida


O TDM Talk Show, um programa nem sempre interessante ao ponto de justificar a perda de uma hora do nosso precioso tempo, trouxe ontem uma discussão (em inglês) sobre o convívio das diferentes comunidades que constituem a RAEM, 13 anos depois da transferência de soberania. Os convidados foram a politóloga Agnes Lam, como representante da etnia chinesa residente, Carlos Marreiros como representante dos macaenses, portugueses mestiços de Macau, e o antropólogo francês Jean Berlie, que tem alegadamente “observado” a evolução de Macau nos últimos anos, e defende que o território tem vindo a perder a sua identidade.

Foi uma discussão muito amigável, se bem que deu para sentir que cada um dos intervenientes tinha as suas próprias noções da realidade, e que a concordância com as restantes perspectivas não passou de uma mera forma de “respeito”. Agnes Lam é uma “oumunyan” educada, que usufrui da vantagem de manter contactos a alto nível com representantes das várias comunidades que compõem a heterogenia de Macau. O facto de exercer as funções de docente e investigadora dão-lhe uma vantagem que ao mesmo tempo não significa que as suas opiniões constituam uma verdade irrefutável. Estão ainda frescas nas memórias as suas assumpções e equívocos que pautaram a sua candidatura à Assembleia Legislativa em 2009, nomeadamente a sua definição de “classe média”, ou da ausência de representação da mesma.

Quanto a Carlos Marreiros, respeito a personagem, que conheço desde que cheguei ao território, quando era já um arquitecto de respeito e figura de proa na comunidade portuguesa de Macau. Contudo não o considero seu representante por excelência, pelo menos da esmagadora maioria dos seus membros. Nem todos os macaenses têm a oportunidade de ir à bienal de Veneza, e a postura de distanciamento – bem patente nas poses próprias de modelo da Armani que o arquitecto adopta quando é fotografado – até o pode servir nos seus propósitos, mas não vejo integrado nos círculos de convívio dos macaenses ao ponto de servir como porta-voz, ou autoridade quando se trata de falar da “identidade”. E não é o único. Neste aspecto peca-se por se dar voz às elites em vez dos (ainda) milhares de macaenses comuns que vivem no território. Debater a identidade passa por dar ouvidos a quem vive o dia-a-dia da região e faz pela vida integrado na nova realidade que surgiu há 13 anos. Quem tem a vidinha garantida graças a estatutos advindos do “politicamente correcto” dificilmente terá uma noção objectiva da realidade.

Quanto a Berlie, é um estudioso do ramo da antropologia, e terá pouco mais que um conhecimento meramente académico da realidade de Macau. Por muita investigação, trabalho de campo ou entrevistas que se façam, não há nada como o convívio e a experiência no terreno. É compreensível que o exemplo de Macau sirva como um “study-case” interessante para as ciências sociais, mas é difícil tirar conclusões definitivas através do conhecimento “in livro”. O cidadão médio que tenha passado os últimos 30 ou 40 anos no território terá uma perspectiva mais elaborada do que todos os académicos e investigadores, por muito extensiva e documentada que seja a sua pesquisa.

Isto da identidade não é algo que se possa teorizar ou relativizar. Cada um terá a sua própria percepção da identidade; há quem tenha nascido em Macau e se considere chinês, usando a bitola da etnia e da localização geográfica; há quem se considere português, baseando-se na nacionalidade ou na descendência; há quem se considere apátrida, ou simplesmente “cidadão de Macau”, e não leve isso da identidade muito a sério. Generalizar ou procurar uma identidade única é simplesmente impossível. O que não significa que não se possa discutir, debater, investigar ou procurar respostas. É até salutar. Mas não se pense que se podem chegar a conclusões definitivas. E mesmo que fosse, o TDM talk show teria que dar voz a muito mais gente do que os três convidados de ontem.

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