Uma delegação da Universidade de Macau deslocou-se a Israel para saber mais sobre o Holocausto. O grupo de docentes chineses foi inteirar-se
in loco do sofrimento recente do povo judeu, que por incrível que pareça, ainda hoje sofre de descriminação por uma quantidade de motivos que se prendem com a ganância humana, e que não são um tema digno de abordar. É interessante que se organizem iniciativas destas, pois o que se sabe de cultura geral por estas bandas é realmente muito pouco.
Uma conversa mais demorada com um colega ou amigo chinês (ou com a minha mulher, nem é preciso ir mais longe) leva e entender que algo se passou de tragicamente errado com o ensino da História e Geografia universais em Macau. Primeiro existe a mentalidade de que ler livros ou ter cultura “não dá dinheiro”, o que deixa logo metade da população de fora. Depois a falta de motivos de interesse cultural e o facto da arte que aqui chega ser cara e pobrezinha deixa os restantes desmotivados.
Falando no Holocausto, por exemplo. Alguns colegas com que falei acham que “já foi há muito tempo”, e muitos "não sabiam" que existiam ainda sobreviventes. Sobre o ano do Holocausto temos respostas que variam entre 1930 e os anos 50. Outros não relacionam o Holocausto a Adolf Hitler. A minha mulher diz que a História que aprendeu foi “a história da China”, e sobre a História Universal tiveram “umas noções”. De facto deve ser muito mais importante saber as dinastias, as guerras, os imperadores e tudo mais da atribulada história chinesa do que se passava no resto do mundo (a este ponto gostava de dizer que também considero completamente inútil aprender sobre a História medieval de Portugal, mas deixem lá).
Os conhecimentos geográficos são paupérrimos, mas muito por culpa da própria língua chinesa. Como não usam o alfabeto, atribuem nomes chineses aos lugares, muitas vezes imitando o som da palavra original. Muitos não sabem a diferença entre Eslovénia (斯洛文尼亚) e Eslováquia (斯洛伐克) (também não são os únicos), e nenhum que conheci até hoje me soube distinguir Mónaco (摩納哥) de Marrocos (摩洛哥) - só o caracter do meio é diferente, e o som é semelhante.
Isso dos nomes em caracteres chineses tem muito que se lhe diga. Se lhes falamos de Einstein ou Gandhi, reconhecem imediatamente, mas para identificaram Mêncio e Freud, por exemplo, precisam saber o nome em chinês. A BBC não passou por aqui. Pelo menos os mundiais de futebol tiveram o condão de ensinar alguma geografia à populaça. Ficaram pelo menos a saber que os Camarões e o Senegal são em África, ou a Costa Rica na América Central.
As datas históricas são causam também uma certa confusão. A Revolução Francesa terá sido "em 1800-e-qualquer-coisa", a Primeira Guerra Mundial "começou em 1910", a Segunda "terminou nos anos 50", o "crash" da bolsa nova-iorquina e o início da grande depressão foram "no início dos anos 20". Curiosamente as datas da instauração da República da China e da República Popular estão bem decoradas, bem como outros factos relacionados com a História da China.
Não sei se a nova geração terá agora noções elementares do que se passa fora do contexto da grande China, mas a tendência para olhar apenas para dentro de portas parece já antiga. Tenho a certeza que aos alunos de Macau se ensinam detalhadamente factos como a agressão japonesa, a Guerra do Pacífico, os heróis e os seus grandes feitos. Até da forma como a História pode ser moldada e manipulada, o almirante eunuco Zhang He já "vale mais" que o nosso Vasco da Gama. Qualquer dia ainda se descobre que foi ele quem afinal descobriu a América.
16 comentários:
Já agora, caro Leocádio, porque é que a delegação não aproveitou para saber também alguma coisa sobre o sofrimento palestiniano?
Imagine-se a malta a perguntar-se os porquês da Revolução Francesa...
"...o almirante eunuco Zhang He já "vale mais" que o nosso Vasco da Gama. Qualquer dia ainda se descobre que foi ele quem afinal descobriu a América..."
Está implícito neste reparo que Vasco da Gama descobriu a América?...
Sim, está. (sinceramente, às vezes falta-me a paciência...)
Para que se inteirem do sofrimento palestiniano: “Nos arredores de Belém, na Cisjordânia, foi inaugurado o novo Estádio Internacional da cidade de Al-Kahder. A construção foi financiada por Portugal, através do Instituto Português de Cooperação para o Desenvolvimento, e é certificado pela FIFA…uma oferta de Portugal aos desportistas palestinianos cuja construção custou dois milhões de dólares“. Mais sofrimento.
Sobre o sofrimento dos cristãos mortos no Iraque nos passados dias nem uma palavra. Dezenas de cadáveres em nome de Alá não provocam nem uma ínfima percentagem do cagaçal que se faz neste blogue à conta dos católicos, com medo de ferir a muito sensível religiosidade de alguns enraba-cabras.
olha que é perfeitamente normal que os chineses saibam muito mais sobre a História da China do que a História mundial, se bem que tb é importante q saiba mais ou menos o que se passa no mundo... pelo menos eles sabem sobre a História do país deles, ao contrário de Portugal, que nem sabe nada sobre a História de Portugal como nao sabem nada sobre a História mundial... há mt pessoas que nao sabem qd foi a restauraçao da independência, a viagem de Vasco da Gama, a implantacao da república, quem foi o primeiro rei de Portugal, etc. Neste aspecto, os portugueses sao piores do que os chineses... nem olham pra dentro nem pra fora... e Zhang He foi tb um grande explorador, tal como Vasco da Gama...
e vcs nao acham q cá na Europa tb há mt manipulacao histórica. Ex: ensina-se mt vezes nas escolas que a Revolucao Francesa foi um mar de rosas e o melhor que ouve. Apesar de eu concordar que a Revolucao é boa no sentido de defender valores como a liberdade, a Revolucao matou tb uma carrada de pessoas (ex: nobres, padres, religiosos, cidadaos comuns, partidários de diferentes faccoes revolucionárias...). Nas escolas, nao se ensina nada disso... parece q a Revolucao foi imposta sem sangue nem sofrimento. Uma Revolução que causou tantos mortos, tanto sofrimento, que produziu um Napoleão (que invadiu tantos países), não deve ser melhor reflectido e discutido nas escolas?? nao será a Revolucao americana mt melhor do que a Revolucao francesa?? aliás, dpx da Revolucao francesa, instaurou-se várias ditaduras que espalhavam terror (ex: jacobinos), o que culminou com a ascensao de Napoleão. Isto nao é manipulação de História??
Dizer que não tem interesse conhecer a Idade Média Portuguesa revela uma ingnorância descarada e o pior é não ter consciência dessa mesma ignorância. Não diga nada que só se enterra, pois não se deve opinar do que não se sabe.
Para quem diz: "(sinceramente, às vezes falta-me a paciência...)" deveria ser mais cuidadoso com as opiniões e referências históricas e com a expressão escrita. Com a opinião formulada,parece estar a compartimentar o que é e não é importante na História. Não reconhecer o valor do "almirante eunuco", nem dar valor à Idade Média parece-me demasiado redutor para quem se mostra tão consciente dos valores culturais que defende para o ensino em Macau.
é natural que os chineses queiram aprender da história de Portugal... eu se fosse comprar as dívidas de álguem, também gostaria de ter algum background sobre essa pessoa.
Se eles ou menos soubessem a história de Macau... a original, claro.
AA
Eu dou importância à Idade Média sim, mas não o suficiente para ser a única coisa de que se fala durante o 10º ano de História, por exemplo. Discutir intensamente a importância das cartas de foral e dos servos da gleba não terá nos dias de hoje muitas aplicações práticas. Sempre defendi que desde o início do ensino secundário devia existir uma disciplina de História de Portugal e outra de História Universal, que além de muito útil, seria também muito mais interessante. Fez-se essa experiência em alguns institutos com uma cadeira denominada Mundo Actual, e penso que seria um bom exemplo a seguir. Agora se os senhores quiserem pegar nas minhas palavras e distorcê-las, como sempre fazem, estejam à vontade.
Cumprimentos.
lembro-me que lá pela 3ª classe me doctrinaram o conceito da pirâmide social...
Como o Leocardo diz, se isso não dá dinheiro para quê chatearem-se com isso?
nem sempre o ensino de História tem utilidades práticas... o Leocardo critica que os chineses não querem enriquecer-se culturalmente pq a cultura não dá dinheiro (dizem eles...), mas agora o Leocardo está a dizer que saber sobre a Idade Média portuguesa não tem muitas aplicações práticas?? entao estamos o leocardo está com o pragmatismo materialista chinesa ou com o humanismo europeu, em que a aquisição da cultura deve ser desinteressada?? eu concordo com o leocardo qd ele defende que devemos ter uma cadeira de História portuguesa e História mundial no secundário (mas, estas duas disciplinas devem ser integrados numa só cadeira, visto que estas duas Histórias podem ser facilmente interligadas). Mesmo sem aparentes utilidades práticas, a História é fundamental pra uma pessoa conhecer o seu passado, as suas tradições, as suas raízes culturais... uma pessoa sem noções históricas nao sabe perfeitamente a sua identidade cultural.
"a História pode ser moldada e manipulada". Pois claro que pode e é-o a todo o momento. Por exemplo, em Portugal ensina-se às criancinhas que o 5 de Outubro de 1910 e o 25 de Abril de 1974 foram coisas muito boas para Portugal...
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