Cooperação e prostituição

Fui ao hospital pela hora de almoço, e no regresso passei pela zona da Guia, e deparei com um grupo de meninas que aparentavam ser prostitutas à porta do Laboratório de Saúde Pública, ali perto do infame Hotel Guia. Obviamente que esperavam pela necessária inspecção mensal, uma exigência que lhes permite continuar a laborar nas saunas e clubes nocturnos do território. É que caso tenham um resfriado, pode passá-lo ao freguês, que depois sai de Macau constipado. É curioso como profissões como bailarina ou massagista requerem este tipo de inspecção médica. E o pianista? E o barman? E o domador de leões? Não precisam?

Isto tudo a propósito da notícia da assinatura de um protocolo de cooperação entre Macau e a Mongólia (e logo a Mongólia...) no combate ao “tráfico humano”. É lamentável que Macau esteja na lista negra das organizações que combatem este flagelo, até porque penso que Macau não é pior que muitas cidades da Europa (Lisboa, por exemplo, chega a assustar) e certamente muito melhor que muitas cidades da América no que toca às condições humanas das (e dos) profissionais do sexo.

O que estes senhores não percebem, porque não vivem cá, é que a prostituição é uma indústria, que co-existe numa relação de simbiose com o jogo, o branqueamento de capitais, isso tudo. Onde há dinheiro há gajas, como dizia aquele grande poeta, o ‘ti Joaquim de Olhão. É preciso perceber que a prostituição em Macau é na esmagadora maioria dos casos voluntária. Claro que existem casos de angariamento à força, de meninas que pensam que vêm para cá iniciar uma carreira no showbiz e depois são atiradas em pensões infectas onde aviam vinte ou trinta homens por dia, claro, aqui há isso tudo. Mas onde não há? Muitos destes casos normalmente são identificados pelas autoridades e os criminosos são detidos. So, what’s the problem?

O processo de recrutamento “desta mão-de-obra”, como disse uma vez Ana Perez, não passa por barcos cheios de escravas acorrentadas, arrancadas do ventre das mães numa terra distante. O que se passa aqui é uma espécie de “agenciamento”, que mesmo sendo ilegal, é bastante tolerado. Se não fosse, já não havia cadeia que chegasse para meter lá toda a gente. Existem opções para todos os gostos, desde um tirinho por cem patacas na zona do Porto Interior ou do Iao Hon, até uma queca mais elaborada com direito a tudo por vários milhares de patacas (quanto mais milhares, mais elaborada).

Na zona do Porto Interior, por exemplo, as prostitutas são normalmente mulheres da China continental, que entram com visto de turista, vêm aqui fazer umas massas e voltam para casa quando muito bem lhes apetece. Muitas destas mulheres são desempregadas, algumas são mães de filhos lá na China, o que queriam que fizessem? Que fossem roubar? As autoridades sabem perfeitamente em que locais se faz a solicitação do sexo em plena rua, mas isto está a roubar o pão da boca de quem?

A prostituição de luxo é algo de extraordinário. Primeiro é extremamente caro (com três mil patacas preferia ir jantar lagostas no Aux Beaux Arts do MGM), e segundo levam a cenas completamente surrealistas, como o célebre engarrafamento de putedo a certas horas em pleno Hotel Lisboa (pudera, com esta publicidade na internet...).

É certo que as tríades controlam grande parte da prostituição mais cara, mas o ratio de crimes violentos relacionados com a actividade são extremamente baixos. A prostituição em Macau convive lado a lado com a população. Só não sabe onde se pode encontrar uma prostituta em Macau quem é parvo ou chegou ontem, e mesmo a esses os taxistas dão uma ajudinha.

Não vou voltar a insistir aqui na legalização da indústria, porque “não é uma actividade digna”, segundo a justificação hipócrita de quem de direito. O que era digno era que se tirassem as prostitutas da rua, das pensões, dos hotéis, dos casinos e de toda a parte, e as metessem em locais onde vão pessoas que procuram esse tipo de diversão, devidamente autorizados, sanitarizados e crime-free. Não era pedir muito.