Cidade sexy?

Uma das coisas de que gosto de falar e penso que se fala muito pouco em Macau é a sexualidade, e a educação sexual, ou a falta dela. Digam o que disserem os indicadores daquelas revistas de credibilidade duvidosa, Macau não é uma cidade sexy. Não consegue ser sexy porque a esmagadora maioria da população tem pudor em abordar ou discutir assuntos de sexo. O que existe aqui é uma grande extravagância sexual, que se expressa em eventos como a Asian Adult Expo, realizada no território recentemente, que por ser isso mesmo – uma extravagância – é visto como uma “curiosidade engraçada”.

Quem se refira a alguém como “sexy” (um elogio na cultura ocidental) ou utilize linguagem com conotação sexual é considerado um prevertido, ou na versão local, um hum sap lou (o tal “rapaz salgado e molhado”). É um pouco difícil a um espírito livre que considere o sexo uma coisa normalíssima poder expressar a sua gentileza quando gosta do lencinho da menina do BNU, ou do joelho da colega que encontra no elevador. Não sei que estado é este de semi-loucura que obriga a que se ignorem as coisas bonitas, sob o risco de ser considerado um tarado sexual. Procurando a raíz do problema, responsabilizo em primeiro lugar os pais, em segundo o sistema de ensino, e em terceiro lugar a Igreja (não podia faltar).

Os pais porque não cumprem o seu dever de educar e orientar os filhos quanto à sexualidade, e não deixarem mais ninguém fazê-lo. Qualquer pesquisa da esquina da rua feita em meia hora indicaria que a grande maioria dos pais de Macau são contra a educação sexual nas escolas. É compreensível, pois muitos deles são gente que trabalhou no duro, e pensa que a sexualidade é uma coisa suja, uma vez que no tempo deles foi praticada em condições miseráveis e sem imaginação nenhuma. Só que hoje os jovens não precisam de carregar tijolos para comprar arroz, e é normal que os seus horizontes são mais largos. Se nem os pais nem a escola os educa condignamente quanto à sexualidade, quem o vai fazer? Os predadores sexuais e os traficantes de pessoas certamente não se importariam, em alguns casos.

O sistema de ensino leva com grande parte das responsabilidades, pois nunca considerou o problema, e deixa o assunto entregue aos psicólogos. E porquê aos psicólogos? Porque quem pensa muito em sexo “precisa de auxílio psicológico”, em suma, é maluquinho. O sistema de ensino delega a enorme responsabilidade de ensinar aos jovens o que é o sexo às aulas de Biologia. A Biologia ensina o que é aquilo que têm no meio das pernas e de onde vêm os bebés, o que deixa muitos jovens da classe média operária a pensar até muito tarde que o sexo “é para fazer bebés”. Aposto que se um jovem interromper uma destas aulas de Biologia e sugerir que o sexo se faz “por prazer”, está metido num grande sarilho.

Isto leva-me ao terceiro responsável por este estado de coisas: a Igreja Católica, os salesianos, as carmelitas, os franciscanos, isso tudo. Em que raio de ditadura se vivia em Macau para que existissem (e existam!) escolas só para rapazes e escolas só para raparigas? Isto leva a que os jovens não tenham contacto algum com o sexo oposto que não seja da família, às vezes até ao fim da adolescência. Isto a mim parece-me tétrico. A igreja formou gerações inteiras de adolescentes cuja sexualidade foi reprimida até ao limite. A cortina de ferro que se levanta à proliferação de sex shops, como acontece em outras cidades desenvolvidas, não é mais do que uma obra do moralismo imposto por uma sociedade que se quer saudável e obediente, mas não dá jeito que seja muito progressista ou civilizada.

A pornografia, onde se podem aprender imensos aspectos técnicos do sexo e mesmo posições ou outras formas de explorar o corpo, é visto apenas como um instrumento de auto-gratificação. Quem for visto a adquirir um vídeo de pornografia, subentende-se logo que vá para casa “brincar aos bombeiros”, e que não se trata de “material didático”. Conheço casos de jovens que nunca namoraram até aos vinte e poucos anos, e casos em que, pasme-se, em pleno século XXI, “foram virgens para o casamento”. (Não me passa pela cabeça adquirir uma companheira para o resto da vida sem saber o que me esperava, mas isto sou eu).

A excelente RTHK rádio, de Hong Kong, transmitiu há algum tempo um debate sobre sexualidade, infelizmente apenas em língua chinesa, em que foram convidados (aí está...) psicólogos e médicos. Um destes médicos contou o caso de um jovem casal que se tinha conhecido na universidade e casado recentemente. Passado algum tempo a jovem visitou-o perguntando-lhe “porque não conseguia engravidar”. Depois de um pequeno questionário, o médico determinou que o casal, ambos licenciados na HK University, “não sabiam como se fazia”, e ela pensava que “bastava dormirem juntos”. Parece ridículo, mas quem tem mais contacto com a realidade em vez de ficar a olhar para os números apercebe-se bem que casos destes não são de todo inacreditáveis.

Além de não ser uma cidade sexy, em Macau verifica-se muita opressão e agressão sexual. A homossexualidade, por exemplo, não é nada bem vista, e os gays mais habituados à tolerância e ao glamour não se demoram muito por estas paragens. Os homens encontram-se furtivamente em jardins e urinóis públicos, comportando-se como se estivessem no Irão. As lésbicas comportam-se ora como verdadeiros transgenders, exibindo a promiscuidade, ora como uma sociedade secreta, E curiosamente, não existe ninguém, mas ninguém da política, da cultura ou das artes que se assuma como homossexual, ao contrário de outros países com que Macau podia aprender muito mais.

A agressão aqui é representada pela prostituição, que por incrível que pareça, continua a ser uma actividade ilegal em Macau. Nas saunas dão-se massagens, nos salões dança-se, nos clubes nocturnos bebem-se uns copos com as meninas. Prostituição é que não. Já disse aqui um vez e repito por ser verdade: há alturas em que é mais fácil encontrar na rua uma prostituta do que um táxi. Mas pode ser que sejam estas, as prostitutas, as verdadeiras heroínas da educação sexual em Macau. Querem saber como é? Elas ensinam tudo e mais alguma coisa. E em Macau nada é de graça, n’est pa?