Leio no Hoje Macau mais um
excelente trabalho da incansável Luciana Leitão sobre o Estabelecimento Prisional de Macau, em Coloane. A jornalista visitou o EPM e deu-nos a conhecer um pouco mais desta realidade cruel que muito poucos de nós, felizmente, conhece. Temos o hábito de dizer que "o tempo voa". Ainda hoje encontrei um amigo que me diz que a sua filha já vai fazer dois anos. Ainda parece que foi ontem que visitei a menina na maternidade do Centro Hospitalar Conde S. Januário. Para nós, pássaros livres o tempo voa mesmo, a vida parece apenas um instante. Mas para os residentes do EPM não é bem assim. O meu amigo R., que esteve detido durante três anos entre 2003 e 2006, que o diga. R. foi detido por tráfico de estupefacientes em pequenas quantidades.
O início é um choque, e os dias passam muito lentamente sobretudo a pensar nos porquês de se ter chegado a tal situação. A ténue esperança da absolvição em julgamento vai alimentando a ilusão, e uma vez que se dá a condenação, "já não é assim tão mau", e no fundo o recluso "já está habituado" ao cárcere. A comida é de má qualidade, a biblioteca tem só praticamente livros em chinês. Além dos trabalhos oficinais referidos na reportagem do Hoje Macau, os presos recebem algumas centenas de patacas mensais por trabalhos como a recolha do lixo, a ajuda na cozinha e na enfermaria, que "dão para os cigarros". A moeda que se usa no EPM é a nota de cem patacas. É quanto custa uma lata de Coca-Cola (!), uma lata de atum ou meia dúzia de ovos. Quem tem dinheiro vai tendo uma vida mais cómoda entre grades.
As visitas são semanais, e obedecem a um ritual quase fúnebre. As primeiras visitas contam sempre com a presença dos familiares, da família, da namorada e até de alguns amigos. É o momento de se carpir as mágoas, e quase todos choram. À medida que o tempo passa vai aparecendo apenas a família; os pais no caso dos presidiários mais jovens, os cônjuges para os casados. Às vezes não aparece ninguém. R. contou-me que alguns dias eram simplesmente passados na cela a olhar para o tecto, interrompidos apenas pelas refeições, visitas, idas ao barbeiro e até mesmo serviços religiosos. Tudo serve para quebrar a monotonia. O ambiente não é muito mau, tendo em conta que se trata de uma prisão. As rixas não são frequentes, nem as violações ou outras ideias feitas que se têm das prisões em geral.
Congratulo-me com as notícias de que vão havendo cada vez mais cursos de formação e aulas dentro do estabelecimento. Uma professora contou-me que ficou maravilhada pelo comportamento e pela atenção prestada pelos reclusos do EPM, e salientou "a vontade de aprender". No próximo dia 31 realiza-se no Fórum uma amostra de trabalhos de reclusos do EPM, e conto estar lá e adquirir alguns dos trabalhos. Não por pena ou por caridade, mas pela qualidade do artesanato, feito com dedicação e abnegação. Aliás encontram-se lá mesmo coisas bastante úteis.
Temos conhecimento quase todos os dias através da imprensa de novos casos de detenções, por burla ou roubo, mas a maioria por tráfico de drogas. Ontem foi notícia a tal maior apreensão de sempre da droga
ice, e hoje li que a PSP deteve dois jovens por posse e consumo de ketamina, o tal analgésico utilizado em cavalos. Sabemos que estes casos são entregues ao Ministério Público, o que não sabemos é quantos resultam na prisão preventiva. Agora que tanto se fala da construção de mais um estabelecimento prisional, começo cada vez mais a pensar que esta é a única forma que vai havendo em Macau para combater o crime: o castigo. Mas se assim for, que seja com a maior dignidade possível. E já se sabe, pimenta nos olhos dos outros não dói. Nunca dói.
2 comentários:
Sem duvida! Uma excelente reportagem da Luciana Leitão. Jovem, mas grande jornalista, aliàs, na linha de outras e outros jovens que ultimamente chegaram a Macau e constituem uma "luzinha"muito brilhante no desinteressante jornalismo que se fazia por estas bandas . Força!!!
Só falta vir para cá bons comentadores de desporto, que quando ouço os comentários nos jogos de futebol até me arrepio com tanta patacoada. No resto não me queixo.
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