quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Vamos ao dentista?


Tenho um amigo que se pela de medo do dentista. Quando lhe dói um dente aguenta, usa todas as mezinhas conhecidas, reza, e apenas em última instância recorre ao estomatologista, e ironicamente sai de lá satisfeito, e chega mesmo a elogiar o profissionalismo do cirurgião dentário. Assim está pronto para outra – quando lhe doer outra vez um dente além dos limites do suportável.

Não há nada pior que uma dor de dentes. As mulheres dizem que apenas as dores de parto são piores, mas já se sabe, as mulheres são umas exageradas. É difícil evitar a ocasional ida ao dentista. Por muito que se cuide da higiene oral, a boca é um santuário encerrado durante a maior parte do tempo, e sem que demos por isso, ocorrem ali episódios bacteriológicos que provocam cáries, tártaro, halitoses e outras doenças da boca. Brrr…doenças da boca. Que nojo.

A odontologia – assim se chama a ciência do tratamento dentário – evoluíu à brava nos últimos anos. Tempos houve em que o barbeiro da aldeia acumulava as funções de dentista, e o paciente era embebedado de bagaço antes da extração de um dente. A extração era a única opção disponível antes do evento das obturações, dos pivots, dos implantes e das outras mil e uma opções que existem nos dias de hoje. No tempo dos nossos avós as opções estavam limitadas aos dentes arrancados e ao uso da placa de plástico. Ou em alternativa uma boca desdentada e encolhida, a fazer lembrar uma bruxa ou um velho doido varrido. Sim, tivemos mesmo muita sorte.

O dentista é ainda visto por muitos como uma espécie de sádico, alguém que gosta de torturar outro ser humano com agulhas, brocas e alicates. Apesar dos tratamentos serem praticamente indolores nos tempos que correm, o preconceito subsiste: batas brancas, instrumentos cortantes e lâmpadas apontadas ao rosto são um cenário digno de uma autópsia. Pouco importa que o dentista seja um gajo jeitoso e simpático ou uma tipa boazona. É alguém que se prepara para nos meter a mão na boca com os seus instrumentos. Mesmo fora de contexto, isto não soa nada bem.

Pessoalmente nunca tive nenhuma antipatia especial pela profissão, e assusta-me a ideia de um mundo sem dentistas. Isto pode parecer um contrasenso, mas até acho piada à sensação de dormência na face causada pela novocaína, componente principal da tal anestesia. O único senão é o preço dos tratamentos dentários, e em alguns casos uma revisão completa mais os arranjos necessaries saem tão caro como comprar um automóvel. Não surpreende que tanta gente recorra ao dentista apenas em ultimo recurso: além de nos esburacarem a boca, esvaziam-nos a carteira.

Em Macau a população descura muitas vezes a higiene oral, e profissão de dentista continua a não ser muito bem vista. Quando o Governo atribuí os tais vales de saúde (este ano são 600 patacas) a população prefere gastá-la nas farmácias chinesas na compra de barbatanas de tubarão, pepinos do mar, ninhos de andorinha e outros ingredientes dignos de entrar na composição da poção de uma bruxa do que numa necessária limpeza de dentes. O argumento do preço dos tratamentos é utilizado como desculpa, mas há quem troque de telemóvel de seis em seis meses e tem a boca numa lástima.

As novas gerações têm menos receio do dentista. Ou pelo menos deviam ter. Longe vão os tempos dos alicates, das bacias metalizadas, dos trapos de gaze, dos consultórios cinzentões com salas de espera onde se liam revistas de há muitos meses atrás. Algumas das clínicas apresentam-se com um ar muito modernaço, com acesso à internet e tudo, e sempre muito higienistas, apesar de ainda não se terem conseguido livrar daquele irritante cheiro a éter. O melhor mesmo é não partilhar com os nossos filhos o pânico que sentiamos quando era dia de consulta no dentista. É um daqueles traumas que não nos resta senão recalcar. E o barulhinho daquelas brocas? Bzzzzzz……

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