sábado, 9 de fevereiro de 2013

A hora da cobra

Uma cobra branca é exibida em Taiwan nas vésperas do Ano Novo Lunar.

Tinha uma namorada que se pelava de medo de cobras, serpentes, víboras, boas, anacondas, pitons e toda a espécie de reptéis rastejantes e com pernas. O aparecimento de uma destas criaturas na televisão era razão mais que suficiente para mudar de canal, e a fobia era tal que nem se podia falar de “cobras”. Quando lhe perguntei porquê, disse-me que a principal razão era o meio de locomoção do réptil: rastejante e sem pernas. Nunca fiz a experiência, mas desconfio que se a moça vise uma inofensiva minhoca entrava em pânico.

Não sei diferenciar uma cobra de uma jibóia ou do resto da complicada espécie, deixo isso aos especialistas, mas tenho que admitir que o design não é o mais chamativo. Além da já referida qualidade rastejante, ainda têm o corpo coberto de escamas, uma língua bifida e um olhar hipnótico que causa arrepios a muita gente, já para não falar no mortífero veneno presente no aguçado dente de grande parte destes répteis. Eu até não desprezo o bichinho, e prefiro pensar nela como uma tartaruga mais esguia.

Habituei-me ao bicho desde pequeno. A sala dos reptéis nos zoo de Lisboa era sempre motivo de uma visita mais demorada; considerava a família das serpentes fascinante. Quando fui pela primeira vez à Tailândia, paguei 100 baht para tirar uma fotografia com duas cobras enormes, a quem tinha sido retirado o venenoso dente, e que eram mais inofensivas que um velho vampiro desdentado. Na China comi cobra algumas vezes, com a perfeita consciência disso, e não me causou qualquer espécie de asco. Para mim é só mais uma das criaturas da natureza, e se for comestível, ainda melhor. Uma vez cozinhada e no prato, para mim a cobra é apenas uma enguia que se esqueceu de viver no mar.

Mas compreendo a má fama que a serpente leva. Fazendo fé na Bíblia e no livro da Genesis, Satanás, o desafiador, disfarçou-se de serpente e levou Eva a cometer o pecado original. Querem um começo pior que este? Nos documentários do National Geographic e afins de que tanta gente gosta, a serpente aparece normalmente a devorar animais mais pequenos, alguns deles bastante simpáticos e que dá pena ver morrer de forma tão cruel e violenta, ou a engolir surrateiramente os ovos de pássaros, aniquilando assim uma vida que nunca chegou a ser, numa atitude cobarde. “Filha da puta da cobra”, desabafam os espectadores mais revoltados.

Não sei o que pensam os nativos da Serpente, os que este ano completam 12, 24, 36, 48, 60, 72, 84 anos de vida ou mais, com alguma sorte, sobre o animal que lhes calhou no zodíaco chinês. Podia ser pior – eu pessoalmente preferia ser da serpente do que do rato. Tal como o Tigre (de que sou nativo) , igualmente perigoso para os humanos, ou o Dragão, que não existe, é um dos poucos animais dos doze da velha lenda que não dá para ter em casa ou no quintal, ou para fazer festinhas. Mas relaxem, isto não é importante, e seja qual for o bicho que sai na roda, a malta vai festejar na mesma, e no caso particular da Serpente, realiza-se uma operação de charme que nos faz esquecer os seus nefastos vícios e a sua amaldiçoada natureza. A cabrona…

KUNG HEI FAT CHOI

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