Aviso: este post contém “spoilers”.
A TDM transmite de segunda a sexta-feira a novela da Rede Globo “Viver a Vida”, entre as 22:15 e as 23:00. Como passo normalmente o serão na sala a escrever no blogue, acompanho sempre a novela, depois vou para o banhinho e recolho aos meus aposentos, ora bem, não interessa. Esta é uma novela mais ou menos recente (2009), e recheada de actores de nomeada. Foi um sucesso no Brasil, aparentemente, e existe mesmo um website muito interactivo que podem encontrar
aqui. Penso que a representação e a realização são de altíssima qualidade, como seria de esperar da Globo, mas o argumento é uma desgraça. “Viver a Vida” é uma novela absolutamente condenável, que prima pelo deboche e por comportamentos anormais e tragédias em catadupa, que nem sei por onde começar.
Basicamente os personagens principais são Marcos (José Mayer), Helena (Taís Araújo), Luciana (Aline Moraes), Tereza (Lília Cabral) e os gémeos Jorge e Miguel, ambos interpretados por Mateus Solano. Marcos é um milionário meio falido e mulherengo, que acaba por se apaixonar por Helena, muito mais jovem, e eventualmente casam. Helena, uma modelo de sucesso, é rival de Luciana, que por acaso é filha de Marcos e da sua ex-mulher Tereza, por acaso também ex-modelo, uma mulher seca a amargurada com a separação. Luciana divide as atenções do seu namorado Jorge, um arquitecto filho da puta, e do seu irmão gémeo Miguel, um médico pândego e irritante, aquilo que os brasileiros chamam “um cara-de-pau”.
Numa digressão pelo norte de África, Luciana sofre um acidente e fica tetraplégica, o que abre portas a um clima constante de tragédia, traição, promiscuidade e decepção sem redempção, que se extende a todos os personagens e enredos. Primeiro considero que a tetraplagia é um tema muito delicado, e esperava um argumento destes de um filme de Almodovar, e nunca de uma telenovela brasileira. Enquanto Luciana recupera (primeiro spoiler: vai recuperar totalmente), os dois irmãos brigam, com Jorge possesso de ciúmes, que leva a que se verifique “confrontação física entre irmãos gémeos”, algo interdito a menores de 18 anos. Jorge tem uma namorada, Renata (Bárbara Paz), uma jovem alcoolica, sem que no entanto se perceba muito bem as razões porque bebe. Será porque é filha de uma cartomante amadora?
Entretanto o acidente de Luciana cria um clima de tensão em toda a família, uma vez que Helena é apontada como principal culpada. Tereza quase que enlouqece, e passa a viver para a filha Luciana, que poderá nunca voltar a andar. Isto preocupa a mãe dos gémeos, Ingrid (Natália do Vale), que não quer ver o filho (ou um deles, ou os dois) casado com uma mulher entravada, e que não lhe pode dar netos. Entre conversas cruéis sobre abortos e afins e alguma tensão física, Marcos e Helena acabam com amantes. Marcos com Dora (Giovana Antonelli, como sempre uma grande vaca), e Helena com Bruno (Thiago Lacerda, que é de origem portuguesa, ouvi dizer).
Dora é a personificação da degradação feminina. Dorme com qualquer um e dá a entender que é muito boa na cama. Apesar de Marcos ser o marido da sua melhor amiga, é vê-la a estalar de desejo como se fosse uma cadela no cio. Dora é divorciada de Lucas (Rogério Romera), um indivíduo horrível saído de um filme de terror, e de quem tem uma filha, uma adorável e inocente criatura que é obrigada a assistir a orgias entre adultos. Dora engravida na mesma altura em que anda a fornicar com Marcos e chega a ter relações com um velho argentino para quem trabalha, um tal Maradona (Mário José Paz), numa noite em que se embriagou (spoiler número dois: o filho é do argentino). Degradante, existem mesmo mulheres assim? (E onde estão elas?).
Helena é uma falsa púdica, e entrega-se completamente a Bruno, que nem precisa de lhe tocar com a língua no clitoris para a deixar ensopada (peço desculpa, mas é assim mesmo). E por falar em mulheres burras e degradadas, existe um argumento paralelo envolvendo a irmã de Helena, Sandra (Aparecida Petrowky) que engravida de Benê (Marcello Melo Junior) um marginal da pior espécie, daqueles das favelas. O padrasto de Sandra, Ronaldo (Paulo César Melo), topa o malandro à distância, mas tanto Sandra como a sua mãe Edite (Lica Oliveira) são a favor de “dar uma oportunidade” ao marginal, tudo porque “afinal é ele o pai do filho de Sandra”, uma paneleirice pegada. Nada disto pode ser verdade, as mulheres não são tão burras assim. Este Benê é um personagem com evidentes problemas mentais e de integração, e mesmo quando é simpático tem cara de quem vai matar alguém. Acho que em alguns países é legal dar um tiro em pessoas assim.
Noutro argumento paralelo, Isabel (Adriana Birolli), outra filha de Marcos e Tereza, é uma víbora provocadora e racista que cada vez que abre a boca insulta horrivelmente alguém. Quem pensou num personagem destes? Existem ainda pessoas assim que não tenham sido atropeladas numa passadeira ou fuziladas contra uma parede? Enquanto Isabel insulta, consegue também atrair homens, e tece com a sua irmã adoptiva Mia (Paloma Bernardo) considerações sobre relações sexuais e orgasmos. Mia é virgem (isto é relevante nesta novela), e portanto quer saber como é, enfim, mais degradação e matéria para psicanálise profunda (spoiler número três: no fim Isabel conquista um americano rico, o que deve ser o prémio por ser tão puta e bruxa).
Os únicos momentos de boa disposição são trazidos por Gustavo (Marcello Airoldi) e Betina (Letícia Spiller, lindíssima, e que fez 38 anos no último domingo), um casal que tem, adivinharam, amantes, e que chegam a pensar que estão com outra pessoa enquanto fazem amor um com ou outro. Se isto fosse noutros tempos a novela passava à uma da madrugada e com uma bolinha no canto do ecrã. Mesmo esta boa disposição implica traição, deboche e porcaria, e a sério, porque é que os dois não se sentam à mesa, divorciam-se e depois vão lá fornicar quem quiserem à vontade?
Claro que tudo isto é apenas a minha opinião, e não quer dizer que a telenovela seja má. Como já disse é executada com mestria, entrega o que promete (“Viver a Vida” de deboche e putaria), e estão todos de parabéns. Só que falta aquele jeitinho brasileiro, aquele humor e descontração. Não percebo porque é que tem que ser tudo sobre desgraças e encornanços. Salva-se a musiquinha do genérico, da autoria de Tom Jobim e Chico Buarque. “Pois é, pois é...”.