A pressa é inimiga da perfeição, diz-se. Gosto da variante "Se a pressa é inimiga da perfeição, porque é que os momentos perfeitos passam tão depressa?". E de facto é verdade. Quantas vezes demoramos horas, dias ou meses para produzir algo que disfrutamos apenas por alguns segundos? Dizem ainda que "depressa e bem, não há quem". Isto pode-se aplicar a quase tudo, talvez com excepção da reprodução entre os coelhos, ou no desporto automóvel. Imaginem que agora o Sebastian Vettel começava a conduzir o seu potente Red Bull a 50 km/h, e quando lhe perguntassem o que se passa, ele respondesse "calma...mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto", enquanto os restantes carros o dobravam a cada volta.
A pressa tem normalmente uma conotação negativa, como uma doença contagiosa, mas só quem tem pressa sabe o que isso custa. É mais ou menos como a gripe: quando um colega nosso está com gripe enquanto gozamos de plena saúde, queremo-lo o mais longe possível de nós, que vá tossir, espirrar, espalhar o ranho e os vírus para bem longe. Quando chega a nossa vez sentimo-nos molinhos, a precisar de um carinho, e somos enxotados e vetados ao abandono como reles leprosos. Os sintomas da pressa são facilmente detectáveis: passo apressado, olhar vidrado, tendência em olhar a toda a hora para o relógio, andar impacientemente de um lado para o outro, bater ritmadamente com um dos pés, entre outros. Quando duas pessoas avistam alguém com pressa aguda, diz uma à outra: "epá sai da frente que aquele gajo está cheio de pressa".
A única prevenção para a pressa é o tempo. O tempo está para a pressa como a vitamina C está para a gripe. Os médicos recomendam uma dieta rica em tempo de maneira a evitar a pressa. Uma vez infectado, o antibiótico é o descanso, e nos casos extremos, quando a pressa pode resultar em doenças mais graves, como o "stress", usa-se uma terapia de choque: as férias. É tiro e queda. Nunca vi ninguém dizer "olha, desculpa lá mas estou de férias, portanto tenho imensa pressa". As praias, os "resorts", as termas, as casas de campo e todo o resto são os sanatórios para os doentes de pressa.
A pressa é um mal típico das grandes cidades. O ar do campo faz bem à pressa. Eu próprio sofro de pressa, pode-se dizer que sou um "junkie" da pressa, e numa cidade como Macau, a pressa apanha-se facilmente, bastando um simples contacto com o ar. É o miasma da pressa que por aí se respira. Tomo com regularidade doses de tempo quanto baste, mas o virus da pressa desenvolveu uma resistência ao tempo. Chego a sair de casa com tempo de sobra, mas a quantidade de gente que encontro pela frente a pisar ovos e a dormir na forma provocam-me logo pressa. Se vou apanhar um autocarro que devia supostamente passar de dez em dez minutos, e já estou à espera há mais de vinte, sou logo acometido com um ataque de pressa. No fundo a culpa é de toda a gente menos minha. Passamos um terço da nossa vida a dormir, e não me apetece perder parte dos dois terços que me restam porque anda alguém constantemente a pisar na bola. Tenho pressa de viver.
Em Portugal não é muito melhor. Pode ser que tenha escolhido viver numa terra onde a pressa se apanha facilmente, mas nasci num país onde a pressa é agravada pelo seu estigma. Ter pressa em Portugal é pior que ter SIDA. Antes existiam uns cartazes muito giraços que os funcionários públicos penduravam na parede da sua repartição onde se lia "Tem pressa? Vá à merda!". Um pobre diabo que chegue a uma dessas repartições e encontre a recepcionista ao telefone com outra desocupada a discutirem as páginas cor-de-rosa da revista Maria enquanto lima as unhas, encosta-se ao balcão, e dois minutos depois de estar a ser completamente ignorado, começa a limpar a garganta: "Ahem". A tipa estende-lhe a palma direita da mão sem olhar para ele, e continua a tagarelar. O indivíduo insiste, e produz um "ahem" ainda mais alto, e depois outro. A recepcionista interrompe a conversa com a amiga tapando o telefone com a mão:
- "Desculpa Lurdes, está aqui um chato. Alguma coisinha?"
- "Sim, por acaso...importa-se de me atender?"
- "Porquê? Está com muita pressa?"
- "Por acaso estou, mas só estou a pedir-lhe que faça o seu trabalho, que é para isso que lhe pagam".
- "O quê? Que descaramento" - tira a mão do telefone - "Estás a ouvir isto Lurdes? Este gajo está a dizer-me como devo trabalhar...sim, sim...pois, estás a ver? É com cada cabrão..."
O cliente, já embaraçado, acaba por pedir desculpa, quando tudo o que pedia era ser atendido.
Quem não tem pressa, tem a mania de educar os apressados, com se fossem uns viciados - "larga a pressa que te vai matar, desgraçado". Outra situação. Um indivíduo vai buscar o fato à lavandaria logo pela hora da abertura, às 9 da manhã, pois tem um vôo para o Canada às 11 horas. Já são 9:05, e o cliente começa a ficar impaciente, espreitando através do portão semi-aberto. O proprietário inquire:
- "Alguma coisinha, amigo?"
- "Sim, por acaso, vinha aqui buscar o meu fato"
- "Ai sim? Então é só um bocadinho que eu já o atendo"
- "Demora muito?"
- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Mas porque é que não disse logo? Peço desculpa! Entre, entre, vou já atendê-lo".
Isto seria o ideal, mas raramente acontece, porque depois da confissão de pressa, é isto que acontece:
- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Ai sim? Então vá andando"
- "Bem gostava, se me entregasse o fato..."
Ou ainda:
- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Ah bem, uma hora, tem tempo".
- "Não está a perceber, vou perder o avião"
- "Como é que vai perder uma coisa tão grande? Ra ra ra!"
E já agora:
- "Porquê? Está com pressa?"
- "Sim! Estou com muita pressa!"
- "Então beba uma cervejinha que isso passa"
- "Às nove da manhã !?"
A alergia à pressa pode mesmo originar situações surrealistas. Por exemplo, um indivíduo chega a um banco por volta das nove e meia, e precisa de fazer um depósito urgente, e de seguida tem uma reunião não menos importante às onze. Tira a senha de espera, que é o nº 45, e estão a atender o nº 3, e estão abertos dois balcões. O tipo aproxima-se de um deles:
- "Desculpe, seria possível depositar este cheque com alguma urgência? É que não tenho tempo, e..."
- "Espere lá, por acaso está com...pressa?"
- "Sim, sim. Ainda bem que percebeu, pode-me ajudar?"
O empregado bancário levanta-se, abre os braços e começa a gritar:
- "Atenção senhores clientes, podem ir todos para casa, que nós vamos fechar por hoje. É que chegou aqui o rei da Tailândia, e está cheeeeiiio de pressa!"
O cliente, confuso e atrapalhado, sussurra:
- "Shhh...o que está a fazer, homem? É louco?"
- "Oh sua majestade, peço imensa desculpa, meu rei. Vamos largar tudo o que estamos a fazer e chamar os elefantes para lhe trazerem o tesouro, alteza".
- "Oh homem, por acaso está a ser sarcástico?"
- "Por acaso sim, nota-se muito?"
Sarcasmo...isso sai com água da torneira. Agora a pressa...